Portal Amazônia responde: quais leis garantem os direitos dos povos indígenas?

Leis foram criadas para assegurar o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições dos povos originários brasileiros.

O Dia dos Povos Indígenas, comemorado no dia 19 de abril, substituiu o que antes era chamado de ‘Dia do Índio’. A data foi reformulada pela Lei  14.402, em julho de 2022. 

A mudança aconteceu após a aprovação da PL 5.466/2019, da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), que recebeu o relatório favorável de Fabiano Contarato (PT-ES), explicando que o termo “povos indígenas” é preferido pelos povos originários, que veem a designação “índio” como preconceituosa.

O ‘Dia do Índio’ foi criado em 1943 por Getúlio Vargas, que atuava em prol das populações indígenas e tem como objetivo celebrar a diversidade das culturas e das histórias dos povos indígenas.

Mas, afinal, você conhece os direitos dos Povos Indígenas? 

Foto: Mário Vilela/Funai

A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, publicada em 2008, reconhece “a necessidade urgente de respeitar e promover os direitos intrínsecos dos povos indígenas, que derivam de suas estruturas políticas, econômicas e sociais e de suas culturas, de suas tradições espirituais, de sua história e de sua concepção da vida, especialmente os direitos às suas terras, territórios e recursos”.

Segundo a câmara legislativa, o ano de 1993 foi declarado como o Ano Internacional dos Povos Indígenas. O projeto da Declaração foi proposto pelo Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas da Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias da ONU.

Constituição de 1988

Na Constituição de 1988, os direitos dos indígenas estão em capítulos específicos (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios) com leis que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições.

De acordo com o texto constitucional, a obrigação de proteger as terras indígenas cabe à União. Nas Disposições Constitucionais Transitórias, o prazo de demarcação das terras ficou acertado em cinco anos, entretanto, o prazo ainda não se cumpriu. Os direitos dos indígenas sobre suas terras são definidos como os “direitos originários”, anteriores à criação do próprio Estado e que levam em conta o histórico de dominação da época da colonização.

No Artigo 232, é garantida aos povos indígenas a capacidade processual, ao trazer expresso que “os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa dos seus direitos e interesses”.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processos.

A constituição prevê que o direito à terra é originário, visto que a ocupação da terra existe antes mesmo da formação do Estado brasileiro.

Art. 231: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”

Estatuto do Índio (Lei nº 6001)

Promulgado no dia 19 de dezembro de 1973, a Lei nº 6001 conhecida como ‘Estatuto do Índio’, foi estabelecida pelo antigo Código Civil brasileiro de 1916, que considerava o caso dos indígenas sendo ‘relativamente incapazes’ e deveriam serem tutelados por um órgão indigenista estatal, o chamado ‘Serviço de Proteção ao Índio’ (SPI) que atuou de 1910 a 1967 – e atualmente é a Fundação dos Povos Indígenas (Funai) – até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”.

A lei foi o pontapé responsável por dar início a garantia de leis e direitos de preservação dos povos indígenas e suas tradições, culturas e costumes.

“O Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos”:

I – estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação;

II – prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional;

III – respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;

IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;

V – garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat , proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;

VI – respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

VII – executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;

VIII – utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento;

IX – garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

X – garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem.

Lei Arouca

No dia 31 de agosto de 1999, o Senado Federal aprovou o projeto de lei originário da Câmara dos Deputados que criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. A lei, sancionada em setembro do mesmo ano, é de autoria do então deputado federal Sérgio Arouca. A lei foi um marco histórico, considerada o marco regulatório da atenção à vida das populações indígenas do Brasil.

Antonio Sergio da Silva Arouca. e criador da Lei Arouca. Foto: Reprodução / Fiocruz

A Lei nº 8.080 de setembro de 1990, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. 

O capítulo V da norma trata do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. No documento está prevista a obrigatoriedade de “levar em consideração a realidade local, as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional”. 

O texto prevê, ainda, que “as populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS” e que “terão direito a participar dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso”.

Tem como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que em 1999 criou o subsistema de atenção à saúde dos povos indígenas (SASI-SUS), ocorrendo adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminações. 

Violações dos direitos indígenas

Apesar dos direitos serem garantidos a partir da constituição federal, na prática, não é o que ocorre. O argumento vem da jornalista e professora do departamento da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal do Amazonas, Ivânia Vieira. 

“É muito pouco o nosso conhecimento sobre os povos indígenas e suas culturas, cosmologias e cosmovisões. Não raro é superficial, colonial e racista. O plano de extermínio dos indígenas habitou e habita as estruturas dos governos federal, estadual e municipal, as escolas e a universidade, para ser assimilado pelo conjunto da sociedade como natural”, justifica.

Para a professora, neste século 21 prevalecem ideias e propostas feitas em séculos passados que já não deveriam mais ser mencionadas por ferirem a Constituição Federal do Brasil e as resoluções internacionais das quais este país tornou-se signatário. “Ou seja, são criminosas embora apareçam, como no governo de Jair Bolsonaro, sob os selos de desenvolvimento, integração e civilização”, exemplifica.

“As violações sistemáticas contra os povos indígenas sequer estão assimiladas pela sociedade ou pelo conjunto das instituições nacionais que têm o dever de nesse momento, aparecem as primeiras sistematizações dos atos da ditadura militar-empresarial sobre os povos indígenas. Nelas, documentos oficiais demonstram como aldeias foram deslocadas, nascentes e nomes de rios foram adulterados, indígenas escravizados, torturados e mortos para assegurar projetos empresariais casados com as políticas do governo militar”,

informa Ivânia.

A jornalista conta que se passaram 59 anos da instalação do regime e “o Brasil ainda não construiu um quadro-memória acerca dessa terrível experiência, em recorte, do que ela significou aos povos indígenas da Amazônia”. A professora enfatiza que na verdade é o contrário, o Brasil “cultua uma visão ufanista da ditadura e do progresso que ela representou para a região, o que se constitui numa outra agressão aos povos indígenas e à cidadania brasileira”.

“Os jornalistas enquanto parte dessa história têm um dever a ser realizado: ajudar a trazer a noção de democracia para a base social o que implica se dispor a conhecer a outra feição da história, compreender e fazê-la conhecida. Uma pergunta central: o que é democracia para os indígenas? Quando acionam os instrumentos democráticos o que encontram? O genocídio aparece nos anos de 1940, acionada por um advogado judeu para traduzir o holocausto e, mais tarde, torna-se crime contra a humanidade, e tem sido acionado nas práticas governamentais-empresariais do Brasil para lidar com os indígenas. Até quando os genocidas ficarão impunes?”,

reflete.

Em Brasília, de 24 a 28 de abril, centenas de indígenas de todo o País estarão reunidos em um dos mais importantes movimentos por eles realizados: a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL). A questão debatida este ano é ‘O Futuro Indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia’. 

É também a nossa pauta. Não haverá democracia de fato enquanto os povos indígenas forem tratados como subumanos, obstáculos a serem dizimados para o progresso ser implantado. Não haverá futuro para nós, povo da Amazônia, finaliza Ivânia.
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