Fenômenos naturais e mudanças climáticas indicam que as grandes cheias serão uma constante na região nos próximos anos
Os eventos extremos são uma realidade global, que vêm intensificando fenômenos naturais numa escala nunca antes vista pela humanidade. Na Amazônia, isso não é exceção. Sob esse ponto de vista, 2021 foi um ano histórico: os rios Negro, Solimões, Amazonas, Acre, Juruá e Iaco, entre vários outros, registraram subidas muito acima da média, que alagaram cidades inteiras. No Amazonas, mais de 455 mil pessoas foram impactadas. No Acre, o governo estadual estimou em mais de 130 mil moradores de 22 cidades os atingidos.
Mas o que efetivamente causou essas cheias? E é possível que elas se repitam? Cientistas ouvidos pelo Greenpeace dizem que sim. Antes de chegarmos lá, porém, vale a pena entender o que causou as cheias históricas que a Amazônia vivenciou este ano.
Fator 1: O aquecimento do Atlântico Tropical
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Jochen Schongart, conta que, de maneira geral, o Atlântico Tropical – a porção do Oceano Atlântico mais próxima da linha do Equador – está mais quente. Esse aquecimento faz com que uma grande quantidade de vapor de água venha para a Amazônia, onde vai provocar muitas chuvas.
O aquecimento é causado por diversos fatores naturais, que têm a ver com os sistemas climáticos globais – um conjunto de ventos, águas e ondas de calor que influenciam uns aos outros.
Diversos outros fatores também influenciam esse aquecimento do Atlântico. Um deles diz respeito a um resfriamento do Oceano Pacífico. Aqui, vale lembrar duas coisas: no sistema climático em que estamos inseridos, os oceanos da Terra “interagem” entre si. Como gigantescas porções de água que são, o que acontece em um tem enormes implicações nos outros oceanos. Além disso, os ventos, em nosso planeta, correm na direção Leste-Oeste – ou seja, na direção do Atlântico para o Pacífico.
Pois bem: no período em que estamos vivendo, o Pacífico Equatorial está mais frio que o Atlântico Tropical. O resultado disso: uma intensificação do que os cientistas chamam de “Células de Walker” que é essa circulação atmosférica que sai do Atlântico ao Pacífico “passando” sobre a porção superior da América do Sul. Resultado: mais ventos quentes circulando sobre a Amazônia. Esses ventos quentes carregam mais vapor d’água, que vai resultar em… chuvas.
O fenômeno La Niña também contribui com o aquecimento do Atlântico. Ele causa um resfriamento anormal do Pacífico, o que só agrava o cenário descrito no parágrafo anterior. Algumas consequências conhecidíssimas do La Niña no Brasil são: aumento de cheias no Norte e Nordeste e seca no Centro-Sul do País. Parece familiar, né? É exatamente este cenário que vivemos em 2021 – e cujas consequências são uma conta de luz mais cara e o risco de racionamento de energia
Fator 2: Ventos e águas quentes vindas do Oceano Índico
Este segundo fenômeno é importante porque sabe-se que ele é causado pela ação humana e é considerado um efeito da crise climática.
Por conta da emissão de gases de efeito estufa, abrem-se “buracos” na atmosfera. O sistema climático da Terra não trabalha com vácuos – nesses deslocamentos de ventos e águas, por exemplo, quando algo sai do lugar, outra coisa vem e ocupa aquele espaço.
Assim, devido às mudanças climáticas e ao buraco na camada de ozônio situado na região da Antártida, um conjunto de ventos que circula no Sul da África muda de lugar e “desce” um pouco mais, indo transitar mais ao Sul, no continente gelado. Dessa maneira, cria-se um vácuo naquela região da África.
Quem ocupa esse vácuo? Um conjunto de águas e ventos quentes que vem do Oceano Índico. Eles usam esse espaço aberto como um “corredor” e vão parar no Atlântico. Eles contribuem mais ainda com o aquecimento deste oceano. O resultado desta viagem: mais umidade sobre o Atlântico, mais vapor d’água sobre a Amazônia e… mais chuvas.
Entre os cientistas, essa viagem das águas e ventos do Índico para o Atlântico é chamada de “vazamento das agulhas”, por conta do formato que os ventos têm nos mapas – como pequenas setas ou agulhas.
Fator 3: Os dois fenômenos anteriores se retroalimentam
Os cientistas são unânimes em atestar: esses dois fenômenos se retroalimentam, fazendo com que as chuvas e cheias que ocorrem na Amazônia fiquem ainda mais intensas.
Como isso ocorre? Resumidamente, com o aumento das chuvas, uma quantidade maior de água doce é despejada no Oceano Atlântico, onde existe muito mais água salgada.
Essas águas – salgada e doce – não se misturam. A água doce que chega no Oceano Atlântico forma uma camada superficial de água quente e baixa salinidade que “captura mais” a força dos ventos, jogando os ventos e águas com mais dinamismo e vigor para o Leste – ou seja aumentando a presença de vapor d’água sobre a Amazônia. O resultado? Sim: mais chuvas nesta região.
Importante: tendência é que as cheias continuem
“Estão ocorrendo algumas mudanças globais que estão mudando a quantidade de água que é transportada do Atlântico para a Amazônia”, disse o pesquisador do Inpa Philip Fearnside.
Para o cientista, é preciso estar atento para o fato de que esses fenômenos têm grande impacto sobre as atividades humanas: “Essas mudanças mexem com tudo na vida das pessoas no interior da Amazônia. Elas dependem dos rios para muitas coisas, e precisam de uma regularidade nas vazantes e enchentes para fazer agricultura na várzea, por exemplo. Elas precisam saber se vai ter tantos meses sem água em tal lugar, senão elas perdem todo o seu trabalho”.
Philip alerta que a humanidade precisa mudar seus hábitos para diminuir os prejuízos da crise climática. “Temos de controlar a emissão de gases de efeito estufa e o Brasil tem uma grande parte nisso – em nosso País o desmatamento é o grande emissor. Globalmente, o mundo inteiro tem que parar de queimar combustíveis fósseis. Independentemente de todos esses problemas relacionados ao aquecimento global, é muito importante controlar o desmatamento. É preciso que o mundo chegue a uma mudança de comportamento que busque contornar o aquecimento global”, declara o pesquisador.
(*) Com informações do Greenpeace