Dossiê atualiza pesquisas sobre linguística, arqueologia e antropologia relacionadas à indígenas do Alto Xingu

O volume recém-lançado completa a troca de experiências entre povos xinguanos e pesquisadores, incluindo novos aspectos da problemática xinguana em trabalhos relacionados ao povo Wauja.

Na tradição Wauja, um dos povos indígenas que habitam a Terra Indígena Alto Xingu, no estado do Mato Grosso, quando chegam à adolescência, meninas e meninos passam pela reclusão pubertária, a payãkuwakí (palavra wauja), período que inclui a primeira menstruação feminina e no qual essas e esses jovens envolvem seus corpos em um processo de escarificação (desenhos e marcas feitos por cortes superficiais na pele), consomem determinados remédios e passam a usar de adereços para ficarem belos. 

Esse ritual também serve para descobrirem a sua função social na própria comunidade, incluindo a transmissão de conhecimentos ancestrais aos mais novos.

A reclusão pubertária (payãkuwakí) é um dos temas da segunda parte do dossiê ‘Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu’ publicado na mais recente edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.

Foto: Mapapalu Waurá

E esse trabalho apresenta conhecimentos e pontos de partida para novos saberes e fazeres científicos sobre os povos indígenas dessa região do país. Quem não se sente atraído para uma reclusão (em outros termos, momento de meditação, reflexão, autoanálise e descobertas de novos significados) para aprofundar o olhar para as realidades, culturas, visões de mundo de diferentes cidadãos, povos originários ou não e a convivência entre eles, mediante a renovação do pensar?

É esse espírito dos estudos nesse Boletim, fechando 2023, ano em que o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) atingiu a marca de 157 anos de contribuição científica aos estudos acerca da cultura e de povos indígenas e do povo negro e de comunidades tradicionais, entre tantas temáticas de interesse coletivo na Amazônia e em outros espaços do Brasil.

Como explicam os organizadores, Aristoteles Barcelos Neto, da University of East Anglia. Norwich, Reino Unido; e Luísa Valentini, da Universidade de São Paulo, Brasil; a troca de experiências entre povos xinguanos e pesquisadores, verificada na primeira parte do Dossiê, é retomada, agora, com avanços no aprofundamento de questões clássicas do interesse da antropologia, da arqueologia e da linguística. 

Nesse contexto de novos aspectos da problemática xinguana, o Dossiê apresenta, em particular, trabalhos relacionados ao povo Wauja. Assim, o antropólogo wauja Autaki Waurá traz o tema clássico de interesse etnológicos, o da prática da reclusão pubertária, crucial na produção da pessoa indígena e de suas relações e potencialidades na vida adulta.

Pesquisas

No Dossiê, o leitor confere seis artigos de autoria dos pesquisadores: Autaki Waurá, Emilienne Ireland, Christopher Ball, Patrícia Rodrigues-Niu, Tiago Braga Sá, Bruna Franchetto, Gélsama Mara Ferreira dos Santos, Bruno Moraes, Ashauá Didi Kuikuro, Antonio Guerreiro e Aline Regitano, após a publicação de trabalhos de Patrícia Rodrigues-Niu e Mafalda Ramos, Kanawayuri Kamaiurá e Mayaru Kamayurá, Marina Pereira Novo, Amanda Horta, Carlos Eduardo Costa e João Carlos Almeida (Confira AQUI).

As transformações dos modos de produção e distribuição em meio às relações e à economia no cotidiano Wauja, com especial atenção aos modos como salários e produtos industrializados vêm sendo incorporados e afetam essas redes, são abordados por Emilienne Ireland, em extenso relato que resulta de quatro décadas de convivência.

Uma abordagem fundamentada na relação entre a linguística e a etnoarqueologia sobre como a temporalidade se relaciona à história e cultura dos Wauja, ou seja, como diferentes tempos se entrelaçam no espaço vivido e pensado por esse povo, é apresentada por Christopher Ball e Patrícia Rodrigues-Niu. Esse trabalho apresenta-se como um portal para o aproveitamento de recursos descritivos e metodológicos científicos para revisão e aperfeiçoamento de políticas relacionadas ao patrimônio cultural.

A historiografia/temporalidade do povo Kuikuro e suas conexões com a paisagem, envolvendo, inclusive, a natureza política do espaço do Alto Xingu, é o tema enfocado pelos pesquisadores Tiago Braga Sá, Bruna Franchetto, Gélsama Mara Ferreira dos Santos, Bruno Moraes e Ashauá Didi Kuikuro, partindo da linha de estudo, do artigo anterior, o das ‘línguas sem flexão verbal de tempo (tense)’.

Outra investigação cujos resultados estão no Dossiê Xingu, é a construção das redes de parentesco entre os integrantes do povo Kalapalo (sua composição e significados para a continuidade da vida entre esses cidadãos indígenas) em um ambiente intensamente interétnico como o Alto Xingu. Esse estudo está a cargo do pesquisador Antônio Guerreiro.

O Dossiê se encerra com o trabalho da pesquisadora Aline Regitano acerca do “envolvimento de mulheres em atividades xamânicas e políticas a partir dos itinerários biográficos e de uma fala da liderança, ceramista, pajé, raizeira, rezadeira e parteira Kamaya (Iamony) Mehinako – que, assim como o cacique Aritana Yawalapiti, biografado no número anterior, faleceu durante a epidemia de COVID-19”. 

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