As florestas públicas não destinadas concentraram 36,5% do desmatamento na Amazônia em 2023, segundo dados do PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), analisados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e apresentados em audiência pública no Senado Federal no dia 11 de dezembro. No ano passado, foram 187,3 mil hectares desmatados nestas áreas.
“O desmatamento dessas florestas públicas vêm aumentando desde 2012, alcançando seu ápice em 2022 com um total de 327,7 mil hectares desmatados (valor quase quatro vezes maior que o registrado em 2012). Apesar da recente redução no desmatamento entre os anos de 2022 e 2023 no bioma, e consequentemente nas não destinadas, observamos que, quando comparamos diferentes categorias fundiárias, ainda há uma tendência de maior concentração dos desmatamentos em área de florestas públicas não destinadas”, explicou Lívia Laureto, pesquisadora do IPAM presente na reunião.
A audiência pública foi realizada pela Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas em parceria com o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade) e o IPAM. O objetivo envolveu o debate de soluções legislativas e administrativas visando a garantia da proteção e do uso sustentável das florestas públicas.
O que são as florestas públicas não destinadas
Florestas públicas não destinadas ocupam hoje 56,5 milhões de hectares na Amazônia brasileira – o equivalente ao tamanho da Espanha. Estas áreas, sob domínio estadual ou federal, ainda não receberam uma definição de uso, à luz da lei de gestão de florestas públicas de 2006, para terra indígena ou unidade de conservação, por exemplo, e são frequentes alvos da grilagem, do desmatamento e da extração ilegal de madeira.
Observatório com dados abertos
A pesquisadora lembrou o Observatório de Florestas Públicas, plataforma criada pelo IPAM e pela iniciativa Amazônia de Pé para oferecer a consulta livre de dados como a localização das florestas não destinadas e o avanço dos registros de CAR (Cadastro Ambiental Rural) sobrepostos a estas áreas.
“Perder florestas públicas não destinadas significa muito mais do que perder cobertura florestal. Significa perder grande parte da nossa biodiversidade, com toda sua importância ecológica, climática, social e econômica. Perder estes maciços de floresta amazônica impacta de forma significativa na emissão de mais gases do efeito estufa, piorando a crise climática que já sentimos todos os dias, no mundo todo”, frisou.
O desmatamento acumulado nas não destinadas até 2024 soma mais de 4,3 milhões de hectares, conforme os dados do PRODES analisados pelo Instituto e apresentados na reunião. Se fosse um município, essa área desmatada seria a 21a maior cidade do Brasil.
De maneira a contribuir também com a redução de registros fraudulentos de CAR, como ferramenta para grilagem e desmatamento em terras públicas, o IPAM vem atuando ao lado de Ministérios Públicos, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da Abrampa (Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) para consolidar o cálculo do dano climático do desmatamento ilegal em termos de emissões de gases do efeito estufa.
“Ainda assim, precisamos ir além da penalização pelos crimes ambientais em florestas públicas. Precisamos concentrar esforços em um passo anterior, na prevenção do desmatamento”, comentou Laureto.
Ponto-chave para o Estado de Direito
Marcos Woortmann, diretor adjunto do IDS, afirmou a destinação como ponto-chave em diversos aspectos para o país.
“É um ponto-chave não somente no que tange a políticas públicas, mas a todo o funcionamento do Estado de Direito. Como sabemos, inclusive por dados do IPAM, 51% do desmatamento ilegal que ocorreu na Amazônia foi em florestas públicas não destinadas”. E citou a influência do crime ambiental organizado: “É algo muito vinculado à inserção do crime organizado nestes ambientes. Antigamente, o Estado tinha uma primazia logística sobre o crime organizado, de comunicações, acesso a internet, coisa que hoje já não existe”.
O deputado Nilto Tatto (PT) presidiu a reunião e destacou o desafio de destinar as florestas públicas: “É um desafio enorme o Brasil dar uma destinação para estas áreas. A gente tem exemplos de destinação dessas áreas públicas que ajudam nessa estratégia, do ponto de vista da conservação e dos compromissos assumidos internacionalmente, mas também da melhoria da qualidade de vida das populações que sobrevivem dos recursos das florestas não destinadas. Há uma importância fundamental em fazer este debate e procurar a saída”.
“Um novo olhar sobre as florestas públicas é essencial para ter um percentual de áreas preservadas no território nacional”, disse Leandro Mitidieri Figueiredo, Coordenador do Grupo de Trabalho Unidades de Conservação da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
Representando o Procurador-Geral da República Paulo Gonet, ele acrescentou uma reflexão sobre a remuneração “de quem mantém a floresta em pé”: Temos várias críticas ao mercado de carbono, principalmente em experiências que vêm sendo questionadas pelo MPF, mas não se pode descartar algum tipo de remuneração para quem mantém a floresta em pé”, afirmou.
“É um entendimento coletivo que a gente vive uma crise climática, que a gente imaginava que chegaria a médio prazo, mas já estamos sofrendo eventos climáticos extremos a todo momento. Temos vários exemplos que nos demonstram a condição urgente de tratar do clima e, quando a gente fala de floresta, temos que lembrar das florestas públicas já destinadas, das ainda não destinadas e outras áreas fundamentais também em outros biomas, além de florestas, todas muito importantes para a conservação”, complementou Marcelo Trevisan, diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo IPAM