Se você mora no Brasil, certamente já deve ter ouvido ou até mesmo feito a brincadeira de perguntar: ‘O Acre existe?’. Que o Acre existe, isto é fato, pelo menos é o que o mapa do Brasil mostra. Mas por que ainda há essa pergunta em tom de chacota?
As origens deste ‘questionamento’ estão ligadas a fatores históricos e geográficos, de acordo com especialistas.
Distância: o primeiro fator é o distanciamento do Acre em relação aos grandes centros do país. Localizado no extremo oeste do Brasil. O estado fica a 2,135 km de Brasília; 3,034 km de São Paulo; e 3,322 km do Rio de Janeiro, por exemplo;
Sinônimo de morte: a morte de quase seis mil trabalhadores durante a construção da ferrovia Madeira-Mamoré em Rondônia criou uma atmosfera mística relacionada à região;
Lugar de punição: nos primeiros anos da República era comum que presos políticos fossem enviados ao Acre como forma de punição;
Esquecimento: após o fim do 1º Ciclo da Borracha o Acre perdeu importância política e econômica para o governo federal e empresariado. O território ainda conseguiu nova sobrevida com o 2º Ciclo da Borracha, durante a 2ª Guerra Mundial, mas perdeu novamente o interesse da classe dominante ao final do conflito;
‘Piada’ é antiga
Em uma pesquisa rápida na internet é possível ver diversos podcasts, vídeos, músicas, filmes, livros e textos respondendo à pergunta ou até mesmo afirmando que sim, o Acre existe.
Isto, inclusive, foi o que motivou a professora Giselle Lucena, da Universidade Federal do Acre (Ufac), a trabalhar esta temática. A jornalista conta que participou de diversos eventos acadêmicos onde pessoas de outras localidades do país estranhavam quando ela dizia ser acreana.
Das curiosas às grosseiras, as perguntas são as mais variadas possíveis, segundo ela, tais como: ‘no Acre é falado português?’ ou ‘quem é o presidente do Acre?’.
A tese de mestrado dela com o professor José Barros, feita em 2012, tem como tema: ‘O Acre existe? Variações e Perspectivas midiatizadas’ que, inicialmente, analisa a história e formação do território do Acre, que foi elevado a estado em 1962.
A pesquisa pontua que no início do século XX, muitas pessoas saíram dos grandes centros do país e foram trabalhar na ferrovia Madeira-Mamoré, que se entrelaça com a história de Rondônia, estado vizinho. Diversas pessoas morreram neste processo de construção, o que aumentou ainda mais o misticismo com relação a vir ao Acre, como sinônimo de morte.
O professor de História da Universidade Federal do Acre (Ufac), Airton Chaves da Silva, também pesquisa sobre história do Acre e falou que o contexto de isolamento atrelado à piada tem origens geográficas também, principalmente em razão de o estado estar distante das grandes metrópoles.
Negação e afirmação
Lucena discursa que quando as pessoas reproduzem a pergunta: ‘O Acre existe?’, se trata de uma atualização dos processos históricos envolvendo a história do Acre e a própria identidade, que foi formada no contexto de negação, afirmação e defesa do próprio território.
Para a análise, Giselle pesquisou e catalogou o comportamento das pessoas nas redes sociais, mapeando conversas no Orkut, Facebook, Google e Yahoo Respostas. Assim, ela conseguiu verificar como esses conteúdos mobilizavam pessoas em diversos aspectos e sentimentos. Somente no Orkut, segundo a dissertação, 15 comunidades com a temática ‘O Acre não existe’ foram criados na época.
No entanto, segundo a jornalista, não há unanimidade sobre como o acreano pode reagir quando esta ‘dúvida’ surgir.
A rede social precisa de pessoas debatendo, reagindo umas às outras, é isso que torna a rede social dinâmica”, declara.
Documentário
O questionamento foi tema do documentário ‘O Acre Existe’, produzido por Bruno Graziano, Milton Leal, Paulo Silva Jr. e Raoni Gruber, gravado em 2011. Os quatro paulistas estiveram no Acre por dois meses em 16 municípios e construíram um longa-metragem misturando ambientes e personagens e viajando pela história do estado, do Santo Daime, das tribos indígenas, da herança de Chico Mendes, soldados da borracha e do próprio Acre à época do documentário.
Bruno Graziano esclarece que os amigos haviam saído há pouco tempo da faculdade e queriam mostrar algo fora do habitual deles. A piada sobre a existência do Acre foi citada e assim, os quatro jovens decidiram fazer um filme alternativo para descontruir a ‘piada’.
O cineasta ainda fala que os quatro queriam que quem se dispusesse a assistir o documentário feito por eles, entrasse numa imersão ‘de uma viagem pelo Acre naquele tempo e naquela época’. Ele menciona que em 2024, 13 anos depois da filmagem, talvez fizesse o longa de uma forma diferente.
Sobre voltar ao Acre, Graziano comenta que os quatro pensam em voltar quando o documentário completar 20 anos, para fazer um segundo filme.
‘Caricatura’
Silva diz que a piada que se alastrou pela web se trata de uma ‘caricatura’ com o intuito de desfazer uma história coletiva, construída por nordestinos, indígenas, ribeirinhos, negros e trabalhadores no geral.
*Por Helen Monteiro, do g1 Acre