Sacrifício, devoção e gratidão marcam Círio 2017

Ainda faltavam três horas para o início da Trasladação, a quinta das doze romarias do Círio, e a advogada Amanda Viveiros, 23 anos, já guardava seu lugar na corda. O sacrifício de acompanhar a procissão pela primeira vez segurando um dos principais símbolos do Círio era movido à gratidão. “Quando soube que minha avó iria passar por uma delicada cirurgia, no ano passado, me ajoelhei e pedi a Nossa Senhora que concedesse a cura para ela. Hoje, estou aqui com o coração transbordando de felicidade pela graça recebida”.

A cada ano, a corda de 400 metros que é atrelada à berlinda com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré parece ficar menor diante do número de promesseiros que cresce a cada edição do Círio. Uma característica marcante da procissão noturna é a participação expressiva de jovens que acompanham a corda. Muitos estão ali para antecipar suas promessas, pedindo à Padroeira dos Paraenses a aprovação no vestibular.

“Eu tenho muita fé em Nossa Senhora que ela vai me fazer realizar o sonho de passar no vestibular para Medicina Veterinária. Tentei no ano passado, mas não consegui a aprovação. Dessa vez eu sei que, com a ajuda dela, tudo vai ser diferente”, apostou a estudante de 20 anos, Raissa Dias.

Na espera pela missa em frente ao Colégio Gentil Bittencourt, que abre oficialmente o início da Trasladação, centenas de pessoas buscavam se abrigar do sol. Mas bastou que a imagem peregrina chegasse ao palanque onde seria celebrada a missa para que o calor fosse esquecido. Lágrimas no rosto, mãos erguidas e olhares fixos na imagem de 28 centímetros, que apesar de pequena carrega toda a devoção de um povo.

Foto: Reprodução/Thiago Gomes
Gente que vem de longe como dona Maria Necy, 67 anos. Há 35 anos ela vem do município de Rurópolis especialmente para assistir à missa que antecede a Trasladação. “Este ano é especial, porque vim agradecer pela recuperação da minha neta, que se curou de epilepsia com a ajuda de Nossa Senhora. Enquanto eu estiver viva estarei aqui, agradecendo a ela por essa graça e pela honra de poder estar tão perto da nossa mãezinha”, disse a aposentada.

Por volta das 16h30 teve início a missa que antecedeu a saída da imagem peregrina, celebrada pelo Bispo Auxiliar de Brasília e secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Leonardo Ulrich Steiner, no palanque armado em frente ao Colégio Gentil Bittencourt.

Enquanto isso, 46 homens da Guarda da Santa que faziam parte da primeira das cinco estações da procissão, esperavam pelo momento de atrelar a corda à berlinda. “Nossa responsabilidade é enorme, porque desse atrelamento depende o bom início e até o tempo da procissão. Qualquer detalhe pode fazer a diferença. Mas a alegria de estar aqui supera tudo”, disse o administrador Alan Brito, guarda da Santa há cinco anos e supervisor há três.

Entre os 1.700 homens que compõem a Guarda da Santa, Ronaldo Martins, 52 anos, chama a atenção ao primeiro olhar. Paraplégico há 17 anos, depois de um acidente de helicóptero, ele diz que foi salvo graças a um milagre de Nossa Senhora de Nazaré, e mesmo preso a uma cadeira de rodas, continuou como guarda da Santa desde o primeiro ano do acidente. “Essa é a minha missão na vida. Ser um exemplo de superação para as pessoas. Quando os promesseiros da corda pensam em desistir e me vêem aqui, nessa cadeira de rodas, realizando meu trabalho, eles se sentem inspirados e seguem em frente”, contou o ex-mecânico.

A procissão Foi debaixo de uma chuva inesperada que, por volta das 17h40, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré foi finalmente colocada na berlinda e a procissão teve início. Ao longo dos 3,7 quilômetros de percurso, a imagem peregrina foi homenageada com hinos, louvores, chuva de papel picado e fogos, em um espetáculo de sons e cores que se repetiu por toda a caminhada. A procissão percorreu as avenidas Magalhães Barata, Nazaré, Presidente Vargas, Boulevard Castilhos França e Portugal, contornando a Praça do Relógio até a Igreja da Sé, no bairro da Cidade Velha.

Os promesseiros se agarravam a cada centímetro da corda para completar o trajeto. Comprimidos em uma gigantesca massa humana, os promesseiros desafiavam as próprias limitações físicas para permanecer ligados à padroeira. Pressão no peito, nas costas, o ar escasso, os pés machucados, tudo colaborava para uma desistência. Mas não de um devoto da Rainha da Amazônia, não de um filho que se entrega ao sacrifício por amor à Maria. A todo instante, os gritos de “Viva Nossa Senhora de Nazaré” empurravam a multidão.

Foto: Divulgação/Jornal do Commercio
Segurança

O esquema montado pelos órgãos de segurança pública do Estado mobilizou 167 homens do Corpo de Bombeiros, 609 da Polícia Militar, 15 da Polícia Civil, 80 do Departamento de Trânsito do Estado (Detran) e 39 do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves.

Uma das inovações da “Operação Círio 2017” foi a instalação de 20 plataformas distribuídas ao longo do trajeto da Trasladação e do Círio. São cinco estruturas a mais do que no ano passado, onde ficam 40 militares da PM e dos Bombeiros, atentos a qualquer ocorrência.

Também durante o trajeto, oito postos de triagem da Polícia Civil funcionaram como pontos de apoio. Para lá eram conduzidas pessoas acusadas de ilícitos, custodiadas de forma provisória até o fim da procissão.

No palanque montado em frente à Estação das Docas, o secretário de Estado de Segurança Pública, Jeannot Jansen, e a secretária extraordinária de Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene, assistiram à passagem da Santa. Na opinião de ambos, o Círio ganha a cada ano um significado diferente. “A cada edição, a devoção é diferente. Porque muda a vida das pessoas, mudam as condições e os desafios. Assim, quando eles se voltam para Nossa Senhora, acabam por também fazer um Círio diferente. È o sentimento das pessoas que renova tudo”, destacou a secretária.

Apesar dos esforços, a corda que conduzia a berlinda foi separada da segunda estação, à altura da avenida Boulevard Castilhos França, em frente à Estação das Docas. Com isso, a procissão ganhou mais fluidez e velocidade, chegando à Catedral Metropolitana de Belem às 22h35, depois de quase cinco horas de caminhada. 

A imagem peregrina pernoitará na Sé até a madrugada deste domingo (8), de onde sairá após a missa campal celebrada pelo arcebispo Dom Alberto Taveira, às 5 horas, fazendo o percurso oposto ao da Trasladação, na grande procissão do Círio.
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