Qual seria seu maior medo se tivesse que andar pela floresta à noite?

Conheça alguns dos desafios que cientistas brasileiros enfrentam para pesquisar a biodiversidade da Amazônia

O que te traria pavor na noite escura da floresta? Muita gente logo pensa no encontro com algum animal peçonhento ou grande, como cobras, aranhas, onças, jacarés. Eu, que sou pesquisador e passo horas imerso na escuridão da Amazônia, tenho outra resposta. Meu maior medo é o ser humano. O temor de encontrar alguém que não seja da minha equipe.

Quando entramos na mata atrás dos louva-a-deus, animal que pesquiso pelo Projeto Mantis, o que mais temos receio é ver sinais de outras pessoas na área. Infelizmente, são mais comuns do que gostaríamos.

Semana passada narrei aqui no blog a experiência inesquecível de encontrar uma nova espécie na Amazônia. Enquanto a ciência avança, revelando a biodiversidade magnífica de nossas florestas, muitos se esquecem que por trás da pesquisa há pessoas, com suas vivências, subjetividades e, claro, seus medos. Para quem trabalha na mata, o temor ao homem é quase unânime.

Para lidar com os animais saímos preparados, com galochas, roupas adequadas, olhos atentos, conhecimento e respeito. Assim, encontrar uma serpente é sempre incrível, as aranhas são sempre intrigantes. Onças? Um sonho distante, já que elas sabem que estamos lá muito antes de chegarmos perto, e normalmente nos evitam.

Foto: Leo Lanna/Greenpeace

Agora, como lidar com o outro? Como reagir frente a uma luz desconhecida em plena madrugada, em meio a uma floresta isolada? Na última grande expedição do Projeto Mantis, em 2019, trabalhamos na Amazônia peruana, na Reserva Nacional Allpahuayo-Mishana. Como a reserva fica próxima a uma estrada e à principal cidade amazônica do país, Iquitos, havia muitos riscos envolvidos em entrar na floresta à noite.

Pesquisadores locais nos alertaram: “Nunca caminhem por uma trilha fora do circuito, nem avancem demais na mata. Existem armadilhas de caçadores acionadas por um fio quase invisível, que os animais tropeçam, disparando automaticamente uma arma.” E era comum, na calada da noite, ouvir ao longe tiros secos, duros, certeiros. Ali não havia caça de subsistência. Era o triste fim de algum animal para nutrir apenas a ganância humana. 

Ao sair e ao chegar, sempre avisávamos o guarda-parque local. A reserva, como muitas outras da Amazônia, também sofria com o tráfico ilegal de animais, até mesmo de insetos, comercializados no mercado negro como bichos de estimação. A desconfiança chega a tal ponto, que cada vez mais pesquisadores passaram a não revelar a localidade exata onde vive uma espécie nova ou rara.

No Brasil, conforme avança o retrocesso e o obscurantismo, com o sucateamento dos órgãos ambientais, incentivo às armas, desmoralização da fiscalização, desestímulo à ciência, os perigos de encontrar outras pessoas na floresta só aumentam. Os riscos envolvidos na pesquisa da biodiversidade brasileira são muitos, e certamente cresceram nos últimos anos.

Existe uma imensurável diversidade de seres da Amazônia, muitos ainda desconhecidos. Para avançarmos no conhecimento, é preciso investir em ciência e naqueles que estão por trás desse trabalho. A descoberta de novas espécies, a fotografia da conservação, o estudo de ecologia dos ecossistemas, entre outros, contribuem muito para que a sociedade conheça e apoie causas ambientais.

Uma espécie ameaçada ou nova pode determinar a criação de uma unidade de conservação e ajudar a aprofundarmos o conhecimento sobre nosso planeta. Ao mesmo tempo, é justamente onde a biodiversidade está mais ameaçada que pesquisadores mais temem trabalhar: áreas com mineração e extração de madeira ilegais, áreas sob o poder e influência de fazendas predatórias, rotas de tráfico. São lugares com grandes riscos envolvidos ao explorar a Amazônia para revelar sua incrível biodiversidade e o valor incalculável de manter a floresta viva. Locais onde dizer-se pesquisador não é uma boa escolha.

No mês que vem, em Abril, sigo para a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, localizada em uma zona extremamente ameaçada do infame Arco do Desmatamento na Amazônia do Mato Grosso. Graças à reserva e áreas adjacentes, ainda resiste lá uma das faunas mais ricas do Brasil.

A expedição é parte do meu mestrado em Zoologia, com bolsa concedida pelo Greenpeace Brasil por meio do programa “Tatiana de Carvalho de Incentivo à Pesquisa e Conservação da Biodiversidade na Amazônia”. Com equipe reduzida por conta da pandemia, iremos somente eu e Lvcas, também da equipe do Projeto Mantis. A escolha da RPPN foi uma forma de minimizar os riscos envolvidos, enquanto exploramos noite adentro a floresta em busca de seres incríveis.

Essa jornada será compartilhada pelo Greenpeace Brasil e nas redes sociais do Projeto Mantis. Enquanto nos preparamos, vêm à tona expedições passadas, surpresas e descobertas que nos motivam. Mesmo com todas as dificuldades impostas aos pesquisadores brasileiros, nossa ciência segue viva. Mal podemos esperar para estar lá.

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