Viscondes “made in Brazil”: a história dos imigrantes portugueses que enriqueceram em Belém

Eles chegaram como imigrantes e inseriram-se na sociedade paraense […] Então, enriqueceram a tal ponto que conseguiram comprar, em Portugal, seus próprios títulos de nobreza e condecorações.

Cidade das Mangueiras. Do banho pelo Rio Guamá e pela Baía do Guajará. Do Círio de Nazaré. Do perfume da maniçoba. Do carimbó e do açaí. Batendo à porta dos 408 anos, não faltam adjetivos a Belém do Pará, uma cidade de mais de quatro séculos, com marcas dos antepassados e histórias do presente.

Embora se refiram a tempos distintos, passado e presente se encontraram no Programa de Pós-Graduação em História (PPHIST/IFCH), quando o pesquisador Luís Augusto Barbosa Quaresma documentou a trajetória de três importantes nobres da sociedade belenense dos séculos XIX e XX.

“Aqui, na UFPA, fui bolsista de Iniciação Científica desde o primeiro semestre do curso de Bacharelado em História, quando comecei a pesquisar o círculo intelectual do intendente Antônio Lemos. Nessas pesquisas, começaram a surgir alguns nomes de pessoas com títulos de nobreza que não constavam como nobres da terra ou nobres de barranco, que são aqueles que nasceram e viveram toda a sua vida aqui, no Pará, e ganharam o título de nobreza pelas atividades que desenvolveram”, revela Luís Augusto.

Foto: Reprodução/Acervo da pesquisa

A curiosidade aguçada e a experiência da Iniciação Científica foram o pontapé necessário para que Quaresma não tardasse a debruçar-se sobre a história de portugueses imigrantes que, enriquecidos em Belém, conseguiam comprar seus próprios títulos de nobreza concedidos pela Coroa portuguesa. 

Estava plantada a semente da dissertação de mestrado do pesquisador: ‘De imigrantes na Amazônia a nobres em Portugal – Visconde de Monte Redondo, Visconde de Penedo e Visconde de Nazaré’, defendida em 2022.

Dissertação conseguiu reunir dados de 1870 a 1934 

Os títulos de nobreza surgiram no continente europeu e eram concedidos pela família real que governava uma determinada região. Sua concessão levava em consideração as funções exercidas pelos nobres e sua posição hierárquica em relação ao rei. O título de visconde, concedido aos membros da aristocracia, era inferior ao de conde e superior ao de barão. A origem do nome vem do latim, vicecomes, cuja tradução é vice-conde, ou seja, homens que, mediante algum impedimento, atuavam no governo em substituição aos condes.

Do tipo documental e iconográfica, a pesquisa de Quaresma teve como objetivo compreender a trajetória dos três viscondes e as estratégias utilizadas por eles para se inserirem na sociedade belenense. A dissertação reuniu dados que vão de 1870, quando os três imigrantes, ainda sem título de nobreza, chegaram a Belém, até 1934, quando visconde de Monte Redondo faleceu.

O pesquisador utilizou como fonte os acervos de várias instituições de dentro e de fora do Pará para o levantamento de dados. 

“Eu me vali da documentação de época do século XIX e início do século XX para trilhar a história deles com o olhar da pesquisa e mostrar como era a cidade [de Belém], como eles a viam, como viam a comunidade portuguesa, como ela os via e como eram as relações que construíram tanto com paraenses quanto com portugueses”, 

comenta o historiador.

Para chegar ao seu objetivo, Luís Augusto organizou a análise de seus dados de três maneiras: primeiro, ele buscou documentos que versassem sobre os pesquisados; em seguida, associou o que encontrou em repositórios e instituições com a bibliografia pertinente e, por fim, fez o levantamento de imagens para dialogar com o texto.

De imigrantes comuns a viscondes renomados 

 A pesquisa trouxe os viscondes para o centro dos estudos. Assim, o pesquisador constatou algo em comum. Eles chegaram como imigrantes e inseriram-se na sociedade paraense por meio do comércio, das boas ações e do casamento. Então, enriqueceram a tal ponto que conseguiram comprar, em Portugal. seus próprios títulos de nobreza e condecorações.

“Para esses sujeitos, o título de nobreza significava o ponto auge do enriquecimento, o sucesso diante da comunidade, o triunfo!”, explica Quaresma. Ainda segundo o pesquisador, em um dado momento, os portugueses viam os viscondes como paraenses; e os paraenses os viam como portugueses, o que, no fim das contas, acabou lhes rendendo o status de luso-amazônicos, pois conseguiram unir as suas histórias pessoais com os dois lugares: o de nascimento (Portugal) e o de crescimento social (Belém).

Luís Augusto conta que os nobres estudados por ele trouxeram inúmeras contribuições para a cidade de Belém, como o Hospital Beneficente Portuguesa, o casarão da Faculdade de Direito do Pará, além de doação de livros para a Biblioteca do Grêmio Literário Português. O pesquisador destaca que ainda há muito da historiografia de Belém para se pesquisar e que sua dissertação foi apenas um início.

“Com a minha pesquisa, eu trago à tona assuntos como imigração, construção de relações na Amazônia no final do século XIX para o XX, além de contar capítulos da trajetória desses indivíduos, a respeito dos quais ninguém havia se debruçado de forma tão aprofundada. Inclusive, esta temática ainda é um campo aberto para pesquisas, visto que muitos nobres não brasileiros transitavam na cidade de Belém nessa segunda metade do século XIX e suas trajetórias ainda são pouco conhecidas”,

orgulha-se o pesquisador.

Contribuições dos Viscondes para a cidade de Belém 

Visconde de Monte Redondo Nome de registro: Joaquim Antonio de Amorim (1854-1934) Fundou a “Garantia da Amazônia”, primeira grande companhia de seguros das Regiões Norte e Nordeste, Ela contava com filiais no Amazonas, em Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro e em Portugal. À frente da empresa, o visconde emprestou dinheiro para comprar o casarão da Faculdade de Direito do Pará, no qual hoje funciona a OAB.

Visconde de Penedo Nome de registro: Antonio José Antunes Sobrinho (1835-1888) Foi presidente da Beneficente Portuguesa e organizou uma série de leilões e festas que culminaram na construção do Hospital da Beneficente Portuguesa, Dom Luiz I.

Visconde de Nazaré Nome de registro: Bernardo Antonio Antunes (1833-1905) Figura importante, principalmente, para a cultura e a economia. Muito atuante no Grêmio Literário Português, chegando a doar livros para a Biblioteca do Grêmio. Atuou, também, coletando objetos para exposições internacionais de produtos brasileiros, além de participar de atividades culturais como os festejos da morte do Marquês de Pombal. 

Sobre a pesquisa

A dissertação ‘De imigrantes na Amazônia a nobres em Portugal: Visconde de Monte Redondo, Visconde de Penedo e Visconde de Nazaré’ foi defendida por Luís Augusto Barbosa Quaresma, em 2022, no Programa de Pós-Graduação em História (PPHIST/ IFCH), da Universidade Federal do Pará. A pesquisa teve a orientação da professora Maria de Nazaré Sarges e contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, da UFPA, edição 169, escrito por André Furtado. 

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