Para o diretor, os grandes ambientalistas do Brasil são os povos nativos. “A gente esquece que tinham entre 20 e 40 milhões de pessoas vivendo aqui quando os europeus chegaram. E essa gente toda precisava comer e viver, e viviam com uma qualidade de vida interessante. Eles tinham fartura, e seu modelo econômico era um modelo altamente ecológico, que é a agrofloresta”, disse Bolognesi à Agência Brasil.
Assim, o Fica trouxe para o centro da discussão a reflexão sobre a importância do conhecimento indígenas para o pensamento ambiental, de como conseguir produzir alimentos preservando a biodiversidade genética de um bioma. “As árvores de araucárias foram eles que plantaram. Das matas de açaí, eram eles que disseminavam as sementes. Até a Mata Atlântica foi muito modificada pelos tupis-guaranis que plantavam tudo o que eles precisavam para comer”, exemplificou.
O diretor do filme afirma que o país precisa de novos paradigmas que considerem o conhecimento profundo dos povos nativos da América têm sobre como viver aqui. “Você pensa que um córrego em uma cidade como São Paulo, Recife ou Salvador, é um lugar onde se joga lixo, urina e fezes. Córrego em um território indígenas é um lugar no meio do mato onde as pessoas tomam banho no final do dia, dando risada e contando causos. Há uma maneira de viver que está em volta dessa produção ecológica”, explicou. “Nós somos escravos do tempo, eles são senhores do tempo”.
Bolognesi vislumbra que nas próximas décadas haverá esse movimento de troca de saberes e de valorização dos conhecimentos tradicionais. Segundo o diretor, já existem, inclusive, projetos de universidade indígenas, para que os “brancos” aprendam os saberes indígenas. “E tem coisas que a gente sabe que são úteis para eles. Eles usam muito a tecnologia, têm trocas interessantes para se fazer”.
Intolerância religiosa
O filme acompanha a história do Pajé Perpera Suruí em meio à crescente evangelização dos indígenas de seu povo. O diretor conta que o pajé só conseguiu se relacionar novamente com a comunidade depois de aceitar participar das atividades da igreja evangélica.
“O pajé está sob ataque, sendo acusado de ser um enviado do demônio. Mas ele resiste. Há uma resistência meio escondida, apesar de o pastor dizer que eles não podem ter aquelas crenças, ainda persiste uma maneira mágica de olhar o mundo, ligada à tradição”, explicou o cineasta.
É um filme de resistência, segundo o diretor, que retrata o processo de aculturação dos indígenas no Brasil e as contradições entre a transformação e a resistência da cultura e dos conhecimentos ancestrais.
O longa já ganhou dois prêmios, no Festival de Berlim e no Festival Internacional de Documentários. Hoje (6), Bolognesi viaja para a Inglaterra, onde o filme compete na mostra ambiental do Sheffield Doc Fest, um dos maiores festivais de documentários do mundo.
Para Bolognesi, as culturas indígenas estão sob um “segundo ataque”. O primeiro foi com a chegada dos portugueses e do catolicismo. “Quando parecia que tínhamos superado esse momento, desde as décadas de 1970 e 80, há uma incursão de igrejas evangélicas”, disse.
O Fica é promovido pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do governo de Goiás.