Pelo quarto ano consecutivo, o território figura entre os mais desmatados. O avanço das invasões é um dos grandes motivos para tal cenário
Embora a crise humanitária vivida pelo povo yanomami seja atualmente o exemplo mais conhecido das consequências causadas pelas invasões às áreas protegidas, outros territórios têm ocupado posições ainda piores nos rankings de destruição e também precisam de ações urgentes de proteção. A exemplo da Apyterewa, no Pará, que há pelo menos quatro anos consecutivos foi a terra indígena que teve a maior área de floresta derrubada na Amazônia.
Mesmo depois de reiterados alertas sobre o aumento da devastação no território, ele seguiu como o mais pressionado na região nos últimos três meses de 2022, segundo o relatório “Ameaça e Pressão de Desmatamento em Áreas Protegidas”, publicado trimestralmente pelo Imazon. Com isso, terminou 2022 como a terra indígena mais devastada da Amazônia segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do instituto, colocação ocupada desde 2019.
Território do povo Parakanã, a Apyterewa perdeu apenas nos últimos quatro anos 324 km² de floresta, o que supera a área de Fortaleza. Lideranças indígenas têm denunciado frequentemente o aumento da invasão de madeireiros, garimpeiros e grileiros, inclusive com a destinação de áreas desmatadas para a pecuária. Situação que revela outro problema na Amazônia: a facilidade do gado criado ilegalmente em terras indígenas entrar no mercado.
“É muito triste ver que, mesmo após diversos alertas sobre o aumento da pressão na terra indígena Apyterewa, nada de efetivo tenha sido feito para evitar que ela fosse ainda mais invadida e devastada, ameaçando cada vez mais a vida do povo Parakanã. Por isso, as ações que estão sendo tomadas para proteger o território Yanomami também precisam ser aplicadas na Apyterewa e nas outras áreas protegidas invadidas”, afirma Bianca Santos, pesquisadora do Imazon.
Se essas ações de proteção não forem adotadas de forma ampla e com urgência, o cenário de destruição ambiental nas áreas protegidas e de ameaça aos povos e comunidades tradicionais deve seguir em alta na Amazônia. Dados da plataforma de previsão de desmatamento por inteligência artificial PrevisIA indicam que os territórios protegidos podem perder 1.790 km² entre agosto de 2022 e julho de 2023.
“O que temos visto nos noticiários sobre os yanomamis não é exclusivo. Há pressões e ameaças a vários povos originários e o governo federal precisa agir rapidamente para evitar outras catástrofes. Se nada for feito, a PrevisIA mostra que vamos ter um 2023 crítico para as áreas protegidas”, explica Carlos Souza Jr., coordenador do programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon.
Resex Chico Mendes segue como a área protegida mais pressionada
Se levarmos em conta todas as áreas protegidas da Amazônia, a mais pressionada pelo desmatamento no último trimestre de 2022 foi a Resex Chico Mendes, no Acre. Símbolo da luta ambiental na Amazônia, o território também foi a quarta unidade de conservação mais desmatada de toda a região no ano passado, quando perdeu 84 km² de floresta.
“A Unidade de Conservação Federal Resex Chico Mendes está inserida em um contexto de pressão pela expansão do desmatamento por áreas destinadas à pecuária, localizado no estado do Acre, na região de divisa com o Amazonas e com Rondônia. No local, atualmente existe um polo agrícola denominado de Amacro, que tem sido um grande fator de risco para áreas protegidas”, completa Bianca.
Conforme a pesquisadora, nos rankings de pressão de desmatamento das unidades de conservação, a presença de áreas classificadas como de proteção integral tem chamado a atenção. Isso porque, conforme a lei, esses territórios deveriam ser destinados prioritariamente para a preservação do ambiente e têm sua utilização mais restrita do que a categoria de unidades de conservação de uso sustentável, onde são permitidas atividades comerciais desde que respeitem a natureza, como turismo de base comunitária, pesca e extração madeireira com manejo florestal.
Entre as unidades de conservação sob responsabilidade dos estados, o Parque Estadual (PES) de Guajará-Mirim, que é da categoria de proteção integral, foi a quinta mais pressionada pelo desmatamento no último trimestre de 2022. Localizado em Rondônia, o território ainda apresenta um risco de perder quase 35 km² de floresta em 2023, segundo a estimativa da PrevisIA. Ou seja: o equivalente a 3,5 mil campos de futebol.
Já entre as unidades de conservação federais, a Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi, que também é da categoria de proteção integral, ficou com a nona colocação entre as 10 mais pressionadas pelo desmatamento no último trimestre do ano passado.
“Essa Rebio fica localizada no Maranhão, em uma região já muito modificada pela ação humana, por isso tem um papel estratégico para a conservação da floresta, junto com três terras indígenas próximas. É extremamente grave que ela esteja nesse ranking das 10 UCFs mais pressionadas”, lamenta Bianca.
Conforme dados do PrevisIA, caso nada seja feito para proteger o território, o desmatamento em 2023 pode chegar a aproximadamente 5 km² dentro da Rebio. Se isso ocorrer, representará um aumento de 150% na derrubada em comparação com o que foi desmatado em 2022.