Um trabalho da Unicamp estudou modo de vida dos moradores da foz do rio Tejo, afluente do alto Juruá e observou que a colaboração é a principal moeda de troca entre os moradores da região. As “ajudas” são o meio pelo qual membros da comunidade se relacionam e trocam favores que podem evoluir para relações amizade, companheirismo e até casamento.
O doutor em antropologia social, Roberto Rezende, havia estudado anos antes os moradores da região em projetos de pesquisa. Em seu doutorado ele resolveu focar as atividades econômicas e trocas de favores, tão comuns na Amazônia. Para isso, passou o período que vai de agosto de 2013 a fevereiro de 2014, na casa de Hilarino Lima Nogueira, sua esposa Iza e as filhas Roseli (14 anos), Rosimar (10), Roseane (8) e Rosângela (1).
Esse era o período ideal para acompanhar as principais fases do ciclo agrícola na região, que vai do preparo da terra, ao plantio e a colheita. “É justamente nesse período que as casas dos ribeirinhos se envolvem em um número maior de trocas, recorrendo a trabalhadores externos para os picos de demanda de trabalho nos roçados. Boa parte desses trabalhadores externos vem de casas vizinhas, que pertencem a um mesmo grupo de casas”, disse Rezende.
Pesquisador constatou que suas observações de campo não batiam com o trabalho de outros pesquisadores sobre trocas no interior de comunidades amazônicas. “Em outras regiões a relação de troca chamada de ajuda é definida como uma relação entre parentes, desinteressada e natural, limitando-se ao espaço da comunidade. Ou seja, quem é parente se ajuda. Isso não serve para o caso do Tejo. Mesmo entre irmãos, não se trata de uma relação de troca generalizada, toda troca é contada: a pessoa sabe com quem está endividada, quem está em dívida com ela e o tipo de dívida. Se o irmão e mais três pessoas o ajudaram a abrir o roçado, ele vai se dividir para ajudá-los em alguma atividade posteriormente, retribuindo a ajuda originalmente prestada.”
Para as relações em Tejo são diferentes porque também estão carregadas de consideração e afeto entre as pessoas. É uma forma de criar laços. As pessoas externalizam quem as ajudou ou quem ela ajudou como forma de lembrar ela e os outros de quem está devendo um favor, ou com quem tem “dívidas”. Normalmente uma pessoa quando precisa de ajuda procura alguém que já tenha recebido ajuda. É uma forma de confiança.
Óbvio que nem tudo são flores. Há um capítulo inteiro na tese de doutorado chamado “” que mostra alguns exemplos de problemas nessas relações. “As brigas envolvem a família toda e podem se tornar violentas. Há um capítulo em que analiso essas relações de desconsideração e desrespeito, que são o avesso da ajuda: se alguém age de maneira indevida na casa ou na comunidade de outro, o dono tem autoridade moral para usar de violência; o chefe deve pôr ordem na casa, até porque a presença do Estado é baixíssima. Conversei com pessoas que não davam festas em casa por medo de que acontecessem atritos e fossem obrigados a tomar providências, talvez ferindo ou mesmo matando uma pessoa, o que significa, muitas vezes, entrar em conflito com toda a família da vítima.”
Questões políticas
Na região as relações entre candidatos a vereador e prefeito da cidade de Marechal Thaumaturgo, a cidade mais próxima da região, também mantém a relação. Para o pesquisador ficou claro a noção de que os moradores da região entendem que quanto mais você tem, mais você deve ajudar. As pessoas que querem cargos políticos são requisitadas a ajudar problemas das pessoas que moram na região.
O pesquisador registrou o caso de um morador da reserva que subiu o rio Tejo com um candidato a vereador, ajudando-o a conseguir votos em troca de um emprego para si e de um gerador de energia para sua comunidade. “O vereador foi eleito graças justamente à diferença de votos dos parentes dele, que depois virou motivo de piada por que as promessas não eram cumpridas. O gerador só foi entregue depois de várias idas à cidade para pressionar o vereador e o prefeito, ameaçando não mais votar no partido deles; quanto ao emprego, a solução encontrada foi que dividisse o salário com outro auxiliar geral de escola, com o político contemplando”.
Para Rezenda isso não se dá por ingenuidade da população. Na verdade as pessoas utilizam as relações de consideração para extender o que eles entendem por relação política. Cada promessa política não cumprida vira também uma ofensa moral para os moradores de Tejo.