Mas, brincadeiras à parte, devemos saber que a água boa, limpa e em quantidade suficiente para aplacar necessidades, sejam quais forem, é antes de tudo, um direito de todas as pessoas. Mas isso nem sempre se materializa em uma realidade cotidiana. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que até 2050, a demanda por água aumentará entre 20% a 30% em relação aos números atuais. Esta elevação no consumo se dá pelo crescimento populacional, mas principalmente ao nosso estilo de vida e de produção.
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Em 1997, o Brasil instituiu sua Política Nacional de Recursos Hídricos, por meio da lei n° 9.433, ainda sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Entre os fundamentos com os quais este dispositivo se orienta (art. 1º) estão o de que a água é um bem de domínio público (inciso I), além de ser um recurso natural limitado e com valor econômico (inciso II). Possuímos no país um dos maiores reservatórios do planeta: o Aquífero Alter-do-Chão. Situado entre os estados do Pará, Amazonas e Amapá, estima-se que seu volume de água abasteceria a população mundial 100 vezes. É um patrimônio hídrico inestimável abaixo dos nossos pés em plena Amazônia!
1) A água como fonte de alimento: possuímos uma extensa rede hidrográfica ao longo de toda nossa região. Só a bacia do Rio Amazonas possui 7.050.00 km2 de área, ao longo dos 6.400km pelos quais o rio se estende. Vivemos na região que é o maior banco de biodiversidade do planeta. Nossa fauna ictiológica fornece uma infinidade de peixes que compõem a dieta dos povos amazônicos durante séculos. E não somente isso: somem-se se as costas marítimas, lagos, bem como áreas de cheias intermitentes (formando grandes extensões de manguezais) e teremos a pequena medida da riqueza imensurável de todos os demais ingredientes seja de água doce, seja de água salgada os quis dispomos. Um exemplo: as ostras cultivadas na Amazônia estão ganhando destaque nacional, entre outras vantagens, por estarem adaptadas a diversos ambientes, independente do nível de salinidade, o que torna seu sabor único;
2) A água como ingrediente: Este talvez seja o elemento mais abundante em nossa região. E muito de nossa cultura alimentar gira em torno dela. Nossa cozinha, com forte influência indígena, conta com pratos bastante caudalosos e suculentos. Uma caldeirada de filhote ou um belo tamuatá no tucupi são exemplos (dentre muitos outros) de preparações regionais que utilizam processos de cocção que chamamos na técnica gastronômica de “meio líquido”. Mesmo a farinha de mandioca, seca e granulada, aderida a um bom caldo de peixe e uma pimenta-de-cheiro esmagada ao lado do prato, resultam num pirão quente e perfumado, que nos fazem agradecer aos céus por sermos amazônidas. Não esqueçamos de nossas frutas que, à primeira mordida, soltam seus sucos doces ou azedos, mas sempre saborosos e cheios de generosidade.
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Aprendemos, portanto, a lidar com a água da maneira como ela se apresentar a nós. Ainda que seja como uma bela chuva que cria uma sinfonia musical, que combinada a uma rede após o almoço, compondo um quadro cultural singelo e representativo. A vida na e da Amazônia depende da água e é a partir dela que construímos nossa própria identidade.