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Victor Garcia, conhecido no meio artístico como Victor Xamã, é um rapper e produtor musical manauara que ganhou bastante destaque na cena do hip hop nacional com suas rimas que celebram a cultura da região Norte do Brasil. “De certa forma, venho de uma família musical”, diz ele.
“Minha avó cantava no coral da Igreja Católica, minha mãe gostava muito de cantarolar em casa e nas festas folclóricas, meu tio disputava campeonatos de karaokê de bairro, meus primos cantam. Porém, a música, e principalmente o rap, entraram na minha vida de uma forma interessante. Desde criança, tenho problema de disfluência de fala, gagueira. Tinha muita dificuldade de me expressar e de fazer as pessoas prestarem atenção à minha fala quando era mais novo, muitas vezes era interrompido. Então comecei a escrever bastante. Escrevia poesia, minhas ideias, expressava coisas que eu pensava. Nesse caminhar, conheci o rap bem garoto. Daí fui colocando meus escritos, e principalmente os trabalhos de escola, em ritmos. Eu apresentava as tarefas escolares fazendo rimas. Assim começou minha aproximação com o rap”.
Inspirado por artistas como Black Alien, Marcelo D2, Racionais MC’s, 509-E e outros, Xamã começou a construir sua trajetória no Rap dentro das possibilidades que Manaus oferecia para o estilo naquele momento.
“Além de ser um polo industrial, Manaus é uma cidade muito desigual e desequilibrada na questão econômica. É muito dual a sensação que a cidade causa. Porque, num certo momento, você está no centro, com prédios e tudo muito desenvolvido, como em qualquer cidade grande do Brasil. Mas você pega o carro, roda por 1h30 e já está embrenhado na mata em meio ao Amazonas. Essa dualidade sempre me atravessou muito, pois creio que não exista algo assim em nenhum outro lugar do país. E, por incrível que pareça, Manaus sempre teve muito incentivo para o hip hop. Eu me apresentei em inúmeros lugares, participei de muitos projetos sociais, criei grupos com amigos. Tudo era motivador e desafiador. Quando assisti o filme sobre a vida do Marcelo D2, me identifiquei muito, pois a gente criava situações para se apresentar. Havia várias batalhas de rimas no centro da cidade, foi um movimento incontrolável. O rap no Brasil virou um mecanismo de investimento, muitos shows passaram a acontecer fora do eixo Rio – SP e os grupos começaram a se apresentar em Manaus. E, antes dos shows, havia batalhas de rimas com os MCs regionais. Esse foi o principio”, relembra.
Ele diz que o nome artístico que adotou possui alguns significados. “Além de a palavra Xamã representar um símbolo de onde eu vim, diz também sobre a minha forma de fazer música, compor. Eu busco tranquilizar ou questionar usando sentimentos sinceros. No meu caso, Xamã significa ter uma visão mais ampla”, explica Victor.
Xamã estreou com o álbum Janela de 2015. Na sequência vieram V.E.C.G, em 2017 e Garcia, em 2023. “Meu primeiro disco, Janela, nasceu quando estava morando em Salvador. Minha mãe havia arrumado um emprego novo, e nós mudamos para lá. A Janela significa meu conflito e a minha cura. Significa a saudade que se transformou em observação. O processo de construção e criação foi pouco planejado, gravado de forma caseira, porém feito com muita dedicação. O disco foi escrito em Salvador, gravado em Manaus e lançado em São Paulo. Confesso que não esperava uma projeção tão ampla como a que alcancei, por ser um rapper da região da Amazônia”, diz.
O trabalho de Victor Xamã se projetou também por meio das principais plataformas digitais, como Spotify, Deezer e YouTube, nas quais suas canções registram milhares de acessos.
“A tecnologia quebrou barreiras em relação à produção e a divulgação de trabalhos independentes. Vejo que tem espaço para todo mundo, desde os grandes nomes do rap até as novas gerações. Existem diferentes nomenclaturas dentro do rap. Por exemplo, existe rap focado para quem gosta de anime. A indústria ainda é viciada em uma fórmula padrão. Entretanto, tem espaço para todo mundo com criatividade.”
A estética de Xamã combina seu timbre grave, beats sombrios e rimas recheadas de críticas e reflexões sobre a necessidade da preservação do meio ambiente, discrepância sociais e paixões. Victor diz ter consciência da relevância de abordar temáticas que sejam importantes para sua região de origem.
“Particularmente, acho muito importante trazer a minha cosmovisão. Acredito que as ‘Amazônias’ são plurais. Às vezes, os estereótipos subestimam e tentam colocar todo mundo dentro de uma mesma caixa caricata, uma visão colonial. A gente atravessa um período de total descaso. Não se trata somente da questão ambiental, mas de total descaso com a vida. A gente vive um tempo muito hostil. Então, cantar sobre onde nasci me alimenta. Isso é um combustível para mim”.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp, escrito por Renato Coelho