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A Manaus de ontem, de um passado não muito distante

Avenida Eduardo Ribeiro, Centro de Manaus. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Por Abrahim Baze – literatura@amazonsat.com.br

Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que aqui floresceu em fins de 1800 e início de 1900. Na verdade a arquitetura de Manaus, a arquitetura mais antiga exprime uma atitude emocional e estética do apogeu de um período do látex e da burguesia enriquecida pelo processo produtivo.

A cidade que despertou a admirarão de tantos estrangeiros imigrantes ou visitantes, nas primeiras décadas de 1900, surgiu como por encantamento.

De uma aldeia dos índios Manaus, o antigo Lugar da Barra se transformara num dos mais importantes centros do mundo tropical, graças a vitalidade econômica da borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos, como na antiguidade o comércio intenso no Mediterrâneo e no Adriático possibilitou a Roma, Florença e Veneza papel preponderante na economia, nas artes, nas letras e na arquitetura da Velha Europa.

Tal como Veneza, por meio de seu comércio de longo alcance com povos europeus e extras europeus, Manaus veio conhecer o gosto e a experiência de países extras americanos onde sua burguesia procurava inspirações de vida e de ação. O passeio de férias à Europa era ocorrência de rotina para a família de Manaus que, por sua vez, de lá traziam ideias e sugestões transformados em valores culturais, às vezes um tanto invulgar de uma sociedade desejosa de crescer e firmar-se como força civilizadora.

Cidade de suaves colinas, Manaus desdobrava-se em vistas múltiplas para quem a cruzasse nas avenidas e ruas de um lúcido urbanismo. E não deixa de impressionar a obra urbanizadora da capital, creditada ao governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro, a topografia da cidade, antes do governo dele, deslumbrava-se em cortes hidrográficos: era o Igarapé do Salgado, o Igarapé da Castelhana, o Igarapé da Bica, o Igarapé do Espirito Santo, Igarapé de Manaus, Igarapé da Cachoeirinha, Igarapé de São Raimundo, Igarapé dos Educandos, etc.

Eduardo Gonçalves Ribeiro aterrou os caudais em benefício de um urbanismo funcional, que lutou contra a natureza até fazer secar os pequenos cursos d’água, transformada em amplas avenidas.

[…] Avenida Eduardo Ribeiro, com sua imponência, resultado do aterro do Igarapé do Espirito Santo. Outros tantos igarapés atravessados por sólidas pontes de ferro, em disposições geométricas artisticamente apresentadas. O Teatro Amazonas erigido no topo de uma colina, como se fosse a Acrópole dos Deuses da Floresta, marca a capital no espaço e no tempo, inaugurado em 1896.

Fonte: TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Manaus: Valer, 2000. Pág.: 188-189.

Cidade rica, progressista e alegre, calçadas com granito e pedra de liós, trazida de Portugal, sombreadas por frondosas mangueiras e de praças e jardins bem cuidados, com belas fontes e monumentos, tinha todos os requisitos de uma cidade grande urbe moderna: água encanada e telefonias; energia elétrica, rede de esgoto e bondes elétricos deslizando em linhas de aço espalhadas por toda malha urbana e penetrando na floresta até os arredores mais distantes do Bairro de Flores. O seu porto flutuante, obra-prima da engenharia inglesa, construído a partir de 1900, o qual recebia navios de todos os calados e das mais diversas bandeiras.

O movimentar do centro comercial regurgitando de gente de todas as raças, nordestinos, ingleses, peruanos, franceses, judeus, norte-africanos, norte-americanos, alemãs, italianos, libaneses, portugueses, caboclos e índios.

Rua Ferreira Pena, 1933. Destaque para os Bungalows, projetados pelo professor Coreolano Durand. Foto: Bazar Esrpotivo/Acervo Fundação Getúlio Vargas

A Avenida Eduardo Ribeiro concentrava um número expressivo de casas comerciais. Nas proximidades do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Ruas Marcílio Dias, Guilherme Moreira, Quintino Bocaiúva, 7 de Setembro, Henrique Martins, Instalação, Praça XV de Novembro. Tudo o que o comércio internacional oferecia à época poderia ser encontrado nesta longínqua cidade, plantada a milhares de quilômetros dos principais centros capitalistas.

Atividades comerciais bem constituídas abrigavam, no andar inferior, o comércio e no andar superior a residência do proprietário, instalado próximo ao seu trabalho, o que ocorria normalmente das 7h às 21h da noite.

Esse espaço residencial era o que predominava em nosso centro comercial. Mas, afastadas como a Praça dos Remédios ao longo da Joaquim Nabuco, Largo de São Sebastião, Avenida 7 de Setembro, Rua Barroso, 24 de Maio, Saldanha Marinho e outras ruas circunvizinhas, dispunha-se as residências mais ricas, magníficos palacetes construídos no melhor estilo da época, assoalhos de acapu e pau amarelo, pinho-de-riga, onde o sol vazava as janelas e vitrais europeus. As salas normalmente iluminadas de belíssimos lustres europeus, paredes e tetos decorados de pinturas e telas ou de ar frescos.

Seus salões amplos exibiam luxuosíssimos móveis, porcelanas, cristais, pratarias e que permaneciam sempre abertos para receber visitas e festas de aniversários, banquetes e saraus, as diversões familiares da belle époque.

Casas de alvenaria com porões habitáveis, com fachada de painéis de azulejos europeus, com suas entradas de escadas em degraus de pedra de liós, ou madeira, sala de visita, alcova, sala de jantar, o grande corredor, ladeados de dois três quartos, cozinha em mais dependências.

[…] As famílias de menores recursos habitavam as extensas vilas de casas populares, o que ainda encontramos hoje nas ruas 24 de maio, Lauro Cavalcante e Joaquim Nabuco e as chamadas estâncias, extensas construções de meia-água divididas em pequenos quartos para aluguel. Entre os hotéis destacavam-se o Casina, na Praça Dom Pedro II e o Grande Hotel na Rua Municipal número 70, belíssimo edifício de dois andares, com quarenta e dois quartos, cujos cômodos eram decentemente mobiliados.

Fonte: LOUREIRO, Antônio José Souto. A Grande Crise. Pág.: 33 e 34. In. BAZE, Abrahim. Luso Sporting Clube: A Sociedade Portuguesa no Amazonas. Manaus: Valer, 2007.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

Curauá: bromélia da Amazônia pode ser alternativa ao plástico do petróleo

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Pesquisas realizadas com uma espécie de bromélia nativa da Amazônia e semelhante ao abacaxi, o curauá (Ananás erectifoliu), tem revelado um alto potencial de alternativa econômica sustentável para a substituição do plástico de origem petroquímica. O estudo, desenvolvido no Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), em Manaus (AM), já está em fase de implantação por meio de um projeto-piloto de extensão desenvolvido com produtores da agricultura familiar.

Por meio de um acordo de cooperação com outras instituições, o CBA fornece as mudas, capacita os produtores para o plantio e produção da fibra e conecta com uma empresa para a produção do bioplástico.

A pesquisadora do CBA, Simone da Silva, mostra o abacaxi amazônico. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Presente na região de não floresta, o curauá é fiel às características de clima e solo da região, preferindo solo não encharcado, ácido e pouco fértil. De acordo com os pesquisadores, é uma excelente opção de manejo sustentável por desenvolver melhor em área de sombra e com outras espécies.

Além do preparo da área não exigir fogo ou derrubada, o plantio pode ser feito em qualquer época do ano. “Vai muito ao encontro da nossa ideia de implantar em sistemas agroflorestais. O produtor não precisa deixar de plantar o que é a vocação natural dele. Se produz açaí, macaxeira, mamão, maracujá, que ele possa produzir em consórcio”, observa a pesquisadora.

A sustentabilidade do curauá também se expressa na viabilidade econômica, que desperta interesse da indústria, em substituição ao polietileno de origem petroquímica, à fibra de vidro e até mesmo às outras fibras naturais como a malva e a juta, exportadas de Bangladesh (Ásia).

O beneficiamento da bromélia amazônica também é simples e pode ser feito pelo próprio produtor por meio de um equipamento que beneficia o sisal e já existe no mercado, adaptado para o tamanho da fibra do curauá. A máquina é segura e não representa risco de acidentes no manuseio, garante a pesquisadora Simone Silva.

“A nossa ideia é que o produtor não comercialize a folha, mas que, minimamente, ele forneça a fibra, gerando o maior valor agregado possível para ele”, complementa Simone.

As mudas geradas nos laboratórios são de curauá branco, espécie que naturalmente já apresenta vantagem por perfilhar mais em relação ao curauá roxo. Após o plantio, a colheita é feita do 10º ao 12º mês, no primeiro ano. A partir do segundo ano, é possível ter de três a quatro colheitas.

Bromélia Amazônica (abacaxi curauá) é pesquisada no Centro de Bionegócios da Amazônia. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

“A planta que vem de cultura de tecido [em laboratório] leva um efeito residual dos hormônios que a gente usa para brotar, então, naturalmente ela gera mais brotos do que uma planta convencional. O que se torna uma vantagem para o produtor e é um investimento só inicial dele adquirir mudas in vitro, mas que ele pode depois ampliar o seu plantio ou ser uma nova fonte de renda ao vender mudas para o seu vizinho”, explica a pesquisadora.

Como o mercado de curauá ainda não foi estabelecido na região, os pesquisadores evitam especular sobre rendimentos aos produtores, mas garantem que vários setores industriais já manifestaram interesse em adquirir a produção. “O que os setores interessados dizem é como eles pagam muito caro por uma fibra de juta e malva, por exemplo, que vem de Bangladesh, eles estão dispostos a pagar o mesmo valor na fibra de curauá, que pode gerar entre R$ 9 e R$ 10 o quilo da fibra”, disse Simone.

*Com informações da Agência Brasil

Acervo indígena com mais de 500 peças retido na França chega ao Brasil depois de 20 anos

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Vinte anos depois de permanecerem retidos no Museu de História Natural de Lille (MHN), na França, 585 dos 607 artefatos indígenas chegaram ao Brasil no dia 10 de julho. As demais peças que faltam não puderam compor o acervo transportado por falta de documentação necessária para a retirada. Alguns artefatos são considerados raros por terem sido confeccionados com elementos de flora e fauna em extinção. O conjunto de objetos provém de mais de 40 povos diferentes.

A repatriação do acervo é fruto de negociação entre o museu francês e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Ministério Público Federal (MPF), dada a importância da coleção e a proteção constitucional do patrimônio cultural brasileiro.

Foto: Museu do Índio

Os materiais são protegidos pela Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), estabelecida no Brasil por meio do Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000.

Joenia também anunciou que tão logo seja possível, a Funai e o Museu do Índio (MI) irão promover exposições das peças repatriadas.

Vistoria do acervo

O acervo deve passar por minuciosa vistoria antes de ser liberado pelas autoridades aduaneiras. Após a conferência e autorização, a carga será transportada ao Museu do Índio, órgão científico-cultural vinculado à Funai, localizado no Rio de Janeiro.

No MI, as peças serão desembaladas para a conferência de seu estado em comparação com os relatórios emitidos quando os artefatos saíram do MHN de Lille. “Nossa recomendação é que o acervo passe por um período de quarentena antes de ser exibido, para evitar possíveis contaminações, como é de praxe com acervos museológicos”, sugere a diretora do MI, Fernanda Kaingang.

As peças foram enviadas ao exterior em 2004 sem obedecer os trâmites legais que envolvem a saída do Brasil desse tipo de material.

Peças raras

O acervo repatriado é composto de itens etnográficos que representam a variedade de manifestações da cultura material dos povos indígenas que vivem no Brasil. Entre eles, encontram-se diversos adornos Kayapó e Enawenê-Nawê, considerados raros ou inexistentes nas coleções brasileiras. E também objetos Araweté como chocalhos, arcos e raros brincos emplumados produzidos a partir das penas do anambé azul e da arara vermelha.

Reparação

Com o acervo indígena de volta ao país de origem, a expectativa é que se negocie com a França medidas de reparação aos povos envolvidos, levando-se em consideração o complexo processo para garantir o retorno das peças, bem como o tempo que o acervo ficou retido e os danos sofridos.

Foto: Leo Macario

Para o coordenador técnico-científico do Museu do Índio, Seije Nomura, que tem acompanhado o processo de repatriação das peças, é preciso encontrar medidas que garantam que os empréstimos de acervos sejam mais vantajosos para as comunidades indígenas, com repartição de benefícios para os povos de onde advém as expressões culturais em circulação. E, ainda, medidas que garantam o correto acompanhamento e retorno de acervos emprestados a museus estrangeiros.

“Deve-se estimular, como já tem ocorrido, que eventuais empréstimos também contemplem a previsão de os próprios artistas e mestres de saberes apresentarem e falarem sobre seus acervos – o que promove o protagonismo dos povos indígenas”, ressaltou Seije Nomura.

A partir do recebimento dos itens no Museu do Índio no Rio de Janeiro, a Coordenação de Patrimônio Cultural fará a gestão do acondicionamento das peças para poder encerrar esta etapa do processo de repatriação.

*Com informações da Funai

Operações federais na Terra Yanomami impõem prejuízo de R$ 110 milhões ao garimpo ilegal

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O garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami está em processo acentuado de queda desde a implantação da Casa de Governo, em Boa Vista (RR), no final do mês de fevereiro deste ano. Com todas as ações do Governo Federal centralizadas e coordenadas na nova estrutura, o resultado do trabalho dos 31 órgãos federais que atuam na região estabeleceu ao garimpo ilegal a destruição da infraestrutura montada para as ações criminosas.

A megaoperação do Governo Federal contabiliza um prejuízo de mais de R$110 milhões imposto aos criminosos, com a inutilização de aeronaves, motores e geradores, entre outros equipamentos usados na atividade criminosa.

Do valor total de prejuízos impostos às atividades de criminosos na TIY, somente com apreensões de ouro e outros minérios, o valor corresponde a R$ 9 milhões, apreensão de veículos R$ 2 milhões e multas aplicadas já somam R$ 11 milhões. Em outra frente, que se dá por meio de destruição e/ou inutilizações, já são R$ 19 milhões apenas com aeronaves, mais R$ 34 milhões com pistas de pouso e outros R$ 30 milhões referentes a maquinários e mais R$ 5 milhões em outras apreensões e/ou destruições.

O extrato de custos do garimpo foi mapeado através do trabalho de inteligência realizado pelos órgãos federais. De acordo com a apuração, o aluguel de um barco para acessar a terra chega a R$ 25 mil; o frete de voo custa em torno de R$ 15 mil; e o garimpo tem pago a pilotos de aeronaves R$200 mil ao mês. “A grama do ouro comprado direto do garimpo está com custo elevado, em torno de R$ 370”, revela o diretor da Casa de Governo, Nilton Tubino, responsável pela articulação dos órgãos federais envolvidos.

Com a inutilização da infraestrutura arquitetada pelos criminosos, o custo do garimpo ilegal se torna cada vez mais alto. O diretor da Casa de Governo apresentou à equipe interministerial, durante reunião no Palácio do Planalto na última segunda-feira (8), o dado de 40% de aumento nos custos da atividade criminosa dentro da terra indígena. “O garimpo ilegal na Terra Yanomami será antieconômico”, afirmou Tubino.

Equipe

Mais de 560 servidores federais formam a equipe em atuação. Eles realizaram 967 operações de inteligência, fiscalização e repressão entre os meses de março, abril, maio, junho e o início de julho deste ano. Neste mesmo período, 58 pessoas foram presas.

Nilton Tubino considera que o Governo Federal segue para uma nova fase do trabalho na Terra Yanomami. “Os resultados já alcançados mostram a efetividade da articulação e do planejamento instituído a partir da instalação da casa de Governo. É importante destacar que estamos falando da maior terra indígena do Brasil, onde as riquezas do solo, dos rios, atraíram a atividade criminosa, com altos volumes de investimentos para a prática ilegal do garimpo. Mas estamos mostrando aos criminosos que não vamos tolerar a continuidade desta exploração”, afirmou.

*Com informações da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República

Cientistas se unem a povos da floresta amazônica para proteger sítios arqueológicos em risco

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A descoberta nas últimas décadas de milhares de sítios arqueológicos na Amazônia tem contribuído para mudar a perspectiva sobre o passado da maior floresta tropical do mundo. Esses locais, onde ficaram preservados os testemunhos e evidências de atividades de populações tradicionais, contudo, estão sob o risco de serem destruídos pelo avanço do desmatamento, do garimpo e das mudanças climáticas, entre outros fatores.

Por meio de tecnologias emergentes, como a de sensoriamento remoto aerotransportado “Lidar” (acrônimo em inglês para light detection and ranging), pesquisadores brasileiros, em parceria com povos da floresta, estão mapeando esses sítios arqueológicos em áreas ameaçadas da Amazônia, a fim de lhes conferir maior proteção.

Resultados preliminares do projeto, intitulado “Amazônia revelada”, foram apresentados em uma mesa-redonda realizada na terça-feira (09), durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento vai até amanhã (13) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

Para realizar o mapeamento, os pesquisadores participantes do projeto, financiado pela National Geographic Society e apoiado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outras instituições, inicialmente conversam com representantes das populações que vivem nos locais onde há evidências da existência de sítios arqueológicos para saber se há interesse ou não de que sejam mapeados.

Neves apresentou a pesquisa no dia 13 de julho, durante a Reunião Anual da SBPC. Foto: Elton Alisson/Agência FAPESP

“Não queremos pegar um avião e sair voando por aí porque seria, mais uma vez, uma forma de reproduzir práticas colonialistas científicas”, avaliou Neves.

Algumas das populações já consultadas e que deram aval para sobrevoos foram uma comunidade quilombola em Costa Marques e o povo indígena Amondawa da Aldeia Trincheira, em Rondônia.

Os pesquisadores pretendiam sobrevoar a região do Alto Xingu, mas cancelaram o plano após conversas com representantes do povo indígena Kuikuro. “Eles não queriam que sobrevoássemos por enquanto a terra deles porque a nossa ideia é tornar públicas as informações e não querem que outras pessoas saibam da existência daqueles locais que são importantes para eles”, contou Neves.

Com a mudança de planos, o novo local escolhido foi a ilha de Marajó, no Pará, onde há evidências de criação de estruturas artificiais. “Ao olharmos para escavações arqueológicas feitas na região, observamos uma série de cores diferentes que são camadas construtivas de aterros feitas por populações que ocuparam Marajó no primeiro milênio da era comum, a partir de mais ou menos 400 anos depois de Cristo, até o segundo milênio. Esses aterros foram construídos, ocupados e serviam como locais de cemitério”, contou o pesquisador.

Outra região que será sobrevoada é a Terra do Meio, no Pará, atravessada pelo rio Xingu e afluentes e formada por reservas, unidades de conservação e as terras indígenas Cachoeira Seca, Xipaya e Kuruya. Alvo de de garimpeiros ilegais, a região também sofre com desmatamentos e roubo de madeira.

Santa Terezinha. Foto: Edison Caetano

Primeiros resultados

Em razão do grande número de queimadas na Amazônia no ano passado, não foi possível realizar a maior parte dos sobrevoos programados. Este ano, o trabalho foi iniciado mais cedo e já começou a produzir os primeiros resultados.

Por meio de sobrevoos feitos em uma região situada entre o Acre, o sul da Amazônia e Rondônia, foi possível identificar um sítio arqueológico composto por estruturas geométricas triangulares e circulares associadas a estradas.

Já na Serra da Muralha, em Rondônia, foi possível identificar outro sítio arqueológico, composto por uma muralha de pedra e estruturas de alvenaria associadas a uma estrada. Na região está localizado um dos maiores parques nacionais da Amazônia, o Mapinguaria, cuja extremidade oeste foi invadida por um garimpo em 2019.

De acordo com o pesquisador, atualmente há mais de 6 mil sítios arqueológicos cadastrados em toda a bacia amazônica. Na opinião dele, contudo, esse número está subestimado.

“Em qualquer lugar que a gente vá, no interior da Amazônia, nunca deixamos de achar um sítio arqueológico. A questão é saber o que fazer com eles”.

Na avaliação do pesquisador, é preciso pensar a Amazônia não somente como um patrimônio natural, mas também biocultural, como um produto da história das populações tradicionais que incluem não somente os povos indígenas, mas também populações quilombolas, ribeirinhas e beiradeiros, que vêm ocupando a região há pelo menos 13 mil anos.

Resultados de estudos anteriores conduzidos por Neves com apoio da FAPESP podem ser encontrados em: agencia.fapesp.br/51197agencia.fapesp.br/40304 e agencia.fapesp.br/39387.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp, escrito por Elton Alisson, de Belém

15 anos de história: Romaria das Águas exalta cura pela fé, no Amazonas

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Com o tema ‘Cura Pela Fé – Amazônia’, a maior procissão fluvial da região amazônica celebra 15 anos de história no Amazonas. A emblemática procissão para Nossa Senhora do Carmo dá continuidade às tradições culturais que sucedem o Festival Folclórico de Parintins, que ocorre no último fim de semana de junho.

Em 2024, a procissão tem como símbolo uma escultura de Nossa Senhora do Carmo com 16 metros de altura. A imagem sagrada da santa padroeira de Parintins, percorrerá o Rio Amazonas, simbolizando a fé e devoção dos fiéis.

A escultura foi idealizada e projetada pelo artista parintinense Juarez Lima e seus filhos Thyago Lima e Juarez filho, e traz uma simbologia de tradição e herança para futuras gerações.

Foto: Reprodução/Prefeitura de Parintins

Apesar dos 15 anos de Romaria, este é o quarto ano em que o cortejo sai de Manaus até Parintins. O evento foi criado em 2009 por Juarez derivado de uma promessa para a melhora da saúde de um amigo que havia sofrido de um acidente vascular cerebral (AVC).

Durante a pandemia, Juarez perdeu sua esposa para a Covid-19 e com uma nova promessa de recuperação de seus filhos, também acometidos pela doença, a Romaria passou a partir da capital amazonense.

Nossa Senhora do Carmo

O Dia de Nossa Senhora do Carmo é celebrado em 16 de julho. A santa é padroeira de Parintins e a Catedral em sua homenagem foi tombada por sua importância cultural pela Lei Nº 618/2004.

A Romaria das Águas é uma procissão em preparação para celebrar o dia da santa. Durante o dia 16, ocorre uma novena em homenagem à padroeira e uma procissão pelas principais ruas e avenidas de Parintins. Uma missa marca o encerramento da festa.

Programação

Neste ano, a Romaria iniciou no dia 13 de julho. De acordo com a página oficial do evento, a embarcação com fiéis saiu de Manaus ainda no sábado com destino à Parintins, chegando dia 14 de julho, às 14 horas, com uma parada oficial na Boca do Limão para o início da Romaria, saindo da Boca do Limão às 17h30 com destino ao Porto de Parintins, para o grande ato da missão da Romaria das Águas.

Após a celebração, a embarcação retorna a Manaus no dia 17 de julho, partindo às 7h do Porto de Parintins.

Para mais informações, o contato da organização do evento é (92) 99195-1434.

Com estiagem antecipada, embarcações estão proibidas de navegar a noite em trecho do Rio Madeira

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A Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC) decidiu proibir a navegação noturna na região do Rio Madeira devido a uma baixa no nível da água, que chegou a 3,75 metros na última segunda-feira (9), em Rondônia.

Segundo a marinha, a medida é necessária para garantir a segurança do transporte fluvial de passageiros e mercadorias, principalmente nos trechos mais complicados já mapeados.

A proibição ocorre no trecho de Porto Velho, em Rondônia, a Novo Aripuanã, no interior do Amazonas, por prazo indeterminado. De acordo com a capitania, a partir de agora, embarcações com calado (distância entre o ponto mais baixo do navio e a linha superficial da água) igual ou superior a 2,20 metros de altura não podem navegar no Rio Madeira durante a noite.

A capitania afirma que existem 24 pontos críticos de navegação no Madeira nesta época do ano, incluindo banco de areias e pedras.

Na semana passada, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) divulgou que a seca do Rio Madeira em 2024 pode ser uma das piores, caso ocorra um atraso no início da estação.

A expectativa era que o nível do rio ficasse abaixo de 4 metros só no fim de agosto.

Aprenda a preparar porco a rolê no tucupi

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Um ingrediente muito conhecido na culinária nortista é o tucupi. O chef Pedro Bagattoli ensina uma receita de porco a rolê no tucupi que promete dar água na boca.

Ingredientes

520g pernil suíno 7 bifes de pernil
30g pimentão vermelho
30g pimentão verde
80g baco em tiras
20g talo de cebolinha
60g de cebola meia cebola grande
20g dente de alho 2
20g pintem de churro
3 folhas de chicória
Rapas 1 limão
20g manteiga
300g de mandioca
Sal
Pimenta do reino
600ml tucupi
1/2 maço cebolinha picada
10g de açúcar

Modo de preparo

  • Cozinhe a mandioca com águas e sal;
  • Assim que cozida, retire o talo e bata no liquidificador com um pouco da água do cozimento.
  • Reserve o creme de mandioca;
  • Tempere os bifes de porco com cebola, alho, pimenta do cheiro, pimenta do reino e raspas de limão e sal;
  • Assim que temperado, recheie bife por bife com pimentão vermelho, pimentão verde, talo de cebolinha e o bacon;
  • Enrole deixando bem firme;
  • Em uma frigideira aquecida adicione uma colher de manteiga, um pouco de açúcar deixe o açúcar começar a caramelizar;
  • Adicione os rolinhos de porco cuidando para não abrir, deixe dourar bem de todos os lados virando conforme for dourando;
  • Assim que dourado adicione e o caldo de tucupi e finalize com creme de mandioca a cebolinha picada e deixe ferver por 5 minutos.

Projeto Farmácia Viva, em Belém, une ciência e conhecimento popular no tratamento de doenças 

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Pacientes atendidos na Unidade Básica de Saúde (UBS) Paraíso dos Pássaros, em Val de Cans, foram recepcionados na primeira semana de julho, com chazinhos de capim-limão e erva-cidreira distribuídos por profissionais que integram o projeto Farmácia Viva, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma).

Ao receberem a bebida, as pessoas eram informadas sobre o projeto realizado na UBS, onde há uma plantação de ervas medicinais que faz parte do Farmácia Viva e de onde foram retiradas as folhas para a produção dos chás distribuídos pela a partir de então à população.

Ele destaca que o projeto une a ciência e o conhecimento popular, por isso, sempre procuram ouvir as experiências dos moradores com os chás, que fazem parte da cultura local.

Divulgação

Desde o mês de maio, Cléber e a estudante de Farmácia da Unama, Ismaelly Favacho, fazem o trabalho, informando à comunidade que frequenta a UBS sobre a plantação das ervas no local e a implantação do laboratório onde medicamentos fitoterápicos serão produzidos para serem distribuídos à população.

Foto: Reprodução/saudedica.com

Os estudantes entregam materiais educativos com informações científicas sobre as plantas, modo de fazer os chás, indicações e quantidade a ser ingerida. “No máximo três xícaras de 150 ml por dia. E nada de substituir a água por chá. A água é insubstituível”, ressaltam os estudantes. A distribuição de chás será realizada às terças e quintas-feiras, dias em que é feito o trabalho de divulgação do projeto.

Projeto

O projeto desenvolvido pela Sesma foi aprovado em edital do Programa Farmácia Viva, do Ministério da Saúde (MS), em outubro de 2022. Como política pública, é necessário o cumprimento de algumas etapas até a implantação total, esclarece o responsável técnico do projeto da Sesma, Rafael Cabral. 
Primeiro foi realizado o planejamento e iniciado o processo de aquisição, por meio de licitação, de equipamentos, vidrarias, eletrodomésticos, utensílios, mobiliário e insumos para o plantio. “A finalidade do projeto é melhorar os indicadores de doenças crônicas não transmissíveis e saúde mental em Belém. Para isso, optamos pelo modelo que abrange desde o plantio, dispensação da droga vegetal in natura ou secas para chás e extração de tinturas, que são mais concentradas”, informa Rafael Cabral.

Cultivo

O local escolhido para a implantação da Farmácia Viva foi a UBS Paraíso dos Pássaros, onde havia uma horta comunitária. Durante todo o ano de 2023 foram realizados e acompanhados os processos licitatórios. Já no final do ano teve início a fase de plantio, com análise e correção do solo, estruturação das leiras, eliminação de pragas e preparação para receber as mudas, que começaram a ser plantadas no início deste ano, sob a coordenação do agrônomo Cleidson Pinheiro, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma).

Na fase de preparação do solo, o projeto contou com cooperação técnica da Embrapa Amazônia Oriental, com o trabalho do agrônomo Osmar Lameira. No plantio das mudas, o projeto tem o apoio da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que tem feito o acompanhamento do desenvolvimento das plantas medicinais.

Foto: Ivabalk/Pixabay

Plantas

As primeiras plantas cultivadas pelo projeto são a erva-cidreira (Lippia alba), o capim-limão (Cymbopogon citratus), a anador (Justicia pectoralis) e a penicilina (Alternanthera brasiliana). A previsão é que, até o final deste ano, a Farmácia Viva já esteja disponibilizando para a população essas ervas secas e embaladas.

Cleber Macedo informa que a distribuição será realizada por prescrição do médico ou do farmacêutico, depois de levantadas as informações clínicas do paciente, que terá o acompanhamento profissional para identificar se as recomendações estão sendo seguidas. “O objetivo é substituir os medicamentos alopáticos pelos fitoterápicos da Farmácia Viva nos casos possíveis, reduzindo efeitos colaterais no paciente e promovendo maior qualidade de vida”, enfatiza.

*Com informações da Agência Belém

Indígenas venezuelanos enfrentam fome, doença e desespero em Manaus

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Dinora Moraleda, de 33 anos, amamenta sua filha de 4 meses, sentada no chão de uma sala de 10 metros quadrados junto a oito familiares. Ela tosse seco, sintoma da pneumonia que pegou no prédio precário e insalubre onde mora, localizado na Cidade de Deus, um bairro pobre na zona norte de Manaus, capital do Amazonas. Um ano antes, ela amamentava seu filho Jordi no mesmo prédio, mas ele morreu de pneumonia aos 18 meses porque ela não tinha dinheiro para levá-lo ao hospital.

Dinora faz parte do povo Warao, a segunda maior comunidade indígena da Venezuela, com 30 mil integrantes, que antes tinha um modo de vida mais tradicional numa das regiões mais isoladas ao norte do país, no litoral da Amazônia.

O nome Warao significa ‘povo do barco’. Eles consideram a Terra, chamada Hobah em sua língua, como um disco flutuando sobre um grande corpo d’água, e creem que tudo na natureza tem um espírito. Longe das florestas preservadas onde cresceram, agora a família sobrevive com apenas uma refeição por dia. Geralmente, uma porção de peixe e arroz. Dinora deixou o país em 2016, fugindo da crise econômica e humanitária; 26 familiares depois se juntaram a ela no Brasil.

O estado do Amazonas está repleto de comunidades Warao. Agora, cerca de 800 deles vivem em Manaus, a maioria na favela Cidade de Deus. Dinora não tinha ideia do que a vida lhe reservava no Brasil. Obrigada a mendigar, inclusive quando ela mesma estava com pneumonia, Dinora pedia dinheiro nos semáforos com o filho Jordi nos braços. 

Assim como Dinora, 12 famílias de origem Warao vivem em quartos de 5 metros quadrados em barracos improvisados na Cidade de Deus. Eles vieram do Delta do Orinoco, um labirinto de rios que se estende por mais de 25 mil quilômetros quadrados e compreende mais de 300 canais.

Foto: Nicola Zolin.

Às margens de um desses canais, a família de Dinora vivia numa palafita na comunidade de Yorinanoko. Sua mãe, Amelia Cardona, lembra aquele tempo com nostalgia. “Tínhamos duas canoas pequenas, meu marido pescava, nós plantávamos mandioca, banana, cana-de-açúcar, e vivíamos tranquilos”, conta.

Como muitos refugiados Warao no Brasil, a família de Dinora tinha migrado para Caracas em 2008, quando o pai sofreu um derrame. “Ele não conseguia mais pescar nem trabalhar, e era cada vez mais difícil conseguir o remédio de que ele precisava para viver”, explica Amelia. 

Seu marido tem dificuldades para falar, mas retira a caixa de fenobarbital de 120 mg do bolso, o remédio que impede que ele tenha tremores incontroláveis.

Maior êxodo na América Latina em cem anos

A história dos Warao é repleta de experiências de migração forçada. Os grupos indígenas foram deslocados pela primeira vez nos anos 1960, para abrir caminho a projetos hidrológicos que desviaram os rios dos quais se abasteciam. Epidemias de cólera, malária e sarampo surgiram na mesma época, forçando alguns Warao a deixar suas comunidades.

Mas foi a atual crise econômica, que fez a Venezuela entrar em colapso com uma inflação que chegou a 800% ao ano em 2016, a responsável pela mais recente onda de emigração dos Warao em busca de oportunidades econômicas, saúde, combustível e alimentação básica.

Daisy Pérez, 42 anos, que era professora na Venezuela, é uma das que deixou o país. Em 2017, ela viajou centenas de quilômetros de barco, ônibus e a pé para chegar a Pacaraima, em Roraima, e depois a Manaus alguns meses depois.

Ela ficou sem salário e teve de sobreviver vendendo artesanato nas ruas brasileiras com seus quatro filhos e marido. Duas de suas irmãs e seus pais também vieram juntar-se a ela. “Qualquer lugar parecia melhor que a Venezuela naquela época. Era sair ou ficar e ver nossos filhos morrerem de fome”, conta.

Desde 2014, a crise humanitária e social da Venezuela, que registrou níveis recordes de inflação, compeliu milhares de cidadãos a fugirem para países vizinhos. O Brasil recebeu mais de 400 mil venezuelanos. Mais de 3 milhões de pessoas fugiram da Venezuela, no maior êxodo na América Latina em um século, representando cerca de 10% da população daquele país. Cerca de 6 mil indígenas venezuelanos, incluindo os Warao, chegaram ao Brasil desde 2014.

Quando a migração venezuelana começou, o governo brasileiro construiu abrigos para os refugiados. Também adotou algumas medidas legislativas para promover a integração das comunidades indígenas, estendendo a eles os mesmos direitos garantidos aos indígenas brasileiros. 

Isso significa que as proteções constitucionais reservadas aos povos originários brasileiros também passaram a ser aplicadas aos indígenas vindos de outros países. Os Warao são, portanto, refugiados legais no país.

Mas a maioria dos Warao não conseguiu emprego permanente no Brasil; os homens costumam trabalhar descarregando barcos de pesca e recebem alguns peixes em troca do trabalho. A maioria deles não tem educação formal, fala apenas sua língua materna e sabe apenas algumas palavras em português. Para pagar o aluguel, são obrigados a mendigar.

Foto: Nicola Zolin.

Tuberculose e parasitas

A ex-professora Daisy não se conforma de ver sua comunidade vivendo em condições tão miseráveis, e, como uma das poucas que concluiu o ensino superior, ela se tornou uma liderança da comunidade. Ela bate em todas as portas para pedir ajuda.

Com médicos locais, ela conseguiu que todos os Warao na Cidade de Deus conseguissem fazer um checkup de saúde anual, e também acompanha os pacientes. Cerca de 20 pessoas já contraíram tuberculose, enquanto muitas crianças sofrem com parasitas.

Magaly Pérez, 36 anos, irmã de Daisy, explica: “Para enganar o estômago das crianças, damos água com açúcar para elas quando não temos mais nada. Sabemos que não é bom, mas é melhor que nada. Não tenho mais dinheiro para comprar leite para elas”, diz, desesperada.

 A mãe conta que sua filha de 13 anos passa o dia nas ruas sentindo cheiro de carne assada. “Ela me pergunta porque não podemos comer; não desejo isso para mãe nenhuma, não conseguir alimentar os filhos direito.”

Os Warao têm acesso gratuito ao hospital público. Mas lá são discriminados por médicos e enfermeiros. Muitos evitam buscar tratamento por esse motivo. Um dos médicos locais explica: 

Isolados, os Warao têm pouca esperança no futuro. Daisy Pérez explica: “Nossa única esperança é conseguir terra para conseguirmos viver como antes da crise e de nossas sucessivas migrações. As mulheres poderão fazer artesanato novamente, e os homens poderão trabalhar na plantação.”

Sem árvores da vida

Sair de suas terras ancestrais foi traumático para os Warao, que perderam uma parte fundamental de sua cultura e modo de vida tradicional.

Paulito García mostra em seu celular uma foto de sua antiga casa no vilarejo de Mariusa, no Delta do Orinoco: uma casa construída de buriti (Mauritia flexuosa), a árvore da vida para os Warao. “Usávamos a palmeira moriche dos pés à cabeça: os frutos como alimento, as folhas para construção, a fibra para o artesanato”, lembra.

Paulito e seus seis filhos agora vivem num prédio no centro de Manaus que chamam de ‘Hotel 583’, num bairro considerado perigoso, junto a outras 20 famílias Warao. Na calçada, uma menina de 15 anos fuma crack enquanto sirenes de polícia soam na vizinhança. Paulito, que era um cacique, teme pelo futuro de seus filhos, que não vão à escola no Brasil.

“Sem terra, sem educação, o que eles vão fazer quando crescerem? Temo que suas vidas se reduzam a essas quatro paredes”, confessa.

Daisy Pérez, representante dos Warao na Cidade de Deus, conseguiu colocar as primeiras crianças da comunidade na escola primária, uma fonte de esperança para ela: “Se elas aprenderem a língua, se aprenderem um ofício, terão a mesma capacidade que os outros para se integrarem e conseguirem se sustentar.”

No segundo andar do Hotel 583, os adolescentes estavam à toa. Não tinham encontrado um barco para descarregar naquela manhã e ficaram sem os poucos peixes que conseguiriam pelo seu trabalho. Alguns estavam com os olhos vermelhos pelas drogas, outros pelo desespero.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Paloma de Dinechin e com fotos de Nicola Zanin, traduzido por Eloise de Vylder