Festa da Menina Moça representa resistência cultural de indígenas Tembé no Pará

Com todo o corpo pintado de preto, as meninas-estrelas da festa são apresentadas à sociedade, simbolizando a passagem da infância para a adolescência.

Indígenas Tembé que habitam a Aldeia Itaputyr, na Reserva Alto Rio Guamá, no Pará, realizam no período de 20 a 26 de dezembro um ritual chamado Festa da Menina Moça, um símbolo da resistência cultural Tembé. A festividade, retomada em 2008 em aldeias Tembé localizadas nos municípios de Paragominas, Capitão Poço, Tomé-Açu e Santa Maria do Pará, também é conhecida como Festa do Moqueado e mostrou aos aproximadamente 500 participantes, em 2023, a maioria indígena, detalhes da tradição que vão muito além do período da festa em si.

Com todo o corpo pintado de preto, as meninas-estrelas da festa são apresentadas à sociedade, simbolizando a passagem da infância para a adolescência. Na cultura Tembé, a tinta preta, feita à base de jenipapo, representa a noite. Quando começa a se desvanecer do corpo das meninas, aponta para a luminosidade da nova fase que estão prestes a viver. 

Foto: Joao Elysio Carvalho

A abundância de alimentos que surpreendeu os não indígenas que participaram da festa no ano passado foi viabilizada pelo deslocamento dos indígenas para o sul da Terra Indígena Alto Rio Guamá.

Com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), 30 indígenas das aldeias Itaputyr, Frasqueira, São Pedro e Tauary embarcaram em um caminhão e uma caminhonete com destino à Aldeia Três Furos, localizada às margens do Rio Gurupi, no município de Paragominas. O objetivo era adquirir grande parte dos alimentos (peixe e caça) que seriam servidos aos participantes que prestigiaram a Festa da Menina Moça.

Foram 11 dias caçando e pescando, em alegria incontida pela motivação que a festa provoca entre os Tembé.

“A Festa do Moqueado significa a parte espiritual do povo Tembé, um momento sagrado”,

resume Jhejha Tembé, cacique da Aldeia Itaputyr.

Foto: Joao Elysio Carvalho

Jhejha Tembé ressaltou que o apoio da Funai e de outros parceiros foi fundamental para a promoção e êxito do evento.

Para Shirleno Paes, chefe da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em Belém: “Cultura é vida, é história. A Funai apoiará eventos dessa envergadura sempre que tiver condições”, pontuou.

Ricardo Totoré, indígena da etnia Gavião Parkatejê, que chefia a Coordenação Regional da Funai do Baixo Tocantins, e tem sob sua jurisdição a CTL-Belém, ressaltou que “a Festa da Menina Moça é a concretização da raiz que existe em relação a esse povo (Tembé), que cada vez mais se perpetua”. Ele acrescenta que a festa “serve para que futuras gerações vejam que existe tradicionalidade no povo Tembé”.

Foto: Joao Elysio Carvalho

O maior responsável pela motivação dos Tembé para promoção de festas e rituais tradicionais, sobretudo a Festa da Menina Moça, se chama Patiki Tembé, mais conhecido como Chico Rico, que, se vivo fosse, hoje estaria com 89 anos.

Dona Pirimina, que compartilhou mais de 40 anos de sua vida com Chico Rico, com quem teve quatro filhos, participou da celebração na Aldeia Itaputyr:  “Sinto-me feliz e emocionada. Recordo intensamente do meu marido (Chico Rico), que incentivava e se entusiasmava com cada manifestação cultural do povo Tembé”.

Chico Rico também desempenhava o papel de pajé. Dona Pirimina relata que, antes de falecer, Chico Rico transmitiu alguns conhecimentos sobre a pajelança, os quais ela mantém em segredo. “Uso-os apenas para o bem das meninas, para afastar os espíritos malignos”, afirmou.

“Chico Rico era o grande guardião da cultura Tembé”, destaca o indigenista Juscelino Bessa, membro da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em Belém. Ele complementa: “A sorte é que ele (Chico Rico) transmitiu muitos conhecimentos para outros indígenas”, ressalta Juscelino.

A Festa da Menina Moça ganhou destaque e visibilidade a partir de 2010, com reportagens veiculadas nos jornais de Belém e em emissoras de televisão. “Os mais antigos não desejam que todas as tradições se percam. Parentes vieram me procurar porque guardo muitas histórias de caça, pesca e moqueado; além da língua, que falo constantemente. Eles pensavam que nossa tradição já não existisse mais”, afirmou Chico Rico em uma entrevista ao repórter Ismael Machado, do jornal “Diário do Pará”, em 2008.

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