A mucosite oral é o efeito colateral mais indesejável e doloroso do tratamento contra o câncer de cabeça e pescoço. Ela aparece na gengiva, na língua, nos lábios, na bochecha, no palato duro e mole (céu da boca). “A mucosite oral, em suas apresentações mais severas, gera grande impacto na qualidade de vida do paciente, prejudicando sua nutrição. Em alguns casos, o paciente precisa interromper o tratamento contra o câncer para tratar a mucosite”, afirma Ana Márcia Wanzeler.
Segundo a cirurgiã-dentista, o objetivo da pesquisa era investigar a eficácia da andiroba na cicatrização e na ação anti-inflamatória nos casos de mucosite oral. “No âmbito da prática clínica, a dor das úlceras (mucosite oral) é grave, e a condição aumenta a morbidade e mortalidade dos pacientes, com necessidade de uso de fortes analgésicos, corticoides, antibióticos, anti-inflamatórios e, em alguns casos, de nutrição por via enteral ou parenteral”, afirma Ana Márcia.
Segundo a pesquisadora, em virtude do elevado custo do tratamento oncológico para a maioria dos hospitais brasileiros, algumas linhas de pesquisa buscam meios alternativos e de baixo custo para o tratamento da mucosite oral. “O óleo de Andiroba é extraído por prensagem das sementes e reconhecido na Medicina Tradicional por seu alto potencial anti-inflamatório e analgésico, condições básicas para combater a mucosite oral, além de possuir ação antimicrobiana, antialérgica, parasiticida eficiente nas disfunções cutâneas e musculares. A alta disponibilidade na região e o baixo custo são atrativos a mais para estabelecê-lo como um método terapêutico”, explica a pesquisadora.
Primeira fase: aplicação e observação em hamsters
O trabalho foi de bancada – feito em laboratório – em hamsters sírios dourados. Além da aplicação do quimioterápico para que a mucosite oral aparecesse, foi necessário provocar um trauma na mucosa do animal. “Com uma agulha, nós fizemos duas ranhuras na mucosa dos animais”, explica Ana Márcia Wanzeler. Depois, foi necessário observar e documentar os estágios da doença, para, em seguida, realizar a análise histopatológica.
A andiroba foi aplicada pura, 100% natural, extraída pelo Laboratório de Investigação Sistemática em Biotecnologia e Biodiversidade Molecular da UFPA. O LabISisBio mapeou a árvore, o solo, a região e a extração, pois esses fatores influenciam na qualidade final do produto. Foi utilizada a andiroba concentrada em 10% e a ‘refinada’, comercializada em farmácias.
Ficou comprovado que a andiroba é eficiente na cicatrização e na ação anti-inflamatória da mucosite oral dos hamsters. “Estudos com fitoterápicos têm identificado as principais substâncias biologicamente ativas presentes no óleo e responsáveis pela atividade anti-inflamatória e cicatrizante”, explica Ana Márcia Wanzeler.
Foi avaliada também a genotoxicidade, efeito de mutação ou modificações na sequência nucleotídica causado por alguns agentes químicos, e a citotoxicidade, propriedade nociva de uma substância em relação às células. O teste do micronúcleo foi realizado pelo Laboratório de Citogenética Humana da UFPA. Segundo Ana Márcia, a andiroba tem efeito genotóxico, mas ele pode ser controlado pelo próprio organismo.
A pesquisa foi feita em hamsters sírios dourados porque já existe um protocolo preconizado por Stephen T. Sonis, que simula a mucosite oral nesses animais semelhante à que ocorre nos seres humanos.
De acordo com a pesquisa, a andiroba 100% natural é a mais eficiente. “Em qualquer ferida de derme ou de mucosa, quanto maior o contato entre o produto e a pele, melhor”, explica a cirurgiã-dentista. Não existe um tempo de tratamento, tudo depende do organismo do paciente.
Pesquisadores estão otimistas para a próxima fase
“Frente aos resultados positivos em animais, a linha de pesquisa continua agora em humanos. Com esses resultados, conseguimos delimitar outro projeto em parceria com o Hospital Ophir Loyola. Começamos a desenvolver a segunda parte da pesquisa: transladar o trabalho de bancada para pesquisa clínica”, revela Ana Márcia Wanzeler.
Segundo a pesquisadora, o estudo em humanos está na fase inicial, com a avaliação de paciente com mucosite oral. O grupo está bastante motivado e com boas expectativas para o resultado final. “A nossa expectativa é difundir os efeitos da andiroba. Fazer com que essa planta medicinal seja difundida para a sociedade de maneira clara e objetiva e comprovar que ela não causará nenhum mal à saúde”, declara Ana Márcia.
Para desenvolver a pesquisa, Ana Márcia contou com a ajuda de vários grupos de pesquisa e da doação de espaço do Centro Universitário do Pará (Cesupa). “Na época, eu não tinha local para fazer a pesquisa. Estava desmotivada quando tive a ideia de submeter o trabalho em uma instituição particular, em que ocorreu a fase experimental do estudo. Também consegui reunir vários grupos de pesquisa que foram fundamentais para compor a equipe do projeto”, revela a pesquisadora.
Para Ana Márcia, é importante que a população tenha acesso a pesquisas que, de alguma forma, trarão benefícios para a saúde. “Poder contribuir com a nossa região, com a comprovação de um produto acessível para uma pessoa que esteja do outro lado do rio e precise do tratamento contra a mucosite oral é incrível”, conclui Ana Márcia Wanzeler.