De Eduardo Ribeiro à Rua 24 de maio; entenda a construção da consciência negra na história do Amazonas

No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra.

No dia 20 de novembro, no Brasil, comemora-se o “Dia da Consciência Negra”. A data, incluída no calendário nacional, relembra a morte de Zumbi de Palmares, o líder que comandou o Quilombo dos Palmares (na época entre os Estados de Pernambuco e Alagoas), o maior na história do país e é referência na luta pela resistência de negros contra a escravidão.

Zumbi de Palmares. (Foto: Divulgação/Fundação Palmares)

Das memórias, no processo histórico de lutas e de reconhecimento da identidade negra, na Amazônia, a data é enfatizada como feriado no Amapá, Mato Grosso e no Amazonas. Em algumas cidades é feriado municipal, como é o caso de Pedreiras, no Maranhão e Porto Nacional, no Tocantins.

No Amazonas, a história do estado é marcada pela luta do negro e um dos grandes propulsores da resistência é o ex-governador Eduardo Ribeiro, que nasceu no Maranhão e ainda jovem foi apelidado de “pensador”, por sua militância e ideal pró-república.

“Eduardo Ribeiro é considerado o primeiro governador negro da história do Brasil. Fez uma revolução cultural e histórica no Amazonas, no período áureo da borracha. Ele é maranhense e trouxe várias famílias negras de lá para fazer a urbanização e a arquitetura da cidade, na época”, conta a doutoranda em Sociedade e Cultura pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Jessica Dayse Matos Gomes, que pesquisa sobre as identidades negras no Amazonas.

Ainda segundo Jéssica, além da vinda dos maranhenses e de famílias barbadianas (negros estrangeiros vindos do Caribe), a partir da Belle Époque, Manaus também reconhece e registra a importância do negro referenciando-os em logradouros públicos e dá nome a um bairro na Zona Leste, chamando-o de Zumbi dos Palmares. Criado em 1986 tem população estimada em mais de 35 mil habitantes, segundo dados do IBGE.

“A história da presença negra no Amazonas é marcada por lutas, como o reconhecimento da Comunidade do Barranco, na Praça 14, em Manaus, como o segundo quilombo urbano no país. Ruas da cidade, como a 24 de maio, que é uma data de referência para o negro, pois é quando a capital libertou os escravos negros, pondo fim à escravidão, quatro anos antes da Princesa Isabel assinar a Lei Áurea. Outra data de memória dá nome à Rua 10 de julho, que resgata a abolição da escravatura em toda a província do Amazonas. E o dia 28 de setembro, quando foi assinada a “Lei do Ventre Livre”, que dava liberdade aos filhos dos escravos nascidos à partir desta data, antigamente Largo 28 de setembro, hoje a praça é chamada de Heliodo Balbi e conhecida como Praça da Polícia”, pontua a pesquisadora.

Resgate histórico

Nos registros publicados por Arthur Reis, em seu livro “História do Amazonas”, os primeiros escravos negros chegam ao Amazonas durante o governo de Marquês de Pombal (1750-1777) e por volta da abolição da escravidão em 1884, somavam mais de 60 mil escravos traficados para o Amazonas.

Outro pesquisador que detalha essa história é o professor Ygor Olinto, do Instituto Federal do Amazonas – campus Coari, que lançou o livro “Uma viva e permanente ameaça: resistências, rebeldias e fugas escravas no Amazonas provincial“, e que em entrevista ao Portal Amazônia na época, contou o quanto difícil e emocionante foi o processo de produção de seu estudo ao ouvir as narrativas do negro como período de pós-escravidão. 

“As fugas em família sempre me emocionam porque, atravessando mais de um século, e toda a alteridade que nos separa daqueles homens e daquelas mulheres, recuperamos o que mais lhes importava: os laços e os afetos com os seus iguais. Fugir para reencontrar um filho, uma irmã, um amor, para proteger os filhos, enfim, eis ali uma luta pela humanidade”, disse Olinto. 

Quilombo Barranco São Benedito está localizado na Praça 14 de Janeiro, na Zona Sul de Manaus. (Foto: Divulgação)

Memórias e identidade

Para a professora doutora da Ufam Renilda Aparecida Costa, que trabalha a temática a mais de 20 anos, pesquisar sobre o negro, olhando a história, memória e identidade étnico-racial é descobrir “Brasis dentro de um único Brasil” – parafraseando Darcy Ribeiro. E no Amazonas é ainda mais complexo esse olhar.

“O estado do Amazonas é um espaço onde diferentes grupos sociais com nacionalidades distintas convivem, constituindo fronteiras não só territoriais, mas também fronteiras étnicas com interações e tensões sociais. Desta forma, as temáticas de estudo são abordadas a partir concepções interdisciplinares, provocadas pelos diferentes enfoques sobre a trajetória dos negros e negras no processo de formação sociocultural do estado do Amazonas, na relação com outros grupos étnicos- raciais”, pontua a professora que revela mais sobre seu estudo no livro – Batuque: espaços e práticas de reconhecimento da identidade étnico-racial.

Profa. Dra. Renilda Costa. (Foto:Divulgação/Ufam)

Um marco científico de destaque da pesquisa sobre o negro no Amazonas é da, também, professora da Ufam Patrícia Melo, que traz discussões do negro para a sociedade.

“Falar de negro no Amazonas ainda causa estranhamento, e questionamento de relevância e importância. E mesmo pelo pouco quantitativo de negros que chegaram ao Estado, isso não os diminui, pois na história há marcas deles. Até pouco tempo não tinham tantas pesquisas sobre o negro no Amazonas e um do divisor de água está na obra ‘O fim do silêncio: presença negra na Amazônia‘, da professora Patrícia Melo, que resgata e discute o negro em sociedade”, pondera.

No desenvolvimento da pesquisa científica sobre o negro na região, vários grupos de estudos tem se empenhado nesse resgate, que envolvem comunidades, indígenas e quilombolas, situados no campo e nas cidades amazônicas, vinculados ao Programa de Pós Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA). A professora Renilda destacou alguns dos trabalhos que vem sendo estudado. 

“As pesquisas sobre Negros na Amazônia e, mais especificamente no Amazonas, desenvolvidas pelos (as) jovens pesquisadores (as), sob a minha orientação estão vinculadas a linha 1 – que se refere aos ‘sistemas simbólicos e manifestações socioculturais’ – do PPGSCA e, estão também, vinculadas as atividades acadêmicas do Núcleo de Estudos Afro indígena NEAI/UFAM”, disse.

Ana Caroline da Silva – Defendeu a dissertação com a temática: A Umbanda no munícipio de Parintins /AM: A Influência religiosa da pajelança indígena e do Catolicismo, em 2018.

O presente trabalho apresentou uma discussão sobre a influência religiosa da pajelança indígena, e do catolicismo na Umbanda no município de Parintins/Am. A delimitação da pesquisa surgiu de inquietações em compreender as influências religiosas na Umbanda e conhecer quais saberes e práticas de cura da pajelança indígena estão presentes nas celebrações, principalmente na sua relação com os santos católicos e em que momento das celebrações é possível perceber a hibridização religiosa;

Jéssica Dayse Matos Gomes – Defendeu a dissertação com a temática Mocambos na Amazônia: história e memória do Arari – Parintins-Amazonas defendida 2017, no momento atual está envolvida com sua pesquisa de doutorado, que se propõe fazer a análise das memórias da presença negra no Amazonas através de relatos orais transmitidas de geração em geração. A Metodologia da História Oral permitirá evidenciar nas manifestações culturais, fragmentos de reminiscências negras na cidade de Parintins, dando ênfase as inter-relações entre os diferentes grupos étnico-raciais presentes na região dos Parintins e no Amazonas;

Jéssica Dayse Matos Gomes. (Foto: Arquivo pessoal/Cedida Gentilmente)

Júlio Cesar Coelho Gama Pesquisa no âmbito mestrado (em andamento) em que focará no estudo da reconfiguração das expressões culturais e religiosas negras na cidade de Manaus, ou seja, não se pode pensar identidade amazonense sem pensar a contribuição das religiões de Matrizes Africanas;

Lucas Lopes da Silva Aflitos – Pesquisa de mestrado (em andamento). O mesmo conduzirá sua investigação na ressignificação dos corpos negros, através da arte de rua como ferramenta de diálogo na superação do racismo estrutural, reafirmação identitária e emancipação social dos povos negros na sociedade brasileira;

Maria do Carmo Ferreira de Andrade – Pesquisa de doutorado (em andamento), em que dedica-se na compreensão do protagonismo da liderança de uma Yalorixá do Tambor de Mina, no campo religioso, social e, de resistência dos povos e comunidades tradicionais de terreiro em Manaus/AM; O enfoque da pesquisa de campo será no perceber como se constitui a identidade étnico religiosa de mulheres que, no cotidiano de seu sacerdócio e na intimidade de suas casas religiosas, dispõem-se e vão ao encontro das necessidades espirituais, materiais e sociais dos adeptos de seus terreiros.

Documentário

O Amazon Sat também já produziu um programa Documentos da Amazônia especial sobre a chegada do negro no Amazonas. Assista:

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