Racing Club Amazonense: o primeiro time amador de futebol de Manaus

Fundado em 1906, o Racing Club Amazonense foi o primeiro time de futebol de Manaus e responsável por popularizar e consolidar o esporte no Amazonas

Ilustração do Racing Club Amazonense, o primeiro time de futebol amador de Manaus. Arte: Lúcio Izel

Considerado o esporte mais popular do mundo, o futebol surgiu no século XIX através dos ingleses, que criaram as primeiras regras dessa prática esportiva e espalharam a modalidade por todo o planeta. No Brasil não foi diferente, com a chegada do inglês Charles Miller com a bola em 1894 no país. Mas você sabia que o primeiro time de futebol do Amazonas foi fundado em Manaus por um maranhense?

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Em comemoração ao aniversário de 356 anos de Manaus, o Portal Amazônia conversou com o historiador Gaspar Vieira Neto, que detalhou a história do Racing Club Amazonense, o primeiro time de futebol da cidade, criado em 1906 e responsável pela popularização e início da aceitação do esporte no Amazonas.

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Segundo Gaspar, o idealizador da primeira agremiação esportiva em Manaus foi José Conduru Pacheco, jovem maranhense que residia na cidade e que conheceu o futebol em Belém, no Pará. Lá, ele se encantou pelo esporte e voltou à capital amazonense disposto a consolidar aquela modalidade no estado, que naquela época tinha o ciclismo e turfe (corridas de cavalo) como as principais práticas de lazer existentes.

E quem foi José Conduru?

Membro de uma tradicional família do Maranhão, José Conduru Pacheco era um jovem profissional bem sucedido, cuja família tinha ramificações em Manaus e também no Pará. Segundo as pesquisas de Gaspar, o maranhense aproveitou uma viagem de navio e chegou em Belém, onde conheceu o futebol, modalidade até então desconhecida por ele, mas uma verdadeira paixão entre os belenenses.

“Conduru passou a apreciar os jogos entre os times de Belém, que já eram em bom número, e se deixou contagiar pela vibração do público e das partidas, se apaixonando por aquele esporte. Ele resolveu voltar para Manaus e assim que desembarcou na capital amazonense, decidiu fazer algo inédito até então: fundar um clube de futebol na cidade”, afirma o historiador.

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O futebol no Amazonas

Gaspar conta que, em 1906, o futebol já era praticado no Amazonas pelos ingleses há pelo menos três anos, na extinta praça Floriano Peixoto, no bairro Cachoeirinha. No entanto, o esporte era desconhecido por grande parte dos amazonenses.

“Em 1903, os ingleses costumavam, aos finais de tarde, realizar seus jogos na Praça Floriano Peixoto, no bairro da Cachoeirinha. Eles formavam seus times provisórios e começavam suas disputas, sob os olhares curiosos dos nativos, vendo aqueles britânicos se esbaldarem em busca de uma bola de couro, entre chutes e cabeçadas.
Porém, os ingleses não se mostravam dispostos a divulgar o futebol para os manauaras e só aceitavam membros de sua nacionalidade a jogarem as partidas”, relata o historiador.

Naquela época, segundo o historiador, o futebol já era uma das modalidades preferidas no Rio de Janeiro e São Paulo, as duas principais cidades do país, e também na Bahia. Na região Norte, o futebol já era praticado em Belém do Pará, com registros de sua prática datados no ano de 1896.

A primeira reunião

Encantado pelo futebol, José Conduru desembarcou em Manaus e convidou um grupo de amigos para uma reunião, que aconteceu no bar Itatiaya, que ficava situado entre as ruas Municipal (atual Avenida 7 de Setembro) e Marechal Deodoro.

Lá, o maranhense anunciou a intenção de fundar um clube dedicado ao futebol, ideia que teria sido recebida com muito entusiasmo pelos presentes no local.

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À direita, Bar Itatiaya, local onde foi fundado o Racing Club Amazonense. Cartão postal datado de 1918.

“Todos os demais se agradaram da brilhante ideia, e após a palestra de alguns rapazes, um deles, provavelmente Conduru, disse: o futebol traz o melhor dos benefícios salutares a qualquer cidadão. Precisamos da união que nos liga, fundar um clube nesse gênero e mantê-lo com o ríspido da nossa força de vontade”, conta Gaspar.

Após este discurso, segundo o pesquisador, todos os presentes concordaram com a proposta de Conduru, formando assim, naquele dia 13 de maio de 1906, o Racing Club Amazonense. O nome do time teria sido motivado pelo Racing Club de Paris, clube de futebol da França que era um dos principais da Europa.

Uniforme do Racing Club Amazonense. Arte: Sérgio Mello

Formação do clube

No dia 14 de maio, a Praça de São Sebastião foi o local escolhido para o anúncio do primeiro clube de futebol do Amazonas. Em frente ao Teatro Amazonas, Conduru e amigos começaram a discursar sobre a importância dos esportes na vida das pessoas e a introdução do futebol. Com a participação de 16 sócios, foi instalada ali a primeira agremiação daquele esporte no estado, onde, na ocasião, ocorreu também a “primeira” partida do time.

“Um dos sócios, ao ver uma barraca de vendas, umas bolinhas do jogo de crianças chamado pim-pam-pum, se apossou de uma delas e passou, junto com os sócios, a jogar futebol na praça durante horas. Aquilo causou risadas e curiosidades de quem assistia. Pode-se dizer que esta atividade foi o primeiro bate-bola não oficial do Racing”, pontua Gaspar.

Após aquela “pelada”, os sócios marcaram para o dia seguinte um novo encontro, agora para a escolha das cores do uniforme e a eleição de sua primeira diretoria. Numa reunião intensa, realizada na casa de Deodoro Freire, os sócios definiram o preto e branco como as cores do time, com o uniforme constituído de camisa branca com listras verticais pretas e calção branco. Votaram, também, pela organização estrutural do clube e a posição dos membros na equipe.

Primeiras dificuldades

Já fundado, o clube começou enfrentou as suas primeiras dificuldades como a ausência de uma sede, equipamentos e o principal objeto do futebol: a bola. Como Manaus não possuía estabelecimentos comerciais com esses apetrechos, Gaspar revela que José Conduru usou da sua estabilidade financeira para comprar os materiais diretamente do continente europeu.

“Conduru tirou dinheiro do próprio bolso para encomendar várias bolas da Europa, assim como outros utensílios. Em pouco tempo, um navio aportou na cidade com os materiais pedidos, fazendo a alegria dos membros do Racing”, frisa.

Já com a “pelota”, os jogadores começaram a treinar na praça Floriano Peixoto, que ficava no então bairro Cachoeirinha, entre as avenidas Canaçari (atual Carvalho Leal) e as ruas Borba e Canutama (atual Santa Isabel). Atualmente, no local da praça, hoje existe o Hospital Geral do Exército de Manaus – HGeM.

Local da extinta praça Floriano Peixoto, no bairro Cachoeirinha. Foto: Reprodução/Instituto Durango Duarte

O local, segundo Gaspar, acabou se tornando a sede provisória do Racing Club. Inicialmente, os treinos aconteciam entre os próprios membros do clube (titulares e reservas) e posteriormente contra times provisórios de ingleses. Em 1909, o clube enviou uma petição à prefeitura solicitando o direito permanente do logradouro e recebeu parecer favorável, transformando a praça Floriano Peixoto em sede definitiva.

“A primeira sede social do clube foi instalada na residência de número 16 da Vila Georgette, na rua Henrique Martins, e depois se mudou para a casa dos irmãos Armando e Alcebíades Antongini, na rua Saldanha Marinho, número 62. A partir de 1909 o clube passou a contar com uma sede de campo, no entorno da Praça Floriano Peixoto”, relembra o historiador.

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Confrontos

Em 18 de abril de 1907, um cidadão chamado Luiz Paulino fundou outro pioneiro clube do futebol amazonense: o Sport Football Manaós. Com sede numa casa na rua 24 de Maio, o time foi o responsável, junto com o Racing, pelo primeiro confronto entre clubes distintos de futebol local. A partida, anunciada com pompa pela imprensa, aconteceu em 16 de junho daquele ano, na Praça Floriano Peixoto, e que terminou com vitória por 8 x 2 por um dos times.

Partida entre Racing e Sport Football Manaós, na praça Floriano Peixoto. Ao fundo, a escola Euclides da Cunha. Ilustração: Lúcio Izel

“Devido a falta de alguns jogadores, as equipes se formaram com jogadores misturados dos dois times. E foi assim que seguiram muitos outros jogos dos times, mas infelizmente o Sport Football Manaós durou apenas alguns meses e foi extinto logo depois”, conta Gaspar.

Em setembro, surgia um outro novo clube denominado Sport Club de Manaós, que deu origem à primeira rivalidade da história do futebol amazonense. Racing e o clube recém-criado duelaram pela primeira vez no dia 22 daquele mês, e a partida terminou empatada em 2 x 2.

Tal confronto foi fundamental para incluir o futebol no lazer dos amazonenses, que começaram a se sentir atraídos pelo esporte – aceitação facilitada pelo declínio do ciclismo em Manaus e a consequente extinção do Velódromo.

Consolidação

Waldemiro Carvalho e Pedro Ricevich, jogadores do Racing Club Amazonense em 1910. Foto: Reprodução do periódico esportivo ‘O Sport’
Ciclista Stoessel, fundador e atacante do Racing Club. Foto: Reprodução/Manaus de Antigamente

A partir de então, o Racing começou a crescer em importância no cenário futebolístico e social de Manaus, além de incentivar, nos anos seguintes, a criação de outros clubes como o Brasil Football Club e o Manaós Athletic.

Com sede permanente e campo oficial na praça Floriano Peixoto, o clube passou a se dedicar à outras práticas esportivas como o remo, a natação e o atletismo.

O Racing foi o clube responsável também por revelar os primeiros craques da história do futebol local como o goleiro Horizonte Ramos e o atacante Alberto Balalai.

Deodoro Freire, que atendia pelo pseudônimo de Stoessel, era um dos maiores ciclistas do Amazonas e também foi fundador e jogador do Racing Club.

Extinção

Em 1912, o Racing passou por uma crise financeira que afetou os seus sócios e isso acabou culminando com o enfraquecimento do clube. Sem forças, o pioneiro e tradicional clube do futebol baré fechava as suas portas.

“O Racing foi o maior responsável em difundir, impulsionar e tirar o futebol do anonimato no Amazonas, numa época de muita dificuldade em seus primeiros anos de existência. Falta de materiais apropriados, concorrência com outras modalidades, desconhecimento do público e da imprensa, mas ele cumpriu a sua missão em popularizar e consolidar a história do futebol amazonense”, reforça Gaspar.

Quanto ao seu fundador, Gaspar conclui: “Ele voltou ao Maranhão, onde viria a falecer de causas naturais na cidade de São Bento, em 1917”.

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