Portal Amazônia responde: quais as consequências do encontro do rio Amazonas com o mar?

O fenômeno ocorre na foz do rio Amazonas nos Estados do Amapá e Pará, que tem influência na salinização do rio por conta do encontro com o mar, em conjunto com as mudanças climáticas.

Na foz do rio Amazonas acontece um fenômeno que atinge principalmente os Estados do Amapá e Pará: a incidência da maré. A salinização da foz tem preocupado especialistas com a entrada das águas do Oceano Atlântico nos rios de água doce. Em outubro de 2021, por exemplo, a prefeitura de Macapá (AP), responsável pelo Arquipélago do Bailique, decretou estado de emergência e passou a entregar água potável e cestas básicas para as comunidades.

Um dos pontos cruciais que causa a consequência da salinização é o aumento da chamada “maré lançante” ou “maré de lanço”. Mas, afinal, o que é isso? O Portal Amazônia conversou com o pesquisador e diretor de pesquisa do Institut Recherche Développement (IRD) e oceanógrafo físico Fabien Durand, para entender como isso ocorre.

Primeiramente, é necessário entender como as marés funcionam: em essência, elas resultam das forças astronômicas exercidas sobre a Terra conjuntamente pelo Sol e pela Lua. 

“As forças astronômicas são denominadas gravidade. Graças à gravidade que a Terra exerce sobre nós, permanecemos com os pés no chão e não escapamos para o espaço sideral. Os dois corpos astronômicos, situados perto da Terra, ou seja, a Lua e o Sol, também geram forças de gravidade que perturbam a própria gravidade da Terra. Esta perturbação induz movimentos da água nos oceanos, esta é a maré. A Lua é o maior contribuinte. Mesmo que seja 27 milhões de vezes mais leve que o Sol, está localizado muito mais perto de nós, de modo que suas forças de gravidade excedem ligeiramente as do sol. Com o passar dos dias, a lua gira sobre a Terra, completando uma rotação a cada 27 dias aproximadamente (quase 4 semanas)”,

explica o pesquisador.

Elevação do rio Amazonas causando o alagamento da Orla de Macapá em 2021. Foto: Reprodução/g1 Amapá

Segundo Durand, isso é chamado de ‘mês lunar’, o que significa que a cada 14 dias ou mais, o Sol, a Terra e a Lua estão todos alinhados (maré de sizígia). Durante a época de lua cheia e lua nova, as forças astronômicas exercidas pelo Sol e pela Lua sobre os oceanos se somam: as marés têm as maiores amplitudes nos oceanos.

Mas como funcionam as marés na foz do rio Amazonas?

“Durante a maré de sizígia, a diferença do nível da água entre a maré baixa e a subsequente maré alta, seis horas depois, ultrapassa os cinco metros. Uma semana depois, também a cada 14 dias, a Lua girou ainda mais em torno da Terra e é o cenário contrastante: o Sol, a Terra e a Lua formam um ângulo reto, chamamos isso de lua crescente e lua minguante. Nessa época, as forças astronômicas exercidas sobre os oceanos terrestres pela Lua e pelo Sol tendem a se opor, resultando no que chamamos de maré morta. Naquela época, a amplitude da maré na foz do Amazonas seria de apenas três metros. Isso já é muito poderoso, mas muito menos do que durante a maré alta. Como resultado, a amplitude das marés que penetram no interior do rio Amazonas e que posteriormente penetram para montante variam dia após dia, seguindo as fases da lua”, contextualiza o oceanógrafo físico.

Essa variação diária da amplitude da maré é observada no rio Amazonas, de acordo com Durand, por exemplo, no município de Almeirim (PA), localizado na margem norte do rio Amazonas, a mais de 400 km terra adentro. Por isso, a maré sizígia pode ser encontrada nos estados do Pará e Amapá, devido ao encontro das águas doces do Amazonas em contato com as do Oceano Atlântico.

Outro exemplo da influência desse movimento astronômico é a conhecida “maré lançante”, quando há influência da lua cheia na maré. A orla de Macapá é um dos locais em que se pode observar o fenômeno, comum nos meses de março e abril, que se soma às fortes chuvas características do período, segundo a Defesa Civil.

Momento em que o rio avança sobre a orla de Macapá, em 2014. Foto: Dyepeson Martins/Acervo g1 Amapá

Como o Oceano Atlântico se comporta em contato com as águas do rio Amazonas?

A cada ano, mais de 6.000 km³ de água saem da Amazônia para o Oceano Atlântico. O rio é cinco vezes maior que o segundo maior rio da Terra, o Congo. Vários fenômenos, alguns deles bastante singulares, ocorrem no Oceano Atlântico quando esta água doce do Amazonas deságua no mar aberto.

“As águas dos rios, além de doces, são também muito turvas, pois estão carregadas de sedimentos continentais. Chamamos isso de pluma de rio. As águas do rio não se misturam facilmente com as águas salgadas do oceano. Eles mantêm sua identidade mesmo depois de viajarem vários milhares de quilômetros dentro do oceano, de modo que a pluma da Amazônia é muito fácil de detectar a partir de fotos tiradas do espaço a bordo de satélites. Por exemplo, aparece como uma língua de água marrom, que contrasta bem com as águas azuis do oceano”,  ressalta Durand.

Foto: Reprodução/Nasa

De acordo com o especialista, nas proximidades da foz do Amazonas, esse fluxo maciço de água doce induz a elevação do nível do oceano, em alguns centímetros. Esse nível mais alto do mar, ajuda a amplificar a força da maré. Sem o rio Amazonas, a maré seria 10 centímetros menor na foz. 

Mas a maré também tem profunda influência na pluma do Amazonas. Com efeito, a maré não se caracteriza apenas pela alternância do nível do mar entre a maré alta e a maré baixa, mas também por correntes oceânicas muito rápidas. Estas correntes, chamadas de “correntes de maré”, são bem conhecidas dos navegadores, pois perturbam fortemente as trajetórias das embarcações. 

Duas vezes ao dia eles invertem, orientando-se sucessivamente para o interior do estuário amazônico, depois para o oceano seis horas depois, e assim por diante. Essas correntes são tão fortes, que, em algumas horas do dia, durante a enchente, podem ultrapassar a descarga do Amazonas, parecendo que o Amazonas parou de correr, ou mesmo que o rio corre para o interior.

“No geral, essas correntes de maré injetam alguma turbulência nas águas da pluma amazônica, o que facilita sua dispersão em direção ao oceano Atlântico profundo”, comenta o pesquisador. Sem a maré, as águas da pluma amazônica permaneceriam bloqueadas ao longo da costa das Guianas e seguiriam diretamente para o Caribe. “Graças à maré, as águas amazônicas viajam para nordeste no Oceano Atlântico central, em direção à África, e finalmente se misturam com o mar”, completa.

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