Expedição constata declínio de populações de botos no Pará, segundo WWF

Realizado pelo Instituto Mamirauá, com apoio da WWF-Brasil, a expedição destaca que a presença do boto é um indicador de qualidade e saúde ambiental.

Todas as espécies de golfinhos de rio do mundo estão ameaçadas. E os números mostram que no Brasil não é diferente: a vida desses cetáceos vem sendo impactada principalmente pela pesca predatória e por mudanças hidrológicas decorrentes da construção de barragens e da contaminação da água e dos peixes por mercúrio, uma das consequências mais nefastas do garimpo ilegal. Na região do Médio e do Baixo Tapajós, no Pará, uma expedição realizada recentemente pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá com apoio do WWF-Brasil, estima o declínio das populações de botos cor-de-rosa e tucuxi entre 2014 e 2022.

Uma das maiores especialistas no assunto, a oceanógrafa Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, coordenou oito pesquisadores em um trabalho de campo que ocorreu de 27 de maio a 10 de junho e foi dividido em duas etapas. Primeiro o barco percorreu 280 quilômetros entre os municípios de Santarém e Itaituba, no Pará. Depois, apenas quatro estudiosos seguiram viagem por mais cerca de 100 quilômetros, chegando a Mato Grosso, em uma embarcação menor por conta da margem mais estreita do rio.

Como botos são animais topo de cadeia, sua presença é um indicador de qualidade e boa saúde ambiental, influenciando todas as espécies do ecossistema. Por isso, estimativas populacionais, estudos ecológicos e genéticos são essenciais para orientar as estratégias de conservação, manejo e desenvolvimento sustentável, especialmente neste momento de intensa pressão.

“Botos são considerados sentinelas. Tudo o que acontece com esses animais se reflete também na população humana. Se eles estão contaminados com mercúrio por comerem peixes, nós também estamos. Se começarem a morrer em razão da água contaminada, isso também vai afetar os seres humanos”, 

alerta Miriam.

A metodologia de contagem utilizada na expedição vem sendo desenvolvida e aperfeiçoada há vários anos e está adaptada às especificidades locais. “Percorremos o rio fazendo amostragens nas margens do rio e o grupo de pesquisadores passou 12 horas por dia olhando para a água, anotando uma série de medidas, como ângulos de avistagem dos botos e distâncias, e se o animal estava em grupo”, diz Miriam.

Ao longo dos últimos 8 anos, o WWF-Brasil e o Instituto Mamirauá realizaram outras duas expedições na região. A primeira, em 2014, identificou que o Complexo Hidrelétrico Tapajós, que prevê a construção de sete usinas ao longo de dois rios, isolaria quatro subgrupos de botos cor-de-rosa, impedindo o deslocamento dessas populações e, consequentemente, sua reprodução. Além disso, tornaria a alimentação dos animais mais escassa, em razão da possível redução de quantidade e das espécies de peixes. Outro problema é que ainda poderia alterar os regimes de cheia e seca, como ocorreu nos rios Madeira e Tocantins. 

Foto: Nay Jinknss/WWF-Brasil

Naquela ocasião, estimou-se haver 1.814 botos-cor-de-rosa e 3.371 tucuxis. Na segunda expedição, em 2017, foram estimados 1.572 e 1.577, respectivamente. E, agora, entre maio e junho de 2022, 1.604 botos-cor-de-rosa e 2.208 tucuxis. Mariana Paschoalini, consultora do WWF-Brasil, frisa que as experiências anteriores realizadas no Rio Tapajós, seguindo o mesmo trajeto, ajudaram a compreender a realidade atual e tornaram mais robustas as análises. “Tendências populacionais são calculadas sempre a partir de três amostragens e seguindo o mesmo método. Nossa base são os números de 2014. E a amostragem do meio, feita em 2017, que serve como parâmetro de flutuação, já demostrou queda. Por isso é possível falar agora em declínio”, explica.

A tendência populacional dos animais pôde ser avaliada apenas em uma porção do Médio Tapajós (até o município de Jacareacanga) e no Baixo Tapajós (da foz até a corredeira de São Luiz do Tapajós), pois esse é o trecho de sobreposição das três amostragens. Diferentemente das amostragens anteriores, a expedição de 2022 foi realizada em período de águas altas, no início da enchente, o que faz com que os botos estejam dispersos pelo rio, dificultando a detecção e aumentando a imprecisão das estimativas finais. Por isso, os dados devem ser interpretados com cautela. As estimativas, no entanto, seguem um padrão de queda já identificado nos anos anteriores, apesar da taxa de declínio ainda ser imprecisa.

Leia também: Botos amazônicos estão ameaçados, aponta relatório global da WWF

Embora a última expedição tenha sido realizada em período de águas altas, os dados coletados são comparáveis aos das incursões anteriores porque foi utilizada uma base estatística que leva em consideração um coeficiente de variação – ou seja: quanto a estimativa do número de animais pode variar para baixo ou para cima, dependendo das condições ambientais ou sazonais. “Na amostragem de 2022, optamos por comunicar o número mais conservador, considerando a margem de erro máximo. E ainda assim os dados mostraram queda”, reforça Mariana.

Entre os pesquisadores que atuaram na expedição mais recente está Indranee Roopsind, consultora do WWF Guiana especializada em mamíferos aquáticos. Ela veio ao Brasil aprender a metodologia para replicar em seu território. “Temos monitorado populações de botos em três localidades”, conta. “O plano é, quando tivermos financiamento, fazermos uma avaliação completa de todo o Rio Takutu para que Miriam e Mariana possam conduzir análises parecidas com as que já fazem aqui”. 

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

MPF pede suspensão do licenciamento das obras na BR-319 entre Manaus e Porto Velho

Órgão exige que as licenças ambientais sejam emitidas somente após a consulta prévia às comunidades indígenas e tradicionais que serão impactadas pela pavimentação da rodovia.

Leia também

Publicidade