Maior paleotoca do Brasil: mapeamento inédito vai criar ‘passeio virtual’ pela ‘casa’ de preguiças-gigantes

Os registros feitos até o momento assinalam que a paleotoca possui pelo menos 600 metros de extensão, considerando todos os seus túneis e bifurcações.

Já imaginou “passear” pela “casa” de bichos-preguiças pré-históricos que pesavam cinco toneladas? Um mapeamento inédito feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) pretende criar um passeio virtual pela maior paleotoca do Brasil, construída há mais de 10 mil anos e localizada em um distrito de Porto Velho (RO) – a quase 300 km da zona urbana.

Os registros feitos até o momento assinalam que a paleotoca possui pelo menos 600 metros de extensão, considerando todos os seus túneis e bifurcações. Em alguns pontos, ela ultrapassa 3 metros de altura. No entanto, com o uso da tecnologia mais recente, é possível descobrir que, na verdade, o local é bem maior do que o que se imagina.

“O que a gente tem hoje são visualizações de pessoas que estiveram aqui. A ideia é usar o equipamento e com isso a gente vai ter a condição de saber as dimensões. A expectativa é que, de repente, a gente consiga descobrir algum registro nas paredes que a olho nu a gente não consegue identificar”, conta o engenheiro cartógrafo Fábio Costa.

Maior Paleotoca do Brasil, localizada em Rondônia. Foto: Edson Gabriel/Rede Amazônica

A história da História 

Para entender essa História, é preciso retornar mais de 10 anos no tempo, quando o local foi descoberto dentro de uma propriedade privada de Vista Alegre do Abunã, distrito de Porto Velho. O geólogo Amilcar Adamy foi quem descobriu, mapeou e tornou pública a primeira paleotoca registrada da Amazônia e a maior do Brasil. Foi um longo processo, um “trabalho de uma vida”.

“Em 2010 nós fizemos a primeira visita, mas não percorremos mais de 10 metros porque não sabíamos o que tinha pela frente e não estávamos preparados. Alguns anos depois, voltamos melhor preparados e começamos a entrar. Passou mais algum tempo e resolvemos fazer o mapeamento. Nós conseguimos percorrer todo trajeto dela, totalizando 600 metros”, relembra Adamy.

Inicialmente os pesquisadores chamavam o local de “caverna” e as suposições eram que o “buraco” havia sido habitado por garimpeiros ou até mesmo paleoíndios. Com estudos e contribuições de outros pesquisadores, a CPRM descobriu que a “caverna” é, na verdade, uma “paleotoca”.

“Mas aí poderia ser duas coisas: construída por preguiças gigantes ou criptodontes, os antepassados dos tatus. Mas as dimensões que nós encontramos na caverna não vão de encontro a que fossem feitas por um tatu e sim por um animal maior. Se a pessoa entrar lá sem nenhuma ideia do que é, pode se perder”,

esclarece o geólogo.

Fósseis das preguiças-gigantes encontrados no rio Madeira, em Rondônia, também contribuíram para que os pesquisadores fizessem a ligação entre os animais e a paleotoca.

As preguiças-gigantes chegavam a pesar 5 toneladas e medir em torno de 6 metros de comprimento. Segundo a bióloga e especialista em paleontologia, Ednair Rodrigues, os bichos gigantes foram extintos há pelo menos 10 mil anos, durante a “Era do Gelo”. Os descendentes dela são os bichos-preguiça que conhecemos hoje, que possuem menos de 1 metro de comprimento.

Os dentes da espécie eram eficientes na trituração dos alimentos. Ilustração: Rodolfo Nogueira

Mas afinal: qual a diferença de uma paleotoca para uma caverna? 

A caverna é um produto natural, enquanto a paleotoca é escavada por animais da paleofauna: essa é a diferença básica entre as duas estruturas, segundo Adamy. No entanto, existem outras características fundamentais para identificar uma paleotoca:

  • sistema complexo de túneis
  • bifurcações
  • formato semicircular abobadado
  • e a principal: marcas de garra

Para entrar na paleotoca encontrada em Porto Velho é preciso praticamente se arrastar apoiado nos pés e mãos, mas poucos metros depois já é possível andar completamente em pé. O local é repleto de túneis e bifurcações — além de ser moradia de mosquitos e morcegos.

“Mas porque tanto túnel? Ele não fazia uma escavação muito larga, era mais ou menos do tamanho dele. E daí ele tinha um problema: como ia voltar? E por isso que ele fazia essas bifurcações. Entrava por um lado e saia por outro”, explica o geólogo.

Entrada da maior paleotoca do Brasil. Foto: Edson Gabriel/Rede Amazônica

Como funciona o mapeamento? 

Para que o projeto de mapeamento se torne possível, o SGB de Porto Velho conta com a atuação de dois engenheiros cartógrafos lotados na filial do Rio de Janeiro e, é claro, com tecnologia de ponta. Durante cinco dias, a equipe mapeou a paleotoca utilizando um laser scanner terrestre. Mas como isso funciona?

“O mapeamento do laser scanner é feito por uma nuvem de pontos que são milhares de pontos muito próximos um ao outro que descrevem a superfície que ele consegue observar. Ele consegue identificar qualquer feição, até do tamanho de milímetros, e com uma precisão muito grande ele vai montando o mapa desse ambiente em tempo real em 3D”, explica o engenheiro Ricardo Oliveira.

Um laser aéreo acoplado em um drone também vai ajudar na geração do material cartográfico da área.

“Além de tirar a fotografia, o laser nos permite, através de um filtro, retirar a vegetação. Então a gente consegue observar o comportamento do terreno abaixo da vegetação, o que humanamente seria impossível porque você teria que efetivamente retirar toda a vegetação para conseguir observar como o solo se comporta. Pra gente é muito importante porque a vegetação às vezes mascara algumas nuances do terreno”,.

completa

Os primeiros projetos cartográficos devem ficar prontos entre 30 e 40 dias, segundo os engenheiros. Já o passeio em realidade aumentada vai demorar um tempinho extra para ficar se tornar “real”. O objetivo dos pesquisadores é tornar o conhecimento sobre a paleotoca universal e gerar material para futuros estudos científicos.

O início e o fim 

A história que começou há mais de 10 anos – ou 10 mil se considerar a construção do local – tem um desfecho que torna pública e acessível para o mundo inteiro a maior paleotoca do Brasil e também marca o fim da carreira do homem que descobriu esse objeto histórico. Almilcar vê seu trabalho deixar de ser história pra se tornar realidade virtual.

“Infelizmente chega uma idade que a gente é obrigado a se aposentar. A gente nunca pode dizer que está realizado, porque a gente pode fazer mais coisas. Mas eu sei que a minha contribuição dentro da empresa foi uma contribuição significativa. A sensação é que eu cumpri com a tarefa que eu me destinei. Com certeza vai ser um fechamento muito bom da minha atividade como profissional de geologia”, comenta.

*Por Jaíne Quele Cruz, do Grupo Rede Amazônica

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