Saiba o que afetará a Amazônia a partir de mapeamento das mudanças climáticas

Pesquisadores avaliam que danos serão irreversíveis e que a região é ameaçada pelo estresse climático e pela ação humana, secas extremas, desmatamento, corte seletivo e queimadas.

Doze pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido mapearam as evidências científicas atuais acerca de pontos de não retorno para dez elementos, descrevendo mecanismos, riscos humanos e ecossistêmicos. Ao atingir o ponto de ruptura, tais elementos passam por mudanças drásticas em relação ao seu estado original, que podem iniciar um efeito cascata sobre outros sistemas terrestres.

O resultado foi apontado no estudo publicado na revista internacional Reviews of Geophysics, intitulado ‘Mechanisms and Impacts of Earth System Tipping Elements‘. O artigo de revisão considerou dez elementos com risco de ruptura, incluindo mudanças em correntes oceânicas, liberação de metano do assoalho marinho, perda de grandes camadas de gelo, liberação de carbono de camadas congeladas do solo, mudanças na floresta boreal, alterações em ventos de monções, dispersão de nuvens estrato cumulus, perda do gelo do Ártico no verão, transformações na floresta amazônica e o branqueamento de corais de águas rasas.

Tais aspectos permitem prever riscos atuais e futuros, direcionando as ações da sociedade para o combate às alterações climáticas.

“Sobre a perda do recife de coral das águas rasas tropicais, por exemplo, temos um nível de entendimento científico muito alto, com uma condição muito boa de prevê-los. Este limiar mostra que se a temperatura aumentar mais que 1.5ºC, os impactos serão dramáticos e severos em uma escala de décadas”, 

exemplifica Liana Anderson, coautora e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Foto: Ana Cintia Gazzelli/WWF Brasil

A Amazônia também enfrentará mudanças severas em décadas caso não haja mitigação das mudanças climáticas. Ameaçada pelo estresse climático e pela ação humana, secas extremas, desmatamento, corte seletivo e queimadas levariam à falta da umidade necessária para sua manutenção, em um ciclo de menos chuvas e maior mortalidade de espécies. 

“A floresta teria esse ponto de não retorno, em que fica pequena o suficiente para não conseguir sustentar sua umidade e vai se transformando em outro tipo de floresta, tendo uma degradação climática, porque não consegue se manter, e não haveria uma forma de voltar ao estado original, ao menos na escala de séculos”, afirma Liana.

Por sua vez, a degradação da floresta amazônica influencia os padrões climáticos ao redor do mundo, mas Liana Anderson acrescenta que ainda há um baixo conhecimento científico sobre o efeito cascata provocado pelas conexões entre estes processos. 

Porém, sabe-se que seus impactos podem ser duradouros, perdurando por séculos ou milênios, e que ainda é possível minimizar o risco da ruptura, como através de atitudes e políticas públicas para reduzir tanto a pressão por degradação que impactam localmente e na escala regional a floresta quanto as emissões de combustíveis fósseis, que atuam em extremos climáticos e colocam ainda mais pressão nesse ecossistema.

Foto: Reprodução / Estudo ‘Mechanisms and Impacts of Earth System Tipping Elements’

Impactos

A região amazônica é responsável por 15% da fotossíntese terrestre total do mundo, além de possuir rica biodiversidade e também representa um importante sumidouro biológico de carbono terrestre. De acordo com o estudo, a perda da Floresta Amazônica pode levar a floresta tropical a uma vegetação tipo Cerrado.

Estima-se que a floresta amazônica tenha perdido cerca de 20% de sua extensão de área anterior a 1970, e desde 1985 os impactos humanos na Amazônia aumentaram 174%. Uma estimativa calcula uma perda líquida de carbono da biomassa acima do solo na Amazônia entre 1996 e 2017 como resultado do desmatamento e perturbação. 

Em um pico por volta de 2005, as taxas de desmatamento aproximaram-se de 30.000 km² de floresta cortada ou queimada por ano. Isso caiu para uma média de 6.000 quilômetros quadrados perdidos por ano entre 2011 e 2015 e permaneceu baixo em relação às taxas do início dos anos 2000. 

No entanto, desde 2012, a floresta amazônica vive um novo aumento na taxa de desmatamento, com pico em 2020. Observações de satélite sugerem que grandes áreas da Amazônia também estão sofrendo degradação devido a perturbações de menor escala que poderiam levar a grandes perdas de carbono, como incêndios, secas, extração seletiva de madeira e coleta de lenha.

As análises feitas pelos cientistas do artigo, mostram que de acordo com a teoria do dieback causado pela chuva, depois de cruzar um limiar crítico, as porções afetadas da Amazônia sofreriam savanização ao longo de um período de várias décadas a um século

“O colapso começa com a morte das maiores árvores à medida que a umidade do solo se esgota cada vez mais, diminuindo progressivamente o dossel da floresta. Essa transição provavelmente seria acompanhada pela intensificação dos incêndios florestais, pois a vegetação morta e as condições mais secas contribuem para um maior risco de incêndio. Um estudo de modelagem projeta aumentos significativos futuros na área de terra com uma probabilidade relativa de incêndio de 0,3 ou mais em cenários de emissões, com risco de incêndio substancialmente maior para um cenário de alto desmatamento. […] O feedback da seca e do fogo pode conduzir a mudanças no ecossistema, dominando os impactos do estresse hídrico e resultando em um padrão de perda florestal impulsionado por fatores mais locais, em oposição a um limite de todo o bioma. Uma vez que tenha ocorrido a savanização ou a conversão para uma floresta mais sazonal, uma histerese significativa pode inibir o retorno da vegetação da floresta tropical mesmo em escalas de tempo muito longas, graças a incêndios potencialmente mais frequentes e clima mais seco atuando como condições sobre a capacidade da vegetação de regenerar florestas tropicais densas e grandes espécies de árvores. Evidências paleoclimáticas confirmam que a rebrota da cobertura da floresta tropical muitas vezes ficou significativamente atrasada em relação ao retorno das condições úmidas à América do Sul durante os períodos anteriores do Holoceno”.

Trecho do estudo ‘Mechanisms and Impacts of Earth System Tipping Elements’

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