Vestígios arqueológicos revelam como viviam antigos indígenas no Amazonas

Aproximadamente entre os anos 500 e 1.000 depois de Cristo, a região do lago Amanã era amplamente ocupada por populações indígenas. Essas populações eram sedentárias, organizavam-se em aldeias possivelmente circulares, dedicavam grande tratamento ritual aos mortos, os sepultando em urnas cerâmicas e eram, provavelmente, falantes de línguas do tronco Arawak. Essas são algumas das conclusões da análise de vestígios dos sítios arqueológicos localizados na Reserva Amanã, no Amazonas, durante pesquisa realizada em parceria com o Instituto Mamirauá.

Foto: Aline Fidelix/Instituto Mamirauá

De acordo com os arqueólogos, a história cultural do lago Amanã está diretamente relacionada à dinâmica de ocupação da calha principal do rio Amazonas e corrobora as teorias de ocupação humana na Amazônia, antes da chegada dos colonizadores. A pesquisadora associada do Instituto Mamirauá, Jaqueline Gomes, destaca que as pesquisas arqueológicas vêm contribuindo para evidenciar como as populações indígenas do passado modificaram o ambiente em que viviam de forma sustentável.

“Pareciam fazer isso de forma a não agredir ou destruir a natureza. A Reserva Amanã possui cenários paisagísticos lindos e uma grande biodiversidade. Contudo, é interessante pensar que essa paisagem, que pode ser aclamada como uma natureza intocada, é na verdade resultado de uma longa história de ocupação humana, iniciada há pelo menos 3 mil anos atrás, e que possui marcas culturais específicas”, disse.

Por meio de escavações, datações e tratamento do material cerâmico, foi possível refinar as informações sobre o período de ocupação dessa tradição cultural, chamada pelos pesquisadores de Fase Caiambé. O trabalho é uma continuidade de pesquisas arqueológicas que tiveram início na região em 2001. 

Foto: Aline Fidelix/Instituto Mamirauá

Os pesquisadores já tinham uma ideia da cronologia da ocupação da área e da presença de ao menos quatro diferentes tradições culturais, ou fases. Jaqueline explica que a proposta da pesquisa foi compreender as relações entre esses diferentes períodos de ocupação e aprofundar o conhecimento sobre a fase Caiambé, que foi encontrada em todos os sítios nas margens do lago Amanã. “Para nossa surpresa, quando datamos amostras, de cerâmicas e carvões, dos contextos de diferentes sítios arqueológicos, obtivemos datas contemporâneas, confirmando nossas expectativas de que, no período de ocupação relacionado à fase Caiambé, o lago tenha sido bastante ocupado”, disse.

No estudo, foi verificada a formação de espaços públicos e rituais, como os cemitérios, e a forma das aldeias desse período que tendem a ser circulares, formadas por amplas áreas de terra-preta-de-índio. Essas características de ocupação da área podem serrelacionadas a povos falantes da língua Arawak.

“Os castanhais, os sítios com terra preta, os campos de urnas podem ser associados de alguma maneira a história de ocupação de povos ligados a este grande tronco linguístico. Ainda que não seja possível falar em grupos étnicos específicos, a intenção foi contribuir para a construção de uma história cultural do lago, que está relacionada a toda uma dinâmica de ocupação da calha principal do rio Amazonas”, comentou Jaqueline.

Intercâmbios na Amazônia antiga

Outra conclusão importante do estudo foi de que as populações produziam suas cerâmicas com características de duas diferentes tradições culturais, as tradições Polícroma e Borda Incisa, indicando relações amistosas entre diferentes grupos, que poderia envolver comércio, casamentos ou trocas entre os grupos. Isso, em função das características dos sítios arqueológicos, por exemplo, a ausência de valas defensivas ou outros indícios de conflitos. Essa característica é contrária à encontrada em pesquisas arqueológicas de outras regiões da Amazônia, como a confluência dos rios Negro e Solimões e região do baixo Rio Madeira.

Urnas e sepultamentos

Durante a pesquisa foram estudadas cinco urnas cerâmicas coletadas na região. Em três delas haviam vestígios de sepultamento humano. O interessante, de acordo com a arqueóloga, é que as evidências indicam o sepultamento direto, quando o indivíduo era sepultado ainda articulado dentro da urna, ao contrário do habitual, que era guardar apenas os ossos e restos mortais.  Enterrados junto a todas as urnas haviam materiais como pratos e vasos decorados. “Isso confere um caráter ritual às peças. Uma urna em especial, na qual foi encontrado vestígios de uma provável criança, havia uma estatueta chocalho acompanhando”, contou a pesquisadora.

Foto: Aline Fidelix/Instituto Mamirauá

Nas urnas também foi observada a presença de indivíduos de idades diferentes e indícios de um sepultamento de uma criança, como citado pela pesquisadora. “Esse tipo de enterramento demanda muito tempo e trabalho do grupo social. Portanto, nos leva a crer que naquela sociedade haveria uma hierarquia social, na qual o status não seria necessariamente adquirido em vida, mas herdado, passado de pai para filho (e esse tipo de relação hierárquica é comum nos povos arawak), comentou.

Foram seis sítios arqueológicos estudados, sendo quatro deles inéditos. Por estarem localizados em uma unidade de conservação, estão protegidos de grandes impactos, como a construção de um empreendimento. Esse contexto contribui para que as pesquisas possam ser realizadas em longo prazo. Jaqueline explica que esse tipo de estudo pode contribuir para as estratégias de gestão da unidade de conservação, e garantir ações de extensão aos moradores, como por exemplo auxiliando às artesãs atuais, “os elementos tecnológicos da produção cerâmica pré-colonial podem ajudar às artesãs das comunidades a encontrar alternativas para a obtenção de matéria-prima”.

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