O delicado bordado de hastes de ouro com laterais serrilhadas teria sido trazido à região de Natividade durante o período colonial por artesãos do Norte de Portugal.
Nos próximos 12 meses será realizada a pesquisa para o dossiê da Ourivesaria de Natividade. A ação é uma parceria entre pesquisadores da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Instituto Federal do Tocantins (IFTO), do Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O projeto tem o objetivo de atender à demanda da Associação Comunitária Cultural de Natividade (Asccuna) em reconhecer a ourivesaria de Natividade como patrimônio cultural. Ao fim da pesquisa bibliográfica, documental e de campo, serão produzidos relatórios de caráter etnográfico, descritivo e analítico e também um mini documentário.
O que é a ourivesaria?
A Ourivesaria de Natividade integra um amplo conjunto de joias artesanais confeccionadas com ouro e prata, utilizando diversas técnicas, sendo a filigrana uma das mais significativas. Esse modo de produção artesanal, que consiste no delicado bordado de hastes muito finas de ouro com laterais serrilhadas teria sido trazido à região de Natividade durante o período colonial por artesãos do Norte de Portugal.
Desde então a atividade tem sobrevivido em Natividade por séculos e, apesar de ter corrido o risco de desaparecer em alguns momentos, continua sendo desenvolvida por cerca de 40 artesãos e mestres em seis oficinas dessa cidade histórica tocantinense. Parte dessa continuidade se deve ao sucesso do projeto da Asccuna, que ofereceu oportunidades para jovens de baixa renda aprenderem o ofício, garantindo sustentabilidade econômica e a preservação mais democrática das técnicas. Com isso, alguns aprendizes abriram suas próprias oficinas, contribuindo para a continuidade material desse patrimônio cultural.
O caráter distintivo e específico da Ourivesaria de Natividade está nos motivos, na morfologia e nos significados simbólicos das joias, que mesclam elementos da natureza e da cultura popular brasileira e sintetizam os encontros históricos entre europeus e africanos, com as suas complexas e conflitantes relações, na confecção de peças elaboradas com metais preciosos extraídos até os dias atuais de áreas e empreendimentos mineradores da própria região de Natividade, como por exemplo, nos municípios vizinhos de Conceição e Almas.
Desejo da comunidade nativitana
A presidente de honra da Asccuna e mentora do projeto da Ourivesaria Mestre Juvenal, Simone Camêlo Araújo, conhecida como Simone de Natividade, é a proponente do pedido de registro junto ao Iphan e explica os principais motivos para isso.
“As joias artesanais de Natividade são produtos de uma atividade que é secular, que é tradicional, que vem sendo repassada de geração em geração. E faz parte da memória e da identidade cultural da nossa gente. Para nós, as joias fazem parte do nosso cotidiano e são a nossa identidade. Quando as pessoas veem, perguntam se é de Natividade. Então, ela já é uma referência e esse projeto vem ajudar para a preservação desse bem e para uma consequente manutenção, né? A expectativa é de que a partir deste reconhecimento, sejam propostas políticas públicas para a preservação e também a ampliação. Essas joias, que são verdadeiras joias, que não são só do povo nativitano, né? Queremos ela reconhecida nacionalmente”,
diz.
A missão dos pesquisadores
Para Cejane Pacini, a coordenadora do projeto, o Iphan está comprometido com o andamento à demanda dos ourives em serem reconhecidos, através do fomento à pesquisa e extensão que visa produzir e sistematizar conhecimento sobre o bem cultural.
“A partir deste estudo o Conselho Consultivo do Iphan poderá apreciar o pedido de registro que já foi julgado pertinente pela câmara técnica. O Iphan vem realizando pesquisas e extensões sobre patrimônio cultural deste estado em parceria com a UFT, possibilitando não só a construção do conhecimento sobre bens culturais, mas também fomentando que acadêmicos possam ter uma experiência de pesquisa neste campo de atuação, ou seja, estimulando na formação de novos pesquisadores e extensionistas”, informa.
A coordenadora da pesquisa, Noeci Carvalho Messias, afirmou que o desafio serve como motivação. “Vamos trabalhar para formar uma pesquisa potente para transformar a ourivesaria de Natividade em patrimônio brasileiro e assim projetar a ourivesaria no cenário nacional”.
A antropóloga da UFG, Nei Clara de Lima, já tem experiência bem sucedida em projetos de dossiê, com a aprovação das bonecas karajá, e se diz honrada em participar deste novo projeto.
“Pesquisar a ourivesaria de Natividade é um sonho antigo desde que comecei, em 1980, meus estudos sobre as cidades do ciclo do ouro. Tenho muito interesse em tudo que diz respeito ao legado cultural do período colonial na região central do Brasil. Espero contribuir, juntamente com a equipe responsável pela pesquisa, altamente qualificada, com a consolidação da documentação necessária para que o Iphan reconheça e atribua o registro da ourivesaria de Natividade como patrimônio cultural do Brasil e realize ações de salvaguarda de um bem cultural pleno de historicidade e significação para seus detentores e a população de Natividade e seu entorno”,
conclui.
O historiador e fotógrafo, Rafael Trapp, professor do IFTO em Dianópolis, considera que a pesquisa é de suma importância para valorizar o conhecimento sobre a Ourivesaria de Natividade e para aprofundar discussões sobre cultura material, memória e patrimônio cultural do Sudeste do Tocantins.