Por que a ameaça aos rios voadores é preocupante? Saiba mais:

 Os rios voadores contribuem com o resfriamento da temperatura,  através do deslocamento da umidade que sai da Amazônia 

Os rios voadores são um fenômeno natural que acontece quando as águas coletadas nas árvores por intermédio das chuvas, são jogadas novamente na atmosfera pelas árvores da floresta amazônica, formando uma espécie de curso de água invisível.

O fenômeno surge a partir de grandes fluxos aéreos de vapor que vêm de áreas tropicais do Oceano Atlântico e que são alimentados pela umidade vinda da Amazônia. Ou seja, a floresta fornece água para os rios voadores conforme as árvores transpiram.

Veja também: Portal Amazônia responde: O que são os rios voadores?

O Portal Amazônia conversou com o pesquisador e professor do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), José Camilo, que nos explica um pouco como o fenômeno funciona. 

“Os rios voadores são composições de água suspensas no ar em forma de vapor, no caso da Amazônia, são as nuvens. As nuvens são resultado da intensa evaporação da água dos oceanos e também do processo de evapotranspiração (evapo= evaporação da água do solo; transpiração= processo em que as árvores expelem águas pelas folhas em decorrência da temperatura).”

explica

Além disso, os rios voadores contribuem com o resfriamento da temperatura pela intensa precipitação pluviométrica (chuvas intensas). Essas chuvas mantêm o equilíbrio hídrico dos rios; alimentam os rios subterrâneos – o aquífero SAGA – Sistema Aquífero Grande Amazônia. Os rios voadores da Amazônia contribuem com chuvas no Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Esquema de como funciona a rede de reciclagem e umidade atmosférica na Amazônia. Foto: Imagem do estudo ‘Recurrent droughts increase risk of cascading tipping events by outpacing adaptive capacities in the Amazon rainforest’

 Ameaças e Causas

 Segundo José Camilo, os rios voadores estão ameaçados pelo intenso desmatamento da Amazônia. Com a retirada da floresta cessará a evapotranspiração e consequentemente os rios voadores tendem a reduzir e até deixar de existir,pois os rios em superfície ficarão sem água, podendo se tornar intermitente ou morrerem e também poderá haver redução do aquífero por não haver recarga hídrica.

Dados do sistema de detecção de desmatamento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), chamado de Deter-B, aponta que 8.590 km² foram captados pelo sistema somente em 2022, considerada a terceira mais alta da série histórica iniciada em 2015 pelo Instituto.

Consequências

 Em um recente estudo publicado no dia 2 de agosto realizado por oito pesquisadores, incluindo um professor de Física da Universidade de São Paulo (USP), aponta que a floresta amazônica produz grande parte de suas próprias chuvas por meio de um sistema de reciclagem de umidade entre a floresta e a atmosfera, no qual o sistema será fortemente impactado por secas mais frequentes, que estão previstas no atual cenário de aquecimento global.

Em um período de seca que afete apenas uma região específica da floresta, seus danos se estendem além dessa região por um fator de 30%: como a falta de chuva diminui fortemente o volume de reciclagem de água, também haverá menos chuvas em regiões vizinhas, colocando ainda mais partes da floresta sob estresse significativo.

“Secas mais intensas colocam partes da floresta amazônica em risco de secar e morrer. Subsequentemente, devido ao efeito de rede, menos cobertura florestal leva a menos água no sistema geral e, portanto, desproporcionalmente mais danos. E embora tenhamos investigado o impacto da seca, essa regra também vale para o desmatamento , 

explica Nico Wunderling, autor do estudo, pesquisador do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, co-orientado pelo pesquisador brasileiro Henrique Barbosa, professor de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Acontece que as mudanças climáticas já estão modificando a forma como a umidade é transportada e redistribuída pela Amazônia, com mudanças nos padrões de precipitação e na duração da estação seca. O estudo utilizou estas mudanças em andamento para prever o que deve acontecer com a floresta no futuro.

Com a redução do transporte de umidade, os desastres naturais podem se tornar cada vez mais frequentes, como uma espécie de reação em cadeia.

As consequências se estendem para além do território brasileiro, um estudo divulgado em 2020 realizado por um cientista atmosférico da UCLA, e principal autor publicado no jornal Geophysical Research Letters da AGU, Weiming Ma, revelou que grandes fluxos de vapor d’água vindos da Amazônia estão se desviando para as regiões polares, fazendo com que elas se aqueçam

Decomposições dinâmicas e termodinâmicas de tendências de frequência AR para observações, mostram a diferença dos componentes dinâmicos e termodinâmicos. O pontilhado indica regiões com tendências significativas no nível de confiança de 95%. Foto: Reprodução do Estudo ‘Poleward Shift of Atmospheric Rivers in the Southern Hemisphere in Recent Decades’.

O estudo descobriu que os rios atmosféricos no hemisfério sul estão mudando devido à redução da camada de ozônio, emissões de gases de efeito estufa e variações naturais na temperatura da superfície do mar, afetando a umidade e o calor transportado para a Antártica.

Em outras simulações no passado, cientistas tentavam prever a futura ocorrência de rios atmosféricos na Europa Ocidental, mostrando que esses padrões climáticos provavelmente se tornariam mais comuns em um clima mais quente. Entretanto, uma vez que sua direção e movimento são determinados em grande parte pelos jatos da Terra, e como o jato oeste deve se deslocar em direção ao Polo Norte em modelos climáticos futuros, os pesquisadores preveem que os rios atmosféricos provavelmente se moverão em direção aos pólos também.

O estudo descobriu que os rios atmosféricos do hemisfério sul já estão seguindo essa tendência em direção ao Pólo Sul há pelo menos quatro décadas. Usando simulações baseadas em vários modelos e conjuntos de dados que remontam a 1979. De acordo com os resultados da modelagem, pelo menos parte da tendência observada pode ser explicada por aumentos nas emissões de gases de efeito estufa e destruição da camada de ozônio na Antártida e seus efeitos correspondentes nos gradientes de temperatura entre o equador e o pólo sul, além de constatar que a mudança também parece ser impulsionada por mudanças naturais de longo prazo nas temperaturas da superfície do mar.

Referências 

Ma, Weiming & Chen, Gang. (2020). Poleward Shift of Atmospheric Rivers in the Southern Hemisphere in Recent Decades. Geophysical Research Letters. 47. 10.1029/2020GL089934.

WUNDERLING, Nico et al. Recurrent droughts increase risk of cascading tipping events by outpacing adaptive capacities in the Amazon rainforest. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 119, n. 32, p. e2120777119, 2022.

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