Literatura indígena tem mudado “o entendimento que nós temos de nós mesmos”, diz escritor Munduruku

A obra ‘Canumã’, de Ytanajé Cardoso, é considerada o primeiro romance escrito por um indígena do povo Munduruku. O Portal Amazônia conversou com o autor sobre o cenário atual da literatura indígena.

O Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, é uma data que marca a diversidade e a luta pelos direitos dos indígenas brasileiros. E uma forma de valorizar e perpetuar a cultura e a ancestralidade é através da sua literatura.

O Portal Amazônia conversou com o doutor em Educação, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professor e escritor indígena Ytanajé Cardoso, autor do livro ‘Canumã – a travessia’, para falar sobre sua obra e a importância de disseminar narrativas indígenas em um contexto de apagamento cultural de diversos povos.

A obra é considerada o primeiro romance escrito por um indígena do povo Munduruku. Confira a entrevista:

Foto: Iranélio Costa/Amazon Sat

Portal Amazônia: A literatura indígena tem ganhado visibilidade nos últimos anos? 

Ytanajé Cardoso: Eu venho observando que nessa última década, na verdade, a literatura indígena tem ganhado cada vez mais destaque, sobretudo com as políticas desenvolvidas pelos povos indígenas de falarem, de exporem as suas perspectivas, as suas vozes, e sobretudo a partir da lei 11.645 de 2008, que é uma lei que obriga as escolas, por exemplo, a colocarem em seus currículos o estudo de história afro-brasileira e culturas indígenas em sua grade curricular. 

Portal Amazônia: Para além da visibilidade, qual é a importância da disseminação dessas narrativas indígenas para além das narrativas que a sociedade já conhece?

Ytanajé Cardoso: As narrativas indígenas, o pensamento indígena é um universo completamente diferente do que já conhecíamos. E hoje esse pensamento – que durante muito tempo, muitos séculos, na verdade, foi estigmatizado pelo pensamento ocidental – hoje esse pensamento tem ganhado cada vez mais espaço. 

E a principal importância desse pensamento é que, a partir dele, nós podemos pensar num planeta mais solidário consigo mesmo.

Portal Amazônia: Como escritor, quais são as principais dificuldades de se publicar um livro na Amazônia?  

Ytanajé Cardoso: Antes a dificuldade era muito maior, hoje está mudando. Hoje, inclusive, há editoras que procuram escritores indígenas para publicar textos variados sobre a questão indígena. Agora, é claro que a grande dificuldade nossa dos povos indígenas é o domínio da técnica. Porque os nossos parentes ainda hoje não têm o domínio da técnica da escrita como teria alguém que estudou, que se aperfeiçoou, que lê muitos livros. Hoje a nossa grande dificuldade é essa, porque o mercado demanda isso. Então os povos indígenas hoje, agora, nessas últimas duas décadas, estão começando a adquirir o domínio da escrita e isso tem se ampliado e tem facilitado a publicação de livros. 

 

Portal Amazônia: O seu livro traz a ameaça do desaparecimento da língua Munduruku. Quais são as outras temáticas abordadas na obra?

Ytanajé Cardoso: Bom, o título do livro é ‘Canumã: a travessia’. A travessia é justamente a de muitas realidades. A travessia de um rio, de um pensamento, de uma forma de ver a vida. Se antes os Munduruku não conheciam, por exemplo, sequer a escrita ortográfica, hoje essa escrita é fundamental para a garantia de sobrevivência do povo Munduruku. 

Então, a literatura vem refletindo também sobre isso. É uma das travessias, é uma das temáticas. A mudança de vida dos povos indígenas. É porque eu não consigo ver literatura fora da nossa própria realidade. Porque a literatura, nesse caso específico da minha literatura, ela surge dessa realidade. Para que nós possamos entender o que está acontecendo no Brasil e especialmente no Amazonas. Em termos de relações interculturais.

Confira a entrevista completa 

“Espero que leiam cada vez mais literatura indígena. Porque ela tem dado sinais de que está mudando a realidade do povo brasileiro. Que realidade é essa? O entendimento que nós temos de nós mesmos. Então, por favor, eu rogo a vocês que leiam literatura indígena para que nós possamos levar a voz indígena aos quatro cantos do país”.

Ytanajé Cardoso

‘Canumã: a travessia’

‘Canumã: a travessia’ é o livro de estreia de Ytanajé Coelho Cardoso e apresenta uma linguagem envolvente, com uma narrativa bem estruturada, que tem como núcleo o momento delicado em que vive o seu povo. 

A narrativa enfatiza o papel dos anciãos, a ameaça do desaparecimento da Língua Munduruku, com a morte dos velhos, e a vida na comunidade. 

Ytanajé apresenta para o leitor, em uma linguagem simples, tanto divertida quanto trágica, o conhecimento da cultura, o dia a dia, as relações de amor, de amizade e da infância. Os Munduruku vivem na região do rio Canumã, em Borba (AM).

Foto: Iranélio Costa/Amazon Sat

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Belém é confirmada como cidade sede do ‘Global Citizen Festival’ em 2025

É a primeira vez que o evento será realizado na Amazônia. Ele faz parte da programação do G20 Brasil realizado na véspera do encontro da cúpula dos líderes de estado.

Leia também

Publicidade