‘Descer na balsa’: entenda origem da expressão regional que ganha força após eleições no Acre

Historiador Marcos Vinicius Neves explica que frase tem uma origem muito anterior a 1970, que foi quando o jornalista Aloísio Maia consolidou o termo para definir o que aconteceria aos perdedores da eleição.

Charge de balsa é tradição em jornais impressos do Acre. Imagem: Dim Mendes/A Gazeta do Acre

As Eleições 2024 ocorreram no dia 6 de outubro e, claro, nem todo mundo vence o pleito — faz parte do processo eleitoral democrático. Justamente por conta disto, nesta época já é de costume do acreano escutar que um candidato “desceu na balsa para Manacapuru”. Mas qual a origem deste termo?

O significado é diferente no Acre do que é para outras pessoas do Brasil, principalmente se for dito após contexto eleitoral. Isso porque essa é uma expressão usada para definir quem foi derrotado e não foi eleito ao cargo a que concorria.

Em todas as eleições, os jornais impressos do Estado faziam uma charge dos candidatos derrotados em uma balsa. Atualmente, essa versão foi atualizada para o universo digital.

‘Descer de bubuia’

O Grupo Rede Amazônica conversou com o historiador Marcos Vinicius Neves para entender a origem dessa expressão. De acordo com ele, o primeiro a usar o termo foi o jornalista Aloísio Maia, que foi quem readaptou essa metáfora, baseada em outras expressões anteriores. Neves explica que na Amazônia há uma ação chamada ‘descer de bubuia’.

“O que desce de bubuia, o rio, o bubuiar, que é uma coisa que é do arquétipo amazônico. Aquilo que desce o rio pela correnteza, é o que já está gasto, é o que está usado, é o que não presta mais. Então a pessoa joga dentro do rio e o rio se encarrega de levar, é o lixo, é o que não presta”, diz.

‘Judas malhado’

O historiador cita que a outra referência para que “descer a balsa” seja usado com frequência no Acre é a do ‘Judas malhado’ pelos seringueiros. Essa é uma tradição católica que seria uma maneira de vingança pela traição de Judas contra Jesus.

Segundo Neves, no Acre, dentro dos seringais, os seringueiros vestiam Judas como seringueiro, colocavam numa balsa e empurravam para descer o rio. Enquanto a balsa estava descendo, eles ficavam nos barrancos, jogando pedras e xingando Judas que estava descendo ‘de bubuia’.

“O que em alguma medida é isso: quem não presta, o que não presta, o destino é ser colocado para descer o rio e isso de uma certa maneira, essa figura, essa imagem do inconsciente coletivo amazônico, foi colocada também em relação aos políticos”, esclarece.

Charges que retratam os derrotados nas eleições dentro de uma balsa são comuns desde os anos 1970 no Acre. Foto: Arquivo/A Gazeta do Acre

Contexto histórico

Mais um motivo para que a balsa no Acre tenha outro significado é referenciado pelo historiador como a época das revoltas autonomistas, em Cruzeiro do Sul em 1910, e em Sena Madureira em 1912, onde o castigo para o governante autoritário, que era deposto por essas revoltas autonomistas, era ser colocado numa balsa para descer de bubuia o rio e “sofrer o castigo”.

“O castigo dele era ser expulso do Acre, embarcado numa balsa, descendo de bubuia na correnteza do rio, para demorar bastante e portanto ir pagando os pecados dele. É o castigo principal dos maus governantes derrotados”, atesta.

E foi através dessas referências que Maia, em 1970, usou pela primeira vez, Manacapuru como uma forma de citar uma “punição” aos perdedores da eleição.

“Então Luís faz essa síntese da balsa e ele bebe dessa fonte, tanto do arquétipo amazônico no descer de bubuia, significando jogar fora o lixo, aquilo que não presta, quanto também o ativismo político, tipicamente criando que no período de território federal que faz revoltas e depõe os maus governantes e os expulsam do Acre através de uma balsa, até porque não tinha outra maneira de ir embora, o Acre só chegava e só saía de barco”, comenta Neves.

O chargista Dim Mendes faz charges desde 1984. Foto: Dim Mendes/Arquivo pessoal

O historiador ainda cita que viajar em um rio num barco a vapor numa cabine de luxo, muito comum na época da Revolução Acreana, não era um castigo.

“Então o castigo era botar na balsa para descer de bubuia. O Aloísio Maia sintetiza isso tudo e eu acredito que é por conta da profundidade disso, dessa ideia, dessas imagens na sociedade acreana, que isso se cristalizou. A gente está falando dos anos 70, a balsa para a Manacapuru, portanto, já tem mais de 50 anos, então é uma coisa já bastante enraigada na cultura política do Acre”.

Neves também menciona que Aloísio Maia era um jornalista muito expressivo e tinha coluna nos jornais locais do Acre, que o ajudou a formular e disseminar a imagem do político derrotado, sendo “condenado” a pegar uma balsa para ir para Manacapuru.

*Por Hellen Monteiro, da Rede Amazônica AC

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