Povos Yanomami e Ye’kwana lançam chocolate com cacau nativo da Amazônia

O grito “Fora Garimpo!” que ecoa contra a invasão de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami ganhou o reforço de um produto único, capaz de mostrar em poucos gramas o valor inestimável da floresta em pé, do território preservado e do conhecimento tradicional Yanomami e Ye’kwana.

Foto:Matheus Mendes/Divulgação

O primeiro lote de Chocolate Yanomami, que foi apresentado ao público no último sábado (14), no Mercado de Pinheiros, em São Paulo, é produzido com cacau nativo beneficiado na comunidade Waikás e transformado em 1.000 barras de 50g pelo chocolatier César de Mendes, no Pará. Sua formulação conta com 69% de cacau, 2% de manteiga de cacau e 29% de rapadura orgânica.

“As entidades da floresta desceram aqui na fábrica e trouxeram um perfume que não tínhamos experimentado antes. É fora da curva”, brinca Mendes. “Ele é um chocolate com presença na boca. Tem persistência prolongada e agradável, com doce equilibrado.”

A ideia de produzir um chocolate partiu de lideranças Ye’kwana, que buscavam gerar renda adicional para as comunidades e bater de frente com a lógica destrutiva do garimpo, que assedia e ameaça as comunidades. Os Ye’kwana se deram conta de que a floresta oferece outro “ouro”: o cacau nativo. O fruto que dá origem ao chocolate é endêmico na área.

Em julho de 2018, teve lugar na comunidade Waikás uma oficina promovida pela Associação Wanasseduume Ye’kwana, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e parceria do Instituto ATÁ, para que Mendes mostrasse aos indígenas de diferentes comunidades as técnicas de colheita e processamento dos frutos do cacau para produção da matéria-prima para chocolates finos.

Naquela oportunidade, algo histórico aconteceu: foi produzida a primeira barra de chocolate da história da Terra Indígena Yanomami.

“Nós temos muitos conhecimentos da floresta. Fazemos cestaria, artesanato e vimos que esse nosso conhecimento pode gerar renda para as comunidades”, explica Júlio Ye’kwana, liderança local que estará em São Paulo para o lançamento de seu produto. “A gente estuda na cidade que o chocolate é feito do cacau. E vimos que uma plantação de cacau seria uma alternativa ao garimpo”, diz ele sobre os próximos passos do projeto, como o plantio de até 7 mil pés de cacau até 2021.

Foto:Rogério Assis/ISA

Para ele, o desenvolvimento do trabalho com o cacau é uma maneira de mostrar ao mundo a realidade e o modo de vida das comunidades, além de ser bom e saudável. “Nós temos riqueza na natureza e não no subsolo. Temos riqueza aqui em cima e não precisa destruir. Em vez de destruir a gente planta mais, sem deixar ferida na nossa terra. A natureza não vai ficar irritada”, diz Júlio.

A previsão é que um total de 1.142 pessoas, de cinco comunidades, sejam beneficiadas pelo projeto do Chocolate Yanomami.

Segundo Júlio Ye’kwana, as comunidades estão animadas para trabalhar com o cacau e acreditam que, como o chocolate, iniciativas para gerar renda de forma sustentável são estratégicas para oferecer alternativas ao garimpo, sobretudo para os indígenas mais jovens. Com a intenção do presidente Jair Bolsonaro de liberar garimpo em terras indígenas – e de afirmar reiteradas vezes seu interesse na Terra Indígena Yanomami – a relevância destas iniciativas fica ainda maior para unir as comunidades e fortalecer a resistência contras os invasores e inimigos.

Histórico de destruição

A Terra Indígena Yanomami (TIY) é a maior do Brasil com 9,6 milhões de hectares e nela vivem os povos Yanomami e Ye’kwana, com populações de 25 mil pessoas e 700 pessoas, respectivamente, distribuídas em 321 aldeias. Considerado como ‘povo de recente contato’, os Yanomami são o maior povo indígena do planeta que mantém seu modo de vida tradicional. Constituem um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, cinco subgrupos que falam línguas diferentes de uma mesma família: Yanomam, Yanomami, Sanöma, Ninam e Yanoamë.

O garimpo de ouro na Terra Indígena Yanomami é hoje a mais grave ameaça aos Yanomami e Ye’kwana, configurando-se como a maior invasão de garimpeiros desde a corrida do ouro nas décadas de 1980 e 1990, quando o território yanomami foi tomado por 45 mil garimpeiros, levando a óbito 20% da população yanomami. Hoje estima-se que o número de garimpeiros na TIY seja superior a 20 mil pessoas, instalados ilegalmente em acampamentos que contam com serviços permanentes de abastecimento e comunicação via satélite.

Um dos aspectos dramáticos da invasão garimpeira é que ela atrai jovens indígenas em busca de renda em dinheiro para a aquisição dos bens de consumo industrializados que foram se tornando necessidades correntes, de roupas a celulares, passando por panelas e alimentos. Além de tirar pessoas da cultura tradicional, a adesão ao garimpo acaba legitimando a ação dos invasores.

Foto:Rogério Assis/ISA

Na região de Waikás, onde ocorreu a primeira oficina sobre cacau nativo, um estudo feito pelo ISA, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, constatou que 92% das pessoas de uma comunidade apresentaram índices de mercúrio superiores ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em um pedido desesperado por ajuda para combater o garimpo ilegal em suas terras, que não para de crescer, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana divulgou no dia 27 de novembro uma carta endereçada às principais autoridades do Executivo e do Judiciário brasileiro. No documento, as lideranças descrevem os diversos impactos da presença e atividade garimpeira na Terra Indígena.

Festival pelos Povos da Floresta

O lançamento do Chocolate Yanomami faz parte do Festival pelos Povos da Floresta, promovido pelo Instituto Socioambiental (ISA) e a rede Origens Brasil®. De 7 a 15 de dezembro, oito restaurantes apresentaram receitas que dão visibilidade e colocam como protagonistas ingredientes de povos indígenas, comunidades extrativistas e quilombolas.

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