Interessante notar que mesmo a origem histórica da cidade remonta à comida, o que pode ser verificado em seu batismo. “Belém”, é um topônimo do nome “Santa Maria de Belém do Grão-Pará” e vem do hebraico Beit Lehem, ou em tradução livre, “Casa do Pão”. Talvez por esta ligação íntima com suas tradições alimentares, a cidade faz jus, desde 2017, ao título de Cidade Criativa da Gastronomia, uma láurea concedida pela UNESCO nesta categoria a somente 21 cidades no planeta, como Parma (Itália) e San Antonio (EUA). No Brasil, temos Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Paraty (RJ), além da capital paraense.
Assim, há mais de 4 séculos, a união entre a herança ancestral nativa das tribos dos Tupinambás e dos Pacajás, habitantes nativos da região, com as influências dos colonizadores portuguesas e mais dos africanos, dos imigrantes judaicas, asiáticas, dentre muitos outros que escolheram esta porção amazônica como sua morada, resultou em um caldo cultural aromatizado e saborizado por uma infinidade de povos e referências, que deram sua contribuição para que a cozinha de Belém (e a paraense, em geral) se tornasse uma das mais autêntica do país – e por que não dizer do mundo?
É muito forte entre a população ainda a cultura da comida de rua, sejam espetinhos de churrasco, ou dos carrinhos de sanduíche, que rivalizam com as grandes redes de fast food, que se instalaram em sequência na cidade, mas também barraquinhas de comidas típicas, que servem o tacacá e outros pratos como a maniçoba e o vatapá (em sua versão paraense) em panelas fumegantes.
A gastronomia ribeirinha, paradigmática e que hoje vem merecendo maior atenção, localizada na ilha do Combu, é na verdade a ponta de um “iceberg cultural” que se espalha por várias dezenas de outras ilhas e nos mostra uma dinâmica de vida em que o tempo e a relação com o meio ambiente são completamente diferentes e únicos, levados adiante pela população insular. Até porque comer no Boá ou no restaurante da Prazeres é uma destas experiências que deveríamos ter uma vez na vida. Além do chocolate de origem da D. Nena, também dileta habitante da ilha.
Ou quem sabe um peixe frito bem crocante na Alzira ou mesmo na barraca Dois Irmãos, situada no Ver-o-Peso? Este cartão-postal tão importante não só pelo que representa para o desenvolvimento urbano, mas também por ali se encontrar um microcosmo da própria Belém. É impossível de se pensar ainda hoje a cultura gastronômica da cidade sem a riqueza de frutas, pescados, mariscos, ervas, cheiros, cores e sabores de um dos maiores mercados horizontais do mundo.
Belém é a Belém da comida internacional do Buiagu, do Aviú, do Santa Chicória, mas também é a comida sustentável, ligadas aos pequenos produtores e sem veneno do Toró e do Iacitatá. Ou dos modelos de negócios adaptados à vida dinâmica dos restaurantes delivery como o Santé e o Vê Gourmet, que entregam experiências gastronômicas ao alcance de um celular.
Belém é a Belém da sopa das barracas da Cremação ou da feira da 25 de Setembro e é também a da comida de fusão do food-bike do Mirakuru. É o povo do açaí da Valquíria, do Point do Açaí e também da cozinha igualmente afetiva do Lá em Casa, este legado que nos deixou o saudoso Paulo Martins e que gerou discípulos como Roberto Hundertmark, Paulo Anijar, Tiago Castanho, Ilca do Carmo, Paula Pires, Leonardo Modesto, dentre tantos outros.
Aqui foi criada até mesmo uma ponte que nos leva direto ao Tapajós, sem escalas, com a cozinha raiz da Casa do Saulo.
Enfim, a melhor maneira de comemorar os 404 anos de Belém é comendo. E que ela nos faça satisfeitos e felizes por muitos outros séculos. Amém!