Conheça conquistas e desafios dos povos indígenas de Rondônia

É na Amazônia Legal que vive a maioria dos indígenas do Brasil. Em Rondônia existem mais de 3 mil indígenas que lutam para manter as tradições, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O povo indígena tem a cultura interligada com o meio ambiente e reconhecem a importância do respeito a natureza para a própria sobrevivência deles e do planeta. Um povo que enfrenta obstáculos antigos e novos para promover dentro das aldeias o desenvolvimento sustentável
 Foto: Kanindé/Arquivo
O cenário político atual é apontado como uma das principais preocupações pelos indígenas de Rondônia para alcançar este objetivo. Representantes indígenas de vários estados do País se reuniram esta semana em Brasília contra a ameaça de direitos constitucionais e especialmente contra a PEC 215 que prevê que a aprovação a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios passe a ser de competência exclusiva do Congresso Nacional.

Para Hélinton Gavião, represente de uma das etnias indígena de Rondônia, o cenário atual da política tem desagradado os indígenas. ‘‘É importante a gente refletir, se organizar para enfrentar o que estamos vivendo hoje como a mobilização em Brasília contra a tramitação de vários projetos de lei e emendas parlamentares no Congresso Nacional. Uma delas é a PEC 215 que tira da Funai o poder de demarcação da Funai para transferir para o Congresso Nacional’’, disse.


Retrocesso

A PEC 215 representa um retrocesso para os indígenas. ‘‘Os parlamentares querem travar todos os processos [referentes a demarcação das Terras Indígenas] que tramitam no Poder Executivo. Isso é uma violação, é um retrocesso das conquistas. A gente sabe muito bem que na Constituição Federal, o artigo 231 reconhece aos índios o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam e faz o Governo Federal assumir a demarcação das Terras Indígenas em todo o Brasil. E na visão dos parlamentares não existe mais terras para serem demarcadas’’, afirma.
Para Gavião, o pensamento dos parlamentares sobre os direitos indígenas vai de encontro com o que os índios esperam. ‘‘Os parlamentares não têm respeito, não trabalha em prol do que a legislação brasileira prevê quanto os direitos dos povos indígenas’’, avalia. Além da PEC 2015, outras tramitações no Congresso Nacional também são vistas com tristeza pelos indígenas. Um exemplo é o Projeto de Lei 1610/96 que quer regulamentar a exploração de minerais em terras indígenas. 
Foto: Kanindé/Arquivo
‘‘A PL 1610 também viola o direito garantido na Constituição de uso fruto exclusivo dos bens explorados indígenas. Isso deixa a gente também muito revoltado. Tem também a PL 237/13 de regulamentação do arrendamento das Terras Indígenas onde também a Constituição diz que o uso fruto exclusivo é dos indígenas. Isso tudo é um retrocesso para os direitos indígenas. Como que podem regulamentar uma terra onde tem homem, onde tem lei que garante direito daquele povo? Estão querendo regulamentar elas para que outros segmentos tenham acesso as riquezas em Terras Indígenas’’, avalia Hélinton Gavião.

Outro representa indígena de Rondônia, Rubens Suruí, também corrobora com Hélinton Gavião contra a PEC 215 e as demais tramitações consideradas uma violação aos direitos indígenas. ‘‘Elas vêm em desencontro com nossos direitos. Ameaça nosso território, nossa cultura, a vida dos povos indígenas. Nos desrespeitam, com certeza é um retrocesso’’, avalia Rubens.

Mobilização

Temendo que conquistas garantidas na Constituição Federal sejam violadas, os indígenas saem de suas aldeias e diferentes etnias se unem em prol de um objetivo comum. ‘‘Nem todo mundo tem a consciência do porquê dos indígenas estarem fazendo essa mobilização, é importante a gente divulgar que nesse cenário atual da política, o parlamento brasileiro vem mais agressivo contra nossos direitos e focando mais nas Terras Indígenas. Isso fez os indígenas irem até o Congresso e fortalecer o movimento indígena para manter nossa existência’’, destaca Hélinton.

A violação aos diretos já garantidos por lei não é o único entrave enfrentado pelos indígenas de Rondônia. ‘‘Não há uma política pública indigenista que possa garantir proteção territorial, apesar de ter um decreto que falta a implementação, falta reconhecimento, que dar valor a essa política que é a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, a PNGATI. Se houvesse respeito a essa política com certeza não teria tanta ganância em Terras indígenas como a questão dos latifundiários que não respeitam os limites das Terras Indígenas’’, afirma. 

Foto: Kanindé/Arquivo
Riquezas naturais

A exploração das riquezas naturais é outro problema. ‘‘Os madeireiros e garimpeiros têm muito interesse em explorar a Terra Indígena por ausência de uma política, de uma ação concreta que possa ajudar os indígenas a protegerem seus territórios. As principais ameaças é a invasão por madeireiros, pescadores, caçadores. A gente tenta fazer proteção do nosso território e somos ameaçados. Isso traz ainda conflitos internos, causam sérios problemas’’, afirma Rubens.

Mesmo diante do cenário desfavorável, os povos indígenas estão buscando conquistar seus espaços. ‘‘Entendemos que podemos avançar com a sociedade contemporânea e por isso buscamos o diálogo com o próprio Governo do Estado. Hoje nós temos uma Coordenação dos Povos Indígenas de Rondônia que fica na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, a Sedam. Ela foi criada no ano passado e é por meio dela que temos acesso ao Governo, mas ainda falta melhorar bastante coisa’, avalia Rubens Suruí.

Demandas

Hélinton Gavião explica as condições atuais das aldeias de Rondônia. ‘‘Não temos uma saúde de qualidade porque os gestores que trabalham na Saúde Indígena não têm compromisso em executar as ações conforme a lei que ampara o direito nesta área e onde nós sofremos bastante. Esse é o momento da gente também pensar em como podemos fortalecer a política da saúde indígena. Nós perdemos muitos parentes no ano passado devido esse problema. Se a gente for fazer um levantamento tem muita Terras Indígenas para saber que estão chegando ações da Saúde, a gente encontra muitas dificuldades’’, afirma.

Problemas que para Hélinton Gavião deveriam ser solucionados com ações preventivas. ‘‘Entorno das Terras Indígenas tem várias fazendas e onde passa o rio os fazendeiros jogam lixo, produtos químicos e passa na terra e o indígena usa e começa a adoecer. Então, para agir de forma preventiva teria que construir poços artesianos e cuidar do saneamento básico. Isso traria mais qualidade para os indígenas’’, aponta Gavião. 

Foto: Kanindé/Arquivo
Outro setor que merece uma atenção especial é a Educação. Para os indígenas houve mais avanços nesta área que na Saúde. ‘‘Na educação nós avançamos com o Projeto Açaí com formação de professores indígenas. Mas a qualidade de formação também deixa a gente preocupado. Se a gente for na aldeia ver a estrutura da educação não é aquilo que a gente espera. Nem toda Terra Indígena tem escola. Nas que tem, os alunos estudam de baixo de um barraquinho de palha, falta material didático, chega a falta merenda e outra questão é a garantia de transporte para levar os indígenas até onde tem escola’’, afirma Hélinton.

Preservação

Rubens Suruí também acredita que políticas públicas principalmente na área da educação e saúde precisam ser implementadas. E que os índios devem cada vez mais buscar ações para preservar suas culturas e a biodiversidade. O Povo Paiter Suruí, do qual Rubens faz parte, é uma referência de protagonismo indígena em Rondônia. O líder maior Almir Suruí é reconhecido internacionalmente pela luta e por desenvolvimento de projetos que garantam os direitos indígenas e a preservação florestal. ‘‘Nós estamos preservando a nossa floresta. Temos um projeto de reflorestamento em áreas degradadas onde já plantamos mais de 80 mil mudas. Isso é importante não só para os povos indígenas mais também para todos. Nós entendemos que podemos contribuir não só em prol do meio ambiente, mas em outras questões. Nós temos o ‘Plano 50 ano’ que desenvolve dentro da Terra Indígena para fazer a nossa parte. Tentamos conscientizar não só os povos indígenas, mas a sociedade nacional e internacional em como podemos usar a floresta em pé. Não queremos dizer que a floresta é intocável, mas é possível usá-la de forma sustentável, justa’’, afirma Rubens.

Reflexão

‘‘Gostaria de deixar minha mensagem para toda a sociedade neste momento em que estamos fazendo uma reflexão da luta dos povos indígenas no Brasil em prol de garantir os direitos constitucionais tanto pela constituição brasileira e pela convenção internacional que é a 169. Nossos governantes continuam a violar nossos direitos e faz a gente temer reviver a política da Ditadura Militar. Naquela época mataram índio sem ter respeito nenhum. Nós continuamos lutando pelos nossos direitos e não olhamos só para nós, mas nas futuras gerações. Precisamos proteger nosso território, nossa cultura, nossa sobrevivência’’, avalia Hélinton Gavião. 
Foto: Kanindé/Arquivo
‘‘É possível a união dos povos não só indígenas, mas toda a sociedade. Somos todos seres humanos, temos só culturas diferentes. Podemos ter respeito uns pelos outros. Se a gente pensar dessa forma podemos ser seres humanos mais justos. Temos que respeitar as culturas diferentes. Quero ser respeitado da mesma forma que respeito as outras pessoas’’, disse Rubens Suruí.

Resistência

Os primeiros povos que habitaram o Brasil ainda lutam para ter acesso ao básico. Ivaneide Bandeira, historiadora, ambientalista e conselheira da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé acompanha de perto a lutas dos povos indígenas de Rondônia. ‘‘Em Rondônia [os povos indígenas] tem tempo de contato variado, tem povos que tem mais de 80 anos e tem outros como os Akun’ su e Kanoé que tiveram contato em 1995. Existem ainda oito povos sem contato com a nossa sociedade’’, afirma.

Para Ivaneide, ainda há muito a se avançar para garantir qualidade de vida aos povos indígenas. ‘‘A situação dos povos indígenas é muito difícil, pois as terras estão sofrendo invasões de madeireiros, garimpeiros, pecuaristas. Na saúde estão morrendo por falta de atendimento, os postos de saúde que existem nas aldeias não têm medicamentos. Poucas aldeias têm profissionais de saúde que ficam pouco tempo. Tem indígenas morrendo por falta de atendimento’’, conta.

Assim como relatado pelos indígenas Hélinton Gavião e Rubens Suruí, a PEC 215 é vista pela ambientalista como uma das principais ameaças para os povos indígenas. ‘‘A PEC 215 impacta todas as terras indígenas. Além de roubo de madeira, garimpo e mineração, construção de hidroelétricas destruindo o território e a cultura. Os projetos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] causam impactos enormes nas terras indígenas. Impactos de religiões destruindo a cultura’’, avalia Ivaneide.  

Foto: Kanindé/Arquivo
Apesar dos entraves, Ivaneide acredita que os indígenas possam reverter essa situação no futuro. ‘‘Os indígenas de Rondônia estão promovendo os estudos de seus territórios, fazendo diagnósticos, etnozoneamento e Plano de Gestão, o que garante o planejamento das ações em suas terras, de maneira que eles podem buscar desenvolver suas regiões garantindo seus direitos’’, aponta a ambientalista.

Avanços e desafios

Assim como Ivaneide e a Kanindé, procuradores do Ministério Público Federal de Rondônia (MPF/RO) também tem acompanhado a situação dos povos indígenas de Rondônia. ‘‘Na região de Guajará-Mirim, onde estão mais de 20 etnias e metade da população indígena de Rondônia, a situação atual, no que tange aos direitos sociais é ainda muito precária e não estão assegurados os direitos básicos constitucionalmente garantidos, como o acesso à saúde e educação’’, avalia o procurador da República Daniel Dalberto, que atua na região de Guajará-Mirim.
Um cenário que aos poucos está conquistando pequenas mudanças. ‘‘Pesquisando a situação no passado recente, dez ou 20 anos atrás, constatei que houve avanços, tímidos, mas houve. Nos últimos meses tenho constatado um maior comprometimento dos administradores públicos em tentar melhorar, avançar na implementação de direitos’’, destaca Dalberto.

O procurador da República, Leonardo Sampaio, que atua na região de Porto Velho, também avalia que há muito a ser feito pelos indígenas. ‘‘A situação é de muita dificuldade. Violência, discriminação, preconceito, invasões de território, extração ilegal de madeira e minério, impacto de grandes empreendimentos, falta de alternativas de geração de renda de forma sustentável. Desafio é trazer melhorias nas condições de vida das comunidades, com acesso à saúde e educação e que isso se dê de forma que respeite suas culturas’’, assegura Sampaio. 

Foto: Kanindé/Arquivo
Os procuradores apontam o caminho para reverter o cenário de dificuldades enfrentadas pelos indígenas de Rondônia. ‘‘É preciso haver mais comprometimento dos órgãos públicos no enfrentamento dos desafios, continuidade das políticas e boa gestão, respeitando a necessidade de participação das comunidades envolvidas’’, afirma o procurador Daniel Dalberto. ‘‘Deve haver maior repressão aos ilícitos que ocorrem em terras indígenas, maior controle e fiscalização das atividades nas proximidades das terras indígenas, maior apoio estatal na promoção dos direitos fundamentais dos indígenas e respeito às suas especificidades culturais’’, aponta o procurador da Leonardo Sampaio.

Sustentabilidade

Proteger os direitos indígenas está diretamente relacionado a preservação da biodiversidade. As Terras Indígenas (TIs) são consideradas junto com as Unidades de Conservação (UCs) as mais ambientalmente preservadas. ‘‘Os indígenas nos oferecem um modelo milenar de interação com o meio ambiente, um modo de vida mais simples, evidentemente muito mais equilibrado que o modelo predatório  consumista e focado no acúmulo de riqueza. É claro que algum nível de degradação sempre vai haver. Mas penso que o modelo deles é ambientalmente muito mais adequado que o nosso’’, afirma o procurador.
‘‘Além do próprio modo de viver em harmonia com a natureza, preservando-a e vivendo de acordo com suas possibilidades, as terras indígenas hoje são alguns dos poucos redutos remanescentes de florestas no país. No Estado de Rondônia isso fica claro, pois, com exceção de terras indígenas e unidades de conservação, tudo já foi desmatado para atividades agropecuárias’’, aponta o procurador, Leonardo Sampaio.

Mesmo diante dos obstáculos ao desenvolvimento pleno dos povos indígenas, os procuradores veem com positividade as perspectivas futuras para esses povos. ‘‘Sou otimista quanto às perspectivas futuras. Espero ver melhorias significativas nos direitos sociais e o respeito à cultura, ao modo de viver indígena’’, disse o procurador Daniel Dalberto. ‘‘Vejo um futuro com muitos desafios na luta pela garantia e concretização de seus direitos’’, completa o procurador da Leonardo Sampaio.

Melhorias

Atuantes da defesa dos povos indígenas de Rondônia, os procuradores destacam o empenho em melhorar as condições desse público. ‘‘Há alguns enfrentamentos que tem sido feito que tenho esperança que deem resultados. O projeto de Ensino Médio com mediação tecnológica nas aldeias, a regularização formal das escolas indígenas, o efetivo controle social da saúde indígena e a assinatura de um termo de cooperação técnica entre o Governo do Estado, pela Seagri e Emater com a Funai, para melhoria da produção agrícola nas aldeias’’, afirma Dalberto.

‘‘Temos atuado com providências no sentido de compelir os órgãos responsáveis a melhorar a prestação de serviço público e permitir a concretização dos direitos fundamentais, tais como, acesso à saúde, educação, energia elétrica, água potável, compensações ambientais, reparação por danos morais às comunidades. Providências para coibir corrupção e outros desvios de conduta nos órgãos que prestam os serviços públicos na área indígenas’’, destaca Sampaio. 

Foto: Kanindé/Arquivo
Outra atuação do MPF/RO em prol dos indígenas de Rondônia é o de apoio para que eles tenham acesso ao ensino superior. Por meio de recomendação do órgão, a Universidade Federal de Rondônia (Unir) modificou sistema de cotas no vestibular de 2015. Indígenas passaram a concorrer apenas com outros indígenas. Isso permitiu o ingresso de 11 indígenas. E um acordo entre o órgão e a faculdade particular São Lucas garante o compromisso da instituição de ensino a ofertar 25 bolsas integrais de estudos aos povos indígenas, cinco bolsas por ano.

Este ano, a mesma recomendação feita para a Unir foi expedida ao Instituto Federal de Rondônia (Ifro) para que altere o método de cotas de forma que separe as cotas relativas a negros, pardos e indígenas. O Ifro ainda não definiu se vai acatar a recomendação. Mas são iniciativas como essas e a luta diária das lideranças indígenas que fazem os indígenas acreditarem em futuro melhor para as próximas gerações.

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