Apresentações online marcam o Dia do Contador de Histórias na capital paraense a partir deste sábado (20)
Neste dia 20 de março, comemora-se o Dia Internacional do Contador de Histórias. A data foi criada na Suécia, em 1991, para promover a atividade e a rede internacional de contadores. Atualmente o evento é celebrado em 25 países de todos os continentes, inclusive no Brasil.
A arte milenar de contar histórias marcou também a história da humanidade. Quando se fala em contadora de histórias, o senso comum muitas vezes a associa à imagem pueril das vovós, com seus netos ao colo. Mas em Belém, existem duas mulheres que transformaram a contação de histórias em instrumento de força e mudanças. E por ocasião das comemorações pelo Dia Internacional do Contador de Histórias, ambas têm a chance de, mesmo em plena pandemia, divulgar seu talento para todo o país em apresentações online. Senta que lá vem história. As histórias por trás de suas bravas contadoras.
Bibliotecas comunitárias
Contando histórias, Joana Chagas, 55 anos, se descobriu. “Foi por meio desta arte que fui ao encontro da minha ancestralidade e me descobri indígena, o que têm me alimentado o espírito”, revela. Licenciada em História, ela hoje se autodenomina contadora de histórias, mediadora de leitura e rabiscadora da palavra poética.
Joana é articuladora na Biblioteca Comunitária Itinerante BombomLER, no bairro da Marambaia, em Belém. A BombomLER compõe a Rede de Bibliotecas Comunitárias Amazônia Literária.
Criada em 14 de agosto de 2017, a Rede é composta por sete bibliotecas comunitárias distribuídas em bairros periféricos de Belém. A principal bandeira é a luta pela leitura como um direito humano, e também pela Política do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.
Existe um movimento de articulação com todo o Segmento do Livro e Leitura, para a criação dos Planos do Livro e Leitura em Belém e no Estado, e assim ampliar a Rede de Leitura para todo o Pará.
“Fazer parte desse processo de organização é extremamente emocionante, pois te dá possibilidade de contribuir para a mudança na cultura das pessoas, que por séculos têm aprendido a olhar a leitura como castigo, obrigação, em detrimento da leitura literária, que não apenas estimula a imaginação, mas também serve como um instrumento de transformação social”, destaca Joana Chagas.
Nesse sentido, a Rede traz uma visão e prática bebidas na fonte do educador Paulo Freire. Através dela, o livro ganha um olhar de “perigo”, porque ao ler, a pessoa se percebe autor, sujeito, protagonista de sua própria história.
Com a pandemia, desde 2020 a Rede tem adequado as ações para o modelo semipresencial e virtual. Mas, como as suas bibliotecas se localizam em territórios onde a grande maioria da população não tem acesso à internet, algumas bibliotecas têm se organizado no sentido de trazer ações nas quais possam seguir as orientações de prevenção e segurança da OMS.
Para isso, foram instalados totens com álcool em gel e pias para se lavar as mãos. A BombomLER, no bairro da Marambaia, criou o projeto “Bom é ler de porta em porta”, que vai às ruas do bairro, levando a contação de histórias, mediação de leitura e a poesia, além de distribuir livros e máscaras aos moradores. Esse projeto ganhou repercussão nacional, através de uma matéria na TV Cultura de São Paulo. As pessoas ficam do lado de dentro, e as mediadoras do lado de fora da casa.
Outras bibliotecas também estão executando seus projetos, selecionados através da Lei Aldir Blanc, realizando oficinas onlines e/ou semipresenciais, em locais abertos.
Às vésperas de completar 56 anos, no dia 24 de março, Joana ganhou um presente antecipado. Na última sexta-feira, 19, ela foi uma das duas representantes do Norte no Festival de Contadores de Histórias no Ciberespaço, em São Paulo. São setedias de programações com contadores de história de todo o país, através de um canal no You Tube. O tema da oficina ministrada por Joana foi: Nós, As Matintas.
Festival Amazônico de Contação de História
Neste 20 de março, um outro Festival online, de alcance nacional, irá trazer o talento de paraenses na contação de histórias. O 1º Guirii – Festival Amazônico de Contação de História- é um evento online, que visa a exibição de vídeos de contações de história para o público infantil, e foi beneficiado pela Lei Federal Aldir Blanc (Lei nº14.017/2020), Governo de Rondônia, por meio da Superintendência Estadual da Juventude, Cultura, Esporte e Lazer de Rondônia (Sejucel).
O Festival vai de 20 a 24 de março e traz 25 participantes de vários estados do país, como São Paulo, Rio de janeiro, Rondônia, Ceará, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina e do Pará.
Concorrendo com 266 inscritos, os selecionados pelo Pará foram os artistas Ester Sá e a Cia. Girândola de Contadores de História, representados por Katulo Gutierrez.
Rede de histórias e afetos
Katulo Gutierrez e Ester Sá fazem parte da Recontah- Rede de contadores de Histórias do Pará, um coletivo de artistas que se dedica à arte de contar histórias e que se reúne para realizar ações coletivas e compartilhamento de informações e de afeto.
A Recontah-PA integra cerca de setenta contadores de histórias, dentre os municípios da região metropolitana de Belém, e conta também com membros de Paragominas, Marabá, Altamira, Cachoeira do Arari e Parauapebas.
De contadora de números à contadora de histórias
Uma das integrantes da Recontah-PA é Ester Sá, 48 anos. Formada em contabilidade, ela se descobriu contadora de histórias depois de fazer a Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará. Mas, no meio do caminho, foi de bancária à cantora.
Ester começou a experimentar no teatro o ato de narrar. Participou de um espetáculo chamado O Império de São Benedito, com direção da Karine Jansen, onde a narrativa era o ponto estruturador da cena. Foi aí que ela percebeu essa força dentro do seu trabalho. Logo depois ela fez o seu primeiro espetáculo solo, o Iracema Voa, também estruturado na narrativa.
Quase que ao mesmo tempo, surgiu uma demanda de apresentações de histórias em uma livraria de Belém, para a qual ela acabou prestando serviços por alguns anos, quase que semanalmente. “Assim comecei a compor um repertório com muitas histórias, e fui cada vez mais me interessando em estudar e perceber a transformação que íamos fazendo juntas, eu nas histórias e elas em mim”, revela Ester Sá.
A arte de contar histórias precisou se adequar aos tempos digitais e à pandemia. “Tenho apostado nesse poder de chegar além de onde meus olhos conseguem, algumas distâncias a mais de alguns metros, usando a tecnologia como instrumento. Assim, estreei um canal no You Tube ( Ester Sá), e também fiz algumas apresentações online, via meeting, que me surpreenderam”, conta Ester.
Mãe da pequena Alice, de 8 anos, nome dedicado à mãe de Ester, que dava aulas particulares para crianças em sua casa, no bairro do Reduto, ela virou ouvinte das histórias da menina. “Nossa relação é entremeada pela arte, que faz parte das nossas vidas. É como a comida, faz parte do todo dia”, destaca a contadora de histórias.
E em tempos de pandemia, imergir no universo imaginário pode ser transformador. “Percebo que olhar pra dentro é o caminho pra a mudança. Então a história, quando chega, ela pode te dar uma pista, ela pode ajudar a mover algo, te ajudar a sentir. Mas não é a história que vai mudar o mundo, são as pessoas. E mudar vem de um querer muito profundo. Quando a gente quer, os elementos aparecem para nos ajudar, e as histórias podem ser um desses instrumentos possíveis”, pontua Ester.