Número de aves silvestres em Manaus tem diminuído a cada ano, afirma pesquisador

Araras Canindé nos céus da cidade de Manaus, AM. Foto: Divulgação/Inpa

A contagem natalina de aves (Christmas Bird Count) é uma tradição anual que acontece em várias partes do mundo. Em Manaus, ela é realizada há pelo menos 30 anos. Nesta quinta-feira (5), um grupo de 15 pessoas, formado por especialistas e leigos, entre eles o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o ornitólogo Mario Cohn-Haft, foram a campo para a última etapa da atividade colaborativa.
 
O evento faz parte do mais longevo exemplo do mundo de ciência cidadã, que conta com a participação da sociedade para contar aves. A atividade teve início em 1900, no Estados Unidos, a fim de conscientizar a população e conter a redução alarmante do número de aves que eram usadas nos chapéus das senhoras elegantes, tanto as penas quantos as aves empalhadas. Outro fator era a caça de aves no período de Natal.

“No ano passado, a contagem de Manaus registrou 125 espécies de aves. E logo saberemos o total para este ano”, diz o pesquisador ao explicar que o período da contagem é de no máximo 24 horas. Começa à zero hora de uma data definida e termina às 23h59min daquele mesmo dia.  A Amazônia possui cerca de 1.300 espécies de aves, destas quase 85% (1.100) são encontradas no Amazonas.

Segundo o pesquisador, não é obrigatório utilizar todo este tempo, porém, não se pode extrapolar o período. “A ideia não é só contar todas as espécies, mas também todos os indivíduos”, explica.

Os participantes se dividem em equipes, que cobrem diversas partes da cidade, dentro de uma área circular predefinida de 24 km de extensão. Na atividade, o círculo de Manaus é composto pelo Distrito Industrial, as matas da Ufam e do Conjunto Acariquara e nos três campi do Inpa, além de áreas no Encontro das Águas, no Careiro e na Ilha da Marchantaria.

Ao todo, são feitas quatro contagens na região, sendo que as três primeiras foram feitas nas reservas do Inpa. A primeira, foi realizada antes do Natal, na Reserva Ducke, a segunda contagem foi feita no último dia 27 de dezembro, na ZF-2 (BR-174), e a terceira, no dia 30 de dezembro, na ZF-3 (BR-174), na área do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), localizada no Distrito Agropecuário da Suframa, cerca de 80 km ao norte de Manaus. A quarta contagem iniciou na madrugada desta quinta-feira (5), nas outras áreas do círculo de Manaus. Após a última contagem, os participantes se reúnem, no final do dia, em determinado local para “chamar a lista”.

Cada grupo relata o que registrou para fazer a soma e logo em seguida faz-se a chamada dos bichos especiais. Ao longo das próximas semanas, a colaboradora Summer Wilson, que está à frente do evento, em Manaus, fará a compilação dos dados que serão publicados num banco de dados disponível na internet para o mundo inteiro.

Para o pesquisador, a principal observação que se pode fazer ao longo das contagens de Manaus é a prevalência do desmatamento e a urbanização da região. Ele afirma que o número de aves típicas de florestas está diminuindo à medida que a cidade se expande.

“Muitos bichos que víamos antes não são mais vistos”, lamenta. “Enquanto que algumas espécies, típicas de ambientes abertos, como o quero-quero (Vanellus chilensis), um tipo de maçarico conhecido em quase todo o Brasil, menos na Amazônia e que agora está invadindo a região acompanhando o desmatamento”, acrescenta. Cohn-Haft explica que os dados são disponibilizados de todas as contagens, de todos os tempos e de todo o mundo.

“Então, o potencial de alguém usá-las para entender as tendências populacionais e diferenças entre uma região e outra é infinito”, diz. “As pessoas que fizeram as contagens, muitas pessoas leigas que gostam de observar pássaros, não precisam fazer também as análises. Os dados são doados para um banco de dados comum e disponível online. Por isso é chamada de ciência cidadã”, ressalta.

O pesquisador destaca também que existem publicações com os dados da América do Norte traçando as tendências populacionais de espécies daquela região e mostram com clareza as espécies que estão diminuindo em número, outras que estão se expandindo e as que sofrem flutuações, como as araras-canindé (Ara ararauna), pois não se sabe a frequência desse fenômeno de invasão dessas aves na cidade.

“Certamente é um fenômeno raro, mas pode ser que tenha uma ciclicidade e aconteça de novo. Não sabemos o intervalo e nem as causas. Talvez quando tivermos cem ou duzentos anos desses dados pra cá poderemos ver o padrão. Quero dizer com isso que ter dados de longo prazo é importante”, destaca Cohn-Haft.

Segundo ele, um dado marcante das contagens deste ano foram as chuvas. Todas as três contagens até agora sofreram com as chuvas. “Tivemos números baixos de aves e permanência em campo por pouco tempo por causa do clima. Mas faz parte e constam no banco de dados, não só as espécies, mas quantas horas, quantas pessoas participaram e quantas horas tivemos de chuvas ou de sol”, diz.

Contagem Natalina

O evento teve início em 1900, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Foi uma ideia de um ornitólogo famoso na época, Frank Chapman, curador de aves do Museu Americano de História Natural. “Ele gostava de divulgar ciência e envolver o grande público em pesquisa. Começou como uma atividade entre amigos, na época de Natal, que era contar pássaros”, explica o pesquisador. “No norte da América do Norte, a maioria das aves que se reproduzem no verão são migratórias e somem no inverno”, diz Cohn-Haft.

O pesquisador explica que a ideia era ver quais aves ainda estavam por lá, no final de dezembro naquela região. Os amigos se reuniam e saiam para contar os pássaros. No final do dia, todos se encontravam e relatavam o que tinham encontrado. O que começou como uma diversão e continua divertindo os participantes, até hoje, mostrou-se com tempo uma fonte de dados importante.

Segundo Cohn-Haft, a ideia da contagem natalina de aves se alastrou pelo mundo todo e, no Brasil,  acontece em Manaus desde os anos 80. A iniciativa foi do Dr. Rob Bierregaard, primeiro diretor científico, na época, do PDBFF, que já fazia a contagem nos EUA e iniciou a atividade na cidade.

Hoje, a contagem tem à frente a pesquisadora Summer Wilson, colaboradora da Coleção de Aves, onde o pesquisador do Inpa Mario Cohn-Haft trabalha. 

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