Judite Huni Kui – Mestra tradicional e presidenta da associação das produtoras artesãs Kaxinawa de Tarauaca e Jordão e Cacique Ninawa Huni kui – Presidente na Federação do povo Huni kui do Acre – FEPHAC. Foto: Mariana Alves/Iphan
No ano em que a Política de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial completa 25 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o Kene Kuĩ – conjunto de saberes e técnicas envolvidos na produção dos grafismos do povo Huni Kuĩ, originário da Amazônia Ocidental – como patrimônio cultural do Brasil.
O pedido de registro do novo patrimônio foi votado e aprovado por unanimidade, nesta terça-feira (25/03), durante a 107ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado de decisão máxima do Iphan para decisões sobre registros e tombamentos de bens culturais, no auditório do Iphan Sede, em Brasília (DF).
O pedido de registro do Kene Kuĩ no Livro dos Saberes foi feito ao Iphan no ano de 2006, por meio do documento assinado por 127 representantes de comunidades e organizações indígenas do povo Huni Kuĩ (Kaxinawá), como a Associação dos Produtores Kaxinawá da Aldeia Paroá (APROKAP), a Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE); a Associação dos Seringueiros, Agricultores e Artesãos Kaxinawá de Nova Olinda (ASPAKNO); a Organização do Povo Huni Kuĩ do Alto Purus (OPIHARP) e a Federação do Povo Huni Kuĩ do Acre (FEPHAC).
“É uma luta de muitos anos e um sonho coletivo realizado. Hoje o Iphan entregou o produto final que é o reconhecimento pelo estado brasileiro da nossa manifestação cultural”, disse o presidente da FEPHAC, Cacique Ninawa Huni Kuĩ.
A indígena, conselheira do conselho consultivo e relatora do processo de registro, Naine Terena de Jesus, destacou que “o contato do povo Huni Kuĩ com os não indígenas, entre os séculos XIX e XX, foi de extrema violência, num processo de tentativa de extermínio físico e cultural, e que o registro de suas práticas e saberes como patrimônio cultural do Brasil nos permite pensar criticamente no processo histórico e sócio-cultural sofrido por eles”.
A relatora disse, ainda, que a busca e escuta ativa do Iphan foi primordial para o sucesso do registro do Kene Kuĩ. “Dar voz não é o fator essencial para a equidade. O fator essencial é a escuta honesta, pois a voz sempre existiu, porém nem sempre foi ouvida, gerando processos de apagamento, muitas vezes proposital”, disse Naine Terena em seu parecer técnico.
Para o superintendente do Iphan no Acre, Stênio Melo, o reconhecimento dos grafismos do povo Huni Kuĩ resgata uma cultura milenar indígena.
“É o primeiro patrimônio imaterial genuinamente acreano. É representado através da tecelagem, da pintura corporal e faz parte da subsistência do povo Huni Kuĩ. É o Iphan dando vida a quem merece ter vida”, disse.

Antes mesmo do pedido de registro junto ao Iphan, os Huni Kuĩ já haviam realizado pesquisas sobre o Kene Kuĩ com o apoio de organizações indigenistas, produzindo uma vasta documentação financiada por meio de editais de fomento à cultura ao longo dos anos. Ainda assim, havia a demanda pelo reconhecimento e salvaguarda deste patrimônio, que se encontrava em desuso entre os jovens indígenas de algumas aldeias, ao mesmo tempo em que os usos considerados indevidos se expandiram.
Virou patrimônio cultural. E agora?
A partir de agora, o corpo técnico do Iphan e os detentores do bem cultural, juntos, vão desenvolver políticas públicas para a proteção do Kene Kuĩ, como oficinas de salvaguarda, pesquisas de campo e consultas públicas, fortalecendo o desenvolvimento de formas de transmissão.
Kene Kuĩ, grafismos do povo Huni Kuĩ
O povo Huni Kuĩ é originário da Amazônia Ocidental, na fronteira entre o Brasil e o Peru. Atualmente, habitam o estado do Acre e sul do Amazonas. O Kene Kuĩ é um conjunto de conhecimentos técnicos e rituais, materiais e imateriais, que envolvem a produção de padrões gráficos realizados pelo povo Huni Kuĩ. Suas produções envolvem tecelagem, cestaria, pintura corporal, cerâmica, produção de redes e miçangas, entre outros objetos. Mais do que uma manifestação artística, o Kene Kuĩ é considerado uma linguagem visual que incorpora saberes sobre o universo cosmológico, as relações sociais, as práticas rituais e os modos de vida do povo Huni Kuï.
Os grafismos dos Kene possuem uma estética que equilibra simetria e assimetria, figura e fundo, e utiliza padrões geométricos elaborados que narram histórias e refletem uma cosmologia rica e complexa. Tradicionalmente, a produção do Kene é realizada majoritariamente por mulheres, que desempenham o papel de “aïbu keneya” (mestras do desenho), transmitindo os saberes por meio de práticas orais, cânticos e rituais. O aprendizado dos Kene inclui também a observação e a relação com os “yuxibu” (seres da floresta), que inspiram e guiam a criação gráfica.
Foi nesse contexto que o pedido de registro do Kene como patrimônio cultural do Brasil foi discutido e solicitado pelo povo Huni Kuĩ. Foi destacado, no pedido de registro, que o Kene Kuĩ é uma das principais referências identitárias para o povo Huni Kuĩ, havendo a necessidade de se garantir o reconhecimento deste bem cultural enquanto conhecimento tradicional.
CONFIRA O PARECER TÉCNICO NA ÍNTEGRA.
*Com informações do IPHAN