Indígenas expulsaram coordenador da Funai em Atalaia do Norte, no Amazonas. Foto: Reprodução/Rede Amazônica
MANAUS – Indígenas de várias etnias do Vale do Javari tomaram a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Atalaia do Norte (a 1.138 quilômetros de Manaus), no Amazonas. Eles expulsaram o coordenador local, Bruno Pereira. Segundo um dos ocupantes do local, Clóvis Marubo, entre as reivindicações do grupo, está a instalação de mais coordenações técnicas do órgão e o mais próximo possível das comunidades onde vivem povos isolados e de recente contato.
“É uma velha reivindicação dos Matis sobre a criação da coordenação técnica da Funai para atendê-los na região do Rio Branco, que fica na Terra Indígena do Vale do Javari. O coordenador da Funai [Bruno Pereira] não tem respeito com os Matis”, acrescenta. Clóvis diz que faz parte da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, o grupo reúne indígenas das etnias Marubo, Kanamari, Mayoruna, Matís e Kulina.
A Terra Indígena do Vale do Javari é uma das maiores do Brasil, tem 8.544.482,2 hectares. A área está na fronteira com o Peru, na região do Alto Rio Solimões, e abrange os municípios amazonenses de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Jutaí e São Paulo de Olivença.
Clóvis também diz que os povos de recente contato querem assistência o mais próximo possível das suas comunidades. “Desde 2014, eles reivindicam o monitoramento. Já se reuniram até com o presidente da Funai, que se comprometeu, mas nada foi feito até agora. A questão do Vale do Javari é muito delicada por causa dos povos isolados. Queremos o aumento de recursos financeiros e humanos para assistência a esses povos”, conclui.
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari promete publicar uma carta com uma série de reivindicações que enviará a Funai. A reportagem do Portal Amazônia procurou o órgão para saber o posicionamento sobre a situação e quais medidas deve tomar para apaziguá-la, mas até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.
Conflito
A atitude dos indígenas em Atalaia do Norte é mais um capítulo de uma história que começou em 2013 quando grupos isolados de Matis e Korubos entraram em um conflito que resultou em mortes. Segundo cacique Darcy Marubo, isso aconteceu porque a Funai interferiu em uma relação natural entre os indígenas.
“Em 2014, alguns indígenas Korubo foram a uma aldeia Kanamari. Diante da situação, a Funai removeu os indígenas Korubo da aldeia Kanamari e os colocou em quarentena, na Frente de Contato Etnoambietal do Vale do Javari”, conta. “Os outros Korubos isolados procuraram pelos parentes, e como não encontraram, mataram dois Matis de outro grupo. Quando isso aconteceu, a Funai interveio, mas outro grupo de Matis decidiu vingar a morte dos parentes matando Korubos”.
“Já em 2014, vários Korubos apareceram com ferimentos acusando os Matis. Eles pediram apoio da Funai, mas nada foi feito”, completa. Darcy Marubo afirma que eles [os índios] não têm noção alguma, pois são índios isolados. “Eles vão andando, encontram uma aldeia e ficam lá. Eles não têm nada de tá querendo matar, só querem ficar junto. Só que a frente de contato não deixa ter esse diálogo com outros índios, que é a Frente de Contato Etnoambietal do Vale do Javari”, justifica. Darcy garante que os dois povos se comunicam e entendem as suas respectivas línguas servindo até de intérpretes.
O que diz a Funai
Sobre os conflitos entre os Korubos e Matis, o órgão diz que tem conhecimento sobre a situação e que já tomou as providências necessárias para garantir a segurança de ambos os povos.
“Com a possibilidade de um agravamento da situação, após o confronto registrado em novembro de 2014, a Funai realizou uma reunião com os Matis, em fevereiro de 2015, com o objetivo de acordar condutas e nivelar entendimentos sobre estratégias de ação para evitar novas confrontações. Os Matis deixaram clara sua visão de que a Funai deveria realizar o contato com os Korubo isolados”, informou por e-mail.
“No entanto, a Funai, em razão de suas diretrizes de atuação com os indígenas isolados, compreende que a opção de se estabelecer o contato não pode ser definida por uma visão unilateral. A própria reação violenta dos Korubo frente aos Matis, no episódio de 2014, sinaliza, por parte dos isolados, uma rejeição quanto a uma aproximação de outros grupos ao seu território”.
A Funai conclui dizendo que, em dezembro de 2015, após uma reunião com lideranças Matis, em Brasília, foi agendada uma ida do presidente João Pedro Figueiredo e demais representantes da Funai à região em fevereiro próximo. Na ocasião devem ser estabelecidas ações prioritárias e evitar novos confrontos.
“Os Matis só querem segurança”
Com mais de 40 anos de experiência com indígenas no Brasil, e especialmente na Amazônia, o antropólogo da organização Centro de Trabalho Indigenista, Gilberto Azanha, explica que a relação entre os Matis e os Korubos sempre foi tensa.
“O indígena isolado fica isolado só dos não indígenas, mas entre eles há contato”, começa. “Os Matis se fixaram próximos aos rios Ituí e Coari, mas deixaram a área e os Korubos começaram a ocupar o local. Quando o primeiro grupo voltou, o segundo já estava lá e então houve tensões”, completa.
O antropólogo explica que os Matis e os Korubos são historicamente parentes por causa de casamentos e trocas, mas que a relação entre os povos é tensa.
“Até onde eu sei, o que os Matis querem é segurança para fixar aldeias sem entrar em conflito com os Korubos. Eles querem viver em paz e para isso a Funai precisa dar segurança e colocar gente lá para garantir isso”, conclui.