Indígenas embarcam na onda digital para contar suas próprias histórias

Podcast do povo Mẽbêngôkre-Kayapó e canal de vídeos no youtube com Aylton Krenak são algumas das novidades criadas para difundir as culturas dos povos originários.

O isolamento social causado pela pandemia de Covid-19 acabou acelerando um processo que já vinha acontecendo: o aumento por mídias digitais. O Brasil é o segundo país que mais consome podcasts do mundo, só perdendo para os Estados Unidos. Segundo o Ibope, cerca de 40% da população de internet do país já ouviu algum podcast (cerca de 50 milhões de brasileiros). Neste contexto, e se utilizando das ferramentas digitais disponíveis, povos indígenas encontraram uma oportunidade de contar suas histórias para públicos diversos.

A luta de indígenas na defesa dos seus territórios e culturas já dura muitos séculos e parece ter se intensificado nos últimos anos. Segundo Fabiana Prado, Gerente de Articulação do IPÊ e responsável pelo projeto LIRA, a constante ameaça e violência cada vez maior mostram a importância da autonomia desses povos para que eles possam aumentar sua rede de proteção. O projeto LIRA, uma iniciativa idealizada pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, atua em 43 unidades de conservação e 43 Terras Indígenas no bioma (cerca de 12% das 379 Terras Indígenas da Amazônia Legal), por meio de uma rede de parceiros locais. “O LIRA apoia o fortalecimento institucional das organizações indígenas, o que é extremamente importante, pois contribui para que os povos cumpram o seu papel na discussão e governança dos seus territórios e na valorização da sua cultura”, afirma Fabiana.

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Um dos projetos apoiado pelo LIRA é o “Gestão Sustentável dos territórios Kayapó-Panará no sudeste da Amazônia, que atua no Bloco Xingu, implementando ações diretas nas terras indígenas que contribuem para a proteção desses territórios, de seus recursos naturais e de suas populações e respectivos modos de vida, promove autonomia e melhor qualidade de vida aos povos que nelas vivem e suas futuras gerações, além do fortalecimento das organizações representativas destes povos. Este projeto é executado por 4 associações indígenas – do povo Kayapó e Panará – que se juntaram para elaborar e desenvolver esse projeto: o Instituto Kabu, o Instituto Raoni, a Associação Iakiô e a Associação Floresta Protegida, todas parceiras da Rede LIRA.

O LIRA além de apoiar ações diretas para manter a floresta em pé, também integra outras iniciativas que valorizam o conhecimento tradicional, a cultura e o trabalho colaborativo entre organizações, como é o caso do “Selvagem – ciclo de estudos sobre a vida”, uma iniciativa concebida por Aylton Krenak, Anna Dantes e produzido por Madeleine Deschamps, que articula conhecimentos e arte, a partir de perspectivas indígenas e científicas. O projeto no formato virtual ganha escala, envolve diferentes áreas do conhecimento e ainda alcança mais públicos.

Quem somos

O povo Mẽbêngôkre-Kayapó, representado pela Associação Floresta Protegida, criou a campanha Quem Somos , com boletins de áudio narrados por Maial Paiakan Kaiapó. Segundo a indígena, o podcast ajudou a levar informação para as aldeias durante a pandemia e fortaleceu o diálogo entre os parentes, inclusive para esclarecer informações falsas. “Acredito que seja um momento importante de comunicação para o povo todo, não só para aqueles que fazem parte da AFP, porque a mensagem vai além do nosso território Kaiapó”, afirma Maial. Para ela, é fundamental que a história seja contada pelo próprio povo e salienta que essa é uma maneira de que a memória fique gravada e não seja perdida. “A gente utiliza o podcast também como ferramenta de luta. Os jovens, principalmente, precisam ser lembrados que nossa luta vem de muitos anos e que, se ainda conseguimos manter árvores de pé, é devido a essa luta e resistência”. A iniciativa está sendo realizada com apoio do projeto do Fundo Kayapó – Estratégias articuladas para o enfrentamento de crescentes ameaças sobre os territórios Kayapó.

Os boletins de áudio podem ser acessados pelo perfil da AFP no Instagram @floresta.protegida , Spotify https://open.spotify.com/show/0dvHyr5XObKfe1Wffpo5st e também podem ser baixados gratuitamente por meio do site da Associação Floresta Protegida para serem compartilhados por meio de aplicativos de mensagem, por exemplo. https://www.florestaprotegida.org.br/biblioteca

Temas dos dois últimos espisódios:

Ep. 5: As Mulheres 

Com a voz de Maial Paiakan Kaiapó, hoje vamos falar sobre as menire, as mulheres, os diferentes espaços que ocupamos e nossas prerrogativas cerimoniais. Somos guardiãs da nossa língua, cultura, tradições e da floresta.

Ep. 6: Linha de Ação Cultura e Conhecimento 

No episódio de hoje vamos falar sobre a nossa atuação na Linha de Ação Cultura e Conhecimento. Com a voz de Maial Paiakan Kaiapó, e a do nosso convidado especial, Kubekàkre Kayapó do Coletivo Beture, vamos falar um pouco sobre a origem da nossa organização, as parcerias que propiciaram sua institucionalização e a evolução das nossas Linhas de Ação.

Festa das Máscaras Kayapó (Andre Amorim/Divulgação)

Selvagem

Outro projeto digital, também apoiado pelo LIRA, é o Selvagem – ciclo de estudos sobre a vida, que busca propagar conteúdos que reforçam a coexistência de saberes tradicionais, científicos e artísticos. Uma das ações do projeto é a Flecha Selvagem, uma série em seis episódios que projeta o Selvagem para a linguagem audiovisual.

Cada flecha é composta por uma narrativa na voz do Ailton Krenak com roteiro de Anna Dantes e imagens de diversos arquivos indígenas, artísticos e científicos, além de animações e músicas originais. “A Flecha veio do Ailton, que disse que o Selvagem era incrível, mas que não chegava a mais pessoas e que a gente deveria considerar o formato audiovisual. Na época eu achei que ele estava ‘viajando’, mas aos poucos isso foi se mostrando ser o caminho mesmo”, conta Anna Dantes na live de lançamento da primeira Flecha.

Flecha 1

A SERPENTE E A CANOA

Viajamos por teorias científicas contemporâneas e memórias das culturas ancestrais. O fio condutor deste episódio costura duas narrativas: a da canoa cobra, memória originária de povos rio negrinos, e a serpente cósmica, presente em mitos de origem de diferentes culturas, vista como a dupla hélice do DNA, código de memória presente em tudo que é vivo. A viagem percorre uma sequência que entrelaça saberes indígenas e hipóteses científicas sobre o surgimento da Vida.

Flecha 2

A segunda flecha, O Sol e a Flor, associa diferentes visões sobre a relação do SOL com a vida na Terra. A partir de trechos do livro BIOSFERA, de Vladimir Verndasky, Ailton Krenak narra sobre a profunda interação dos raios cósmicos com a matéria verde, que transformam a Terra em um supra organismo vivo. Uma visão da vida onde tudo está absolutamente relacionado, das cianobactérias ao ozônio. A fotossíntese se apresenta como chave de manutenção do equilíbrio dinâmico e para a regulação da biosfera. A Teoria de Gaia flui em diálogo com a suspensão do céu na compreensão yanomami.

Para além da narrativa científica, é uma flecha propulsionada, em sua essência, pela narrativa Guarani sobre Nhanderu, o desdobramento do escuro em sol e do sol em flor.

@selvagem_ciclodeestudos

Sobre o LIRA

O LIRA é uma iniciativa idealizada pelo IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), pelo Fundo Amazônia e pela Fundação Gordon e Betty Moore, parceiros financiadores do projeto. Os parceiros institucionais são a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Amazonas (SEMA-AM) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (IDEFLOR-Bio). O projeto abrange 34% das áreas protegidas da Amazônia, considerando 20 UCs Federais, 23 UCs Estaduais e 43 Terras Indígenas, nas regiões do Alto Rio Negro, Baixo Rio Negro, Norte do Pará, Xingu, Madeira-Purus e Rondônia-Acre. O objetivo do projeto é promover e ampliar a gestão integrada para a conservação da biodiversidade, para a manutenção da paisagem e das funções climáticas e para o desenvolvimento socioambiental e cultural de povos e comunidades tradicionais. Site: https://lira.ipe.org.br/

(*) Com informações da Assessoria

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Arte rupestre amazônica: ciência que chega junto das pessoas e vira moda

Os estudos realizados em Monte Alegre, no Pará, pela arqueóloga Edithe Pereira, já originaram exposições, cartilhas, vídeos, sinalização municipal, aquarelas, história em quadrinhos e mais,

Leia também

Publicidade