Picada da formiga tucandeira é comparável a um tiro? Especialista explica

A dor extrema da tucandeira é explicada pela presença de neurotoxinas, como a Poneratoxina (PoTx) e a Paraponeratoxina.

Formiga tucandeira. Foto: Michael Angelo/Antwiki

Você já ouviu falar que a picada da formiga tucandeira causa uma dor tão intensa que se assemelha à de um tiro? Essa afirmação, popular na Amazônia e documentada por cientistas, levanta a curiosidade – e o temor – de muitos. Para entender mais sobre esse inseto impressionante, o Portal Amazônia conversou com a pesquisadora Itanna Oliveira Fernandes, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que esclareceu mitos e verdades sobre a temida tucandeira.

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Segundo Fernandes, a tucandeira (Paraponera clavata) se destaca por seu tamanho — pode ultrapassar 2 centímetros — e pela potente ferroada. “Ela possui coloração marrom escuro e uma das picadas mais dolorosas do reino animal. Isso a diferencia de qualquer outra formiga encontrada na América do Sul”, destaca.

A tucandeira habita principalmente ambientes de floresta, sendo encontrada em quase todos os estados brasileiros, com exceção do Nordeste, onde os registros são escassos.

“O ninho costuma estar na base de árvores, o que a torna mais frequente em áreas de mata”, explica a pesquisadora. Embora não seja comum em centros urbanos, já houve registros esporádicos, inclusive em cidades como Manaus.

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Foto: Michael Angelo/Antwiki

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Assim como outras formigas, a tucandeira é uma importante predadora de invertebrados, desempenhando papel fundamental na cadeia alimentar. Apesar disso, seu número vem sendo afetado pelo avanço do desmatamento, o que também a torna vulnerável.

Itanna, que já foi ferroada por uma tucandeira, conta que a dor é ‘lacerante’, com sensação pulsante e calor intenso no local. Em seu caso, os sintomas incluíram febre, náusea, queda de pressão e íngua na axila — tudo isso após ser ferroada no dedo. ‘Eu nunca levei um tiro, mas, se for parecido, eu não quero saber como é’, brinca.

Essa dor extrema é explicada pela presença de neurotoxinas, como a Poneratoxina (PoTx) e a Paraponeratoxina, substâncias que interferem diretamente nos nervos e intensificam a sensação dolorosa.

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A dor tem escala?

Sim. A picada da tucandeira foi classificada com o maior nível de dor no Índice Schmidt de Dor por Picada, um ranking criado pelo entomólogo Justin Schmidt, que testou picadas de dezenas de insetos. A tucandeira aparece no topo do índice, com uma pontuação 4+ (a mais alta), descrita como “onda de dor pura, brilhante, contínua”.

Os sintomas variam de pessoa para pessoa. “Em caso de reações alérgicas ou taquicardia, é fundamental procurar atendimento médico”, alerta Fernandes. Analgésicos e antialérgicos podem ser indicados, dependendo da gravidade.

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Tucandeira é simbolo do ritual do povo Sateré-Mawé. Foto: Marina Souza/Grupo Rede Amazônica

E nos rituais indígenas?

A dor da tucandeira é utilizada de forma ritualística por povos indígenas, como os Sateré-Mawé. Em um dos rituais mais conhecidos, jovens guerreiros devem suportar várias ferroadas para provar sua resistência e maturidade. “Essas cerimônias acontecem mais de uma vez e fazem parte do processo de transição para a vida adulta”, relata a pesquisadora.

Apesar de tradicional, o ritual não é isento de riscos. Pessoas alérgicas às toxinas podem sofrer complicações graves e devem evitar a exposição, reforça Fernandes.

O ritual

O primeiro passo para o ritual é pegar as formigas. Em seguida, elas são colocadas em um balde de água contendo folhas de caju picadas. Essa mistura anestesia os insetos por cerca de meia hora, para que possam ser manuseados e fixados, um a um, dentro de um par de luvas grandes, com o ferrão apontando para dentro.

Jovem indígena sente dor após participar do ritual da Tucandeira. Foto: Marina Souza

As luvas, tecidas com fibras naturais, são decoradas com penas vermelhas de arara – representando guerras e outros conflitos passados que os Sateré viveram – e penas brancas do gavião real – simbolizando a coragem e a resistência do povo Sateré.

A transição sexual dos rapazes também é simbolizada pelas plumas nos punhos das luvas. Elas representam os pelos pubianos e marcam a transição do adolescente para o guerreiro e o marido.

Para os indígenas, ao colocar as mãos na luva cheia de formigas, o jovem não apenas demonstra estar apto para a vida adulta, mas também consegue a admiração dos demais. Após a primeira experiência com as formigas, eles podem se casar e começar uma família, mas o esperado é que passem pelo rito ao menos 20 vezes durante a vida.

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