Carnaval dos ribeirinhos: no interior do Pará, o Rio Tocantins é a avenida do carnaval

Os brincantes vestem fantasias exuberantes costuradas em cetins coloridos e seus rostos são cobertos por máscaras cabeçudas, feitas de papelão. 

É Carnaval, tempo de folia, e um barco segue pelo rio. Mas ele não é um simples barco. Nele, dezenas de pessoas festejam ao som das marchinhas animadas. Os brincantes vestem fantasias exuberantes costuradas em cetins coloridos e seus rostos são cobertos por máscaras cabeçudas, feitas de papelão. O barco encosta e todos descem, já a postos, em fila. Um palhaço entra e pede licença para começar sua rima. Vai começar a apresentação. Nas cidades de Cametá e Mocajuba, interior do Pará, o Rio Tocantins se transforma na avenida dos desfiles e os barcos substituem os carros alegóricos para a folia das comunidades ribeirinhas.

A festividade, que hoje é chamada de Carnaval das Águas, já é uma tradição secular na região amazônica que envolve o Rio Tocantins, com histórias que remontam desde o ano de 1890. Na época, um grupo de jovens saía em barcos tocando serenatas pelo rio a fim de conquistar o coração das moças ribeirinhas. 

A brincadeira foi adotada para a época carnavalesca do município de Cametá. Foram se formando grupos com características que se aproximavam da palhaçaria, dos cortejos de mascarados e dos Zé Pereira, grandes fantasias de bonecos. No começo deste segundo momento, somente homens participavam dos cordões de mascarados, utilizando blusas e calças de cetim multicor ou trajes considerados femininos. 

Já no final do século XX, as mulheres passaram, aos poucos, a ser inseridas como brincantes. A celebração alcança um terceiro estágio em 2010, quando a Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto de Cametá nomeou oficialmente a festividade como Carnaval das Águas e passou a documentar, em média, 25 grupos carnavalescos que atuavam no município de Cametá e, aproximadamente, outros 5 grupos presentes em Mocajuba.

Foto: Acervo da Pesquisa

A pesquisadora Elizane Gonçalves Miranda, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará, desenvolveu a dissertação Dançantes das Águas: o carnaval dos ribeirinhos da Amazônia Tocantina. 

“Dá um frio na barriga todas as vezes que vejo um carnaval – é assim que a gente diz: ‘Lá vem o carnaval’ – vindo no rio. Sinto a emoção de poder presenciar esse espetáculo das águas amazônicas e ter a certeza de que a festa carnavalesca vai para além das fronteiras das cidades, que ela está presente entre os povos da floresta, ancestrais e mantenedores da nossa história e de nossas memórias festivas. O que sinto vai além da felicidade de vê-los dançando”,

detalha a pesquisadora, que nasceu no município de Cametá, na localidade de Rio Furtados, e cresceu assistindo às apresentações anuais.

A preparação para a Folia 

Engana-se quem acredita que o Carnaval das Águas é uma simples brincadeira. São necessárias centenas de mãos para construir as apresentações que encantam as comunidades do Rio Tocantins. Meses antes do carnaval, os responsáveis pelos grupos entram em contato com a Secretaria de Cultura do município para arrecadar verba. Outra parte do apoio vem das famílias e dos amigos que cedem espaços para o treinamento da apresentação e fornecem comida e ajuda na montagem das roupas para o espetáculo.

Como parte de sua dissertação, Elizane entrevistou uma série de brincantes e coordenadores dos grupos carnavalescos da região, incluindo o Seu Clodomiro, que foi o primeiro palhaço do grupo “Os Piratas do Amor”, no qual dançou por 25 anos. Apesar da dificuldade na fala, causada por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o idoso não hesitou em compartilhar seu amor pelo carnaval e a paixão pela festividade, herdada de seus antepassados.

“Despretensiosamente lhe perguntei o que o carnaval representava para ele e o quanto gostava dos “Piratas”. Sem poder falar muitas palavras, chorou. Chorou como quem transbordava amor, como quem queria me contar todas as suas experiências vividas no carnaval. Vê-lo chorar emocionado ao falar me fez perceber a emoção estampada nas palavras, em seu rosto e nos gestos que fazia ao me mostrar como ele se apresentava na condição de primeiro palhaço quando dançava. Chorei também, é evidente”,

conta a pesquisadora.

Seu Clodomiro faleceu em fevereiro de 2022, mas suas narrativas ajudam a tecer a história do Carnaval das Águas e a manter o legado da festividade para as futuras gerações, que lutam para conservar a tradição da região. Bem, o barco já está de saída, mas não se preocupe, que logo mais já começa a preparação para o carnaval do ano que vem.

Sobre a pesquisa 

A dissertação ‘Dançantes das Águas: o carnaval dos ribeirinhos da Amazônia Tocantina’ foi produzida por Elizane Gonçalves Miranda no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará, com orientação do professor Aldrin Moura de Figueiredo. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, da UFPA, escrito por Jambu Freitas

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