Arte Kusiwa, no Amapá, é revalidada como Patrimônio Cultural do Brasil

A Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica dos índios Wajãpi, no Amapá – é o primeiro bem de natureza imaterial a ter o título de Patrimônio Cultural do Brasil revalidado. O ato inédito aconteceu na tarde desta quinta-feira (27), por decisão unânime do Conselho Consultivo que avaliou se a manifestação, após 10 anos de Registro, manteve-se viva como referência cultural para sua comunidade e consequentemente para o país.

Os Índios Wajãpi comemoraram a revalidação. “É muito importante para os Wajãpi porque o Iphan e valoriza os conhecimentos e expressões graficas dos Wajãpi. O Iphan ajudou muito na formação dos pesquisadores que fizeram muitos livros sobre os conhecimentos do povo para fortalecer o jeito de ver e as práticas Wajãpi”, disse o cacique Kasipirina.

“A arte Kusiwa, não é apenas nossa. É do mundo, dos peixes, das casas e dos outros. O plano de salvaguarda é muito importante para fortalecer o conhecimento dos Wajãpi. E é através dele que o povo se organizou para fazer planos de trabalho para a gestão da terra e organização social”, completou.

Junto com o Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES), a Arte Kusiwa foi o primeiro bem considerado Patrimônio Cultural do Brasil e, igualmente, foi o primeiro a ter sua revalidação analisada. Inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão, em 2002, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e titulada pela UNESCO como Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, em 2003, e depois como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, em 2008. A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfica próprio dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo.  

Foto: Divulgação/Iphan
De acordo com o diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI/Iphan) Hermano Queiroz, após o Registro, foi construído um Plano de Salvaguarda com os detentores do bem cultural, sendo o patrimônio monitorado e avaliado pelo Iphan. A execução do Plano foi feita por diferentes atores, seja da comunidade, governos, instituições públicas ou privadas. “A Política do Patrimônio Cultural é transversal e integrada, não sendo um processo de competência exclusiva do Iphan. Ao instituto, cabe, principalmente, a articulação entre esses diversos agentes, tendo por meta primordial a sustentabilidade cultural do bem”, explica.    

No caso da Arte Gráfica dos Wajãpi, cinco instituições estão diretamente incumbidas da preservação da forma de expressão cultural, atuando cada uma delas em seus campos específicos, mas de forma articulada – via CONSELHO CONSULTIVO Comitê Gestor do Plano de Salvaguarda: Museu do índio (Funai); Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina); Centro de estudos ameríndios (CEstA) Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo (USP); o Instituto de pesquisa e formação indígena (Iepé); o Núcleo de Educação Indígena (NEI-AP), e o programa de Licenciatura Intercultural da UNIFAP.

O requisito para o início da ação de salvaguarda para bens Registrados de um bem cultural é a sua inscrição em um dos Livros de Registro do Iphan. A partir daí, o Instituto, por meio das superintendências nos estados; em casos específicos, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP); dos detentores do bem cultural Registrado; dos segmentos sociais; e instituições envolvidas, precisam estar mobilizados e articulados no sentido planejar e executar ações que viabilizem a continuidade da prática objeto de Registro, em uma interlocução continuada entre Estado e sociedade.

Essas ações de salvaguarda devem, inicialmente, ser discutidas com a comunidade a partir das diretrizes para recomendações de salvaguarda observadas ao longo da instrução do Registro e, posteriormente, elaboradas e executadas conforme as demandas apresentadas. A depender de cada realidade, é possível levantar a necessidade da realização de ações diversas que visem um desenvolvimento a médio e longo prazo constituindo, assim, um plano de salvaguarda. 

Foto: Divulgação/Iphan
Entre as ações desenvolvidas no período para a Arte Kusiwa, pode-se destacar a formação de professores indígenas, responsáveis pela alfabetização das crianças em sua língua materna, e pela elaboração de materiais didáticos de interesse da comunidade. Já o Programa de Formação de Pesquisadores Wajãpi atendeu 20 jovens de 11 aldeias.

Também foi promovida a capacitação da comunidade para a investigação, documentação e reconhecimento de sua riqueza cultural a partir de material sistematizado do NHII/USP; publicações em língua wajãpi e em português; além da implantação de um Centro de Referência da Cultura Wajãpi do Amapá para abrigar um acervo com o produto do inventário e do registro participativo entre outros materiais.

Já sobre as transições ocorridas ao longo do período, indicadas no estudo de revalidação, ressaltam-se o crescimento da atuação de missionários evangélicos – o que gera conflito com as explicações dos mais velhos acerca do começo dos tempos; a dificuldade na formação de novos pajés (líderes espirituais importantes na manutenção daqueles saberes); a redução do número de festas tradicionais por parte de alguns grupos; como também a atração das jovens pelas pela utilização da maquiagem industrializada, em substituição aos insumos tradicionais.

Revalidação

No mínimo de 10 em 10 anos é realizada uma reavaliação desse Patrimônio Cultural, fornecendo indicativos para que se decida sobre a permanência ou não do título concedido.

A ação prevista no Decreto 3.551/2000 tem como finalidade tanto investigar sobre a atual situação do bem cultural, como levantar informações, averiguar efetividade das ações de salvaguarda, verificar mudanças nos sentidos e significados atribuídos ao bem, entre outras iniciativas.

Outros três bens estão em processo de revalidação: o Samba de Roda do Recôncavo baiano; o Ofício das paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, e a celebração da festa do Círio do Nazaré, no estado do Pará. Ao todo, o Brasil possui 40 bens de natureza imaterial registrados como Patrimônio Cultural do Brasil. 

Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural

O Conselho que avalia os processos de tombamento e registro é formado por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, antropologia, arquitetura e urbanismo, sociologia, história e arqueologia. Ao todo, são 23 conselheiros, que representam o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério da Educação, o Ministério das Cidades, o Ministério do Turismo, o Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram), Universidades, e mais 13 representantes da sociedade civil, com especial conhecimento nos campos de atuação do Iphan.

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