Conheça os xaponos, moradias comunais dos indígenas Yanomami

A forma com que uma população enxerga o mundo contribui diretamente com a organização de suas moradias. Este é o caso dos Yanomami, povo que enxerga a terra como pertencente a todos.

Ocas? Malocas? Qual a nomenclatura correta para as moradias indígenas? De fato, ambas alternativas estão corretas, ao menos quando nos referimos a algumas etnias dos povos originários. Para nível de exemplificação, na Amazônia existem cerca de 180 povos indígenas diferentes – segundo dados do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) – cada um com uma miríade cultural, social e organizacional únicas. 

E apesar de alguns povos compartilharem similaridades, não se deve cair no reducionismo que caracteriza todos esses povos apenas como “indígenas”, como se pertencessem a um único grande grupo. Da mesma forma, nem todas as habitações dessas populações possuem a mesma organização, método de construção e identidade.

Assim, dentre as populações indígenas que habitam a floresta amazônica, os Yanomami possuem moradias distintas, conhecidas como xaponos. Para entender as peculiaridades que distinguem estas construções das moradias das grandes metrópoles, ou mesmo das de outros povos originários, o Portal Amazônia conversou com Daniela Gato, antropóloga e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM), que estuda as relações políticas do povo Yanomami há cerca de seis anos.
Interior de moradia comunal Yanomami. Foto: Reprodução/Carlo Zacquini/Instituto Socioambiental

Xaponos: comunidades e moradia Yanomami

Os Yanomami tem uma visão de mundo singular a outras populações, diferenciando-se de muitas etnias indígenas. 

Leia também: Estudo etnográfico mostra que os Yanomami entendem sonhos como experiências reais

Segundo a pesquisadora: “os Yanomami tem a ideia de que a terra é uma só, a qual eles denominam de Urihi (terra-floresta). Isso se representa por essa noção de casa comunal e de espaços de circulação, compostos por trilhas interligadas que ultrapassam fronteiras nacionais”.

Daniela explica que algumas destas trilhas eram tão grandes que conectavam suas comunidades desde o Brasil até o território da Venezuela. Esse modo de ver o mundo, como pertencente a todos, contribui significativamente com a forma como as moradias dessa população são organizadas.

“O modo de vida Yanomami gira em torno dos xaponos, que são como comunidades, na visão Ocidental do termo. Só que, um xapono Yanomami não diz respeito apenas ao local de moradia, que é uma casa comunal – compartilhada por mais de uma família – mas, também, diz respeito a vegetação que circunda essa moradia, as trilhas que levam as roças das famílias, aos locais sagrados e aos igarapés”,

explica.

Desta forma, é impossível reduzir os xaponos apenas às estruturas arquitetônicas, eles são muito mais que isso.

“Os xaponos dizem respeito a todo o ambiente onde essas famílias circulam e vivem. É onde os Yanomamis compartilham de sua cultura e existência. É interessante pensar que a forma como esses povos veem o mundo, é também como eles habitam o mundo”,

complementa.

Tipos de xaponos

Mesmo dentre a população Yanomami existem diferentes tipos de xaponos. Todos compartilham como característica comum o formato circular. Entretanto, algumas comunidades, principalmente as que foram mais “afetadas” pela ação dos missionários (católicos e evangélicos), possuem divergências em sua forma de estruturar suas habitações.

Alguns xaponos, se organizam por meio de uma estrutura única, organizado na centralidade de uma casa comunal com um único telhado. Normalmente são feitas de bambu e palha, materiais menos resistentes, que tornam as construções efêmeras – passageiras – indo ao encontro com a visão de mundo desta população, pois a reconstrução e até mesmo o abandono dessas estruturas conforme a necessidade, em prol da construção de novas moradias, faz parte do repertório cultural Yanomami. 

“Esses xaponos [de estrutura única] são compostos por um mesmo telhado contínuo, em formato circular, no qual, as famílias compartilham o mesmo ambiente sem nenhuma divisória ou parede. Entretanto, existe uma lógica própria de organização dentro do xapono que define o lugar da ‘rede de cada um’, e no caso de visitas, é comum que sua rede seja posta ao lado do pata [liderança tradicional] daquele xapono. Então, não existem divisões [físicas], é literalmente uma casa comunal onde todos vivem compartilhando o mesmo ambiente”, comenta a antropóloga.

Xapono de estrutura única. Foto: Marcos Wesley/CCPY

Outro tipo de xapono é o de estrutura segmentada. Em que, apesar de se manter uma única grande casa comunal em formato circular, existem vários “telhados” que pertencem a diferentes famílias. Segundo Daniela, “cada família possui sua própria cobertura, uma ao lado da outra, mantendo o formato circular, só que sendo separadas em pequenos espaços”.

Xapono de estrutura segmentada. Foto: Reprodução/Funai

Esses dois tipos de xaponos, tanto o segmentado, quanto o de estrutura única, são considerados como tradicionais aos costumes deste povo. 

No entanto, por conta da relação com a colonização, mais precisamente com a ação missionária de católicos e evangélicos, outros tipos de xaponos começaram a surgir, pautados numa nova lógica de organização do espaço e de relação entre as pessoas. 

“Assim, xaponos como, por exemplo, o de Ariabú em São Gabriel da Cachoeira se caracterizam pela separação das famílias em casas de alvenaria que ocupam um espaço muito maior comparado aos outros tipos de xapono, visto que, nessa região ouve um intenso processo de nucleação, ou seja, “atração” e “concentração” de xaponos que antes viviam espalhadas num único lugar, em torno da missão instalada pelos salesianos [missionários católicos]. Embora [também] se chamem Xaponos, eles têm uma lógica de organização completamente diferente. São casas separadas umas ao lado das outras, não mais apenas coberturas, apenas redes. Essas comunidades têm outras construções além da principal”,

complementa.

Xapono Ariabú, mais afetado pela colonização. Foto: Raimundo Nonato/ Acervo pessoal

Xaponos X outras habitações indígenas 

As habitações indígenas são fortemente baseadas na forma como essas populações enxergam o mundo, suas culturas e cosmologias particulares, fundamentam suas organizações, estruturais e sociais. Por isso, as arquiteturas são diferentes dependendo da etnia de que se fala.

“[Diferente dos Yanomami] Os Tukanos, por exemplo, também localizados na região do Alto Rio Negro, tem um modo de organização pensando casas para durarem mais. Com troncos mais rígidos, com madeiras mais nobres, essas construções têm outra lógica de organização. Com divisão de famílias por sua importância política, por exemplo”, exemplifica Daniela.

Maloca Tukano. Foto: Reprodução/Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

As próprias estruturas do telhado dos Tukano imitam a costela dos peixes da região, segundo a pesquisadora. O que evidencia ainda mais a diversidade cultural de cada um dos povos originários.

*Estagiário sob supervisão de Clarissa Bacellar


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