Melanosuchus latrubessei teria vivido na região há aproximadamente 10 milhões de anos
O fragmento anterior direito do fóssil do focinho de um jacaré foi suficiente para que pesquisadores da Amazônia pudessem identificar uma nova espécie, já extinta, e agora nomeada como Melanosuchus latrubessei. Apesar de incompleto, o fragmento possuía características suficientes para ser reconhecido como uma espécie de jacaré fóssil ainda não catalogada proveniente do sul do estado do Amazonas, uma localidade conhecida pelo nome de Talismã, que está situada às margens do rio Purus. Datações com isótopos lideradas pelos pesquisadores Prof. Dr. Jonas Souza-Filho (UFAC) e pela Dra. Lucy Gomes de Souza (MUSA-Museu da Amazônia) indicam que os fósseis dessa localidade datam de aproximadamente 10 milhões de anos atrás, correspondendo à época do Mioceno Superior.
O artigo foi publicado na renomada revista Zootaxa em 11 de dezembro deste ano. O estudo foi desenvolvido através da parceria de seis instituições nacionais: Laboratório de Pesquisas Paleontológicas (LPP; Rio Branco) e Laboratório de Paleontologia (Cruzeiro do Sul) ambos da Universidade Federal do Acre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Laboratório de Estudos Paleobiológicos (Universidade Federal de São Carlos), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Museu da Amazônia (MUSA), de Manaus-Amazonas.
Em termos evolutivos, os pesquisadores foram capazes de elaborar discussões sobre o impacto das mudanças climáticas e ambientais ao longo desses milhares de anos na evolução dessas espécies e de sua extinção. Há 10 milhões de anos essa região do norte do Brasil ainda não era ocupada pela floresta Amazônica e sim um outro tipo de floresta que um dia originaria a que hoje conhecemos. “Nessa época os Andes ainda não haviam se erguido totalmente em sua porção norte (Equador, Colômbia, Venezuela) permitindo que na região do Acre e sul do Amazonas se formassem grandes acúmulos de águas e planícies de inundações. Esse cenário mudou com a finalização do soerguimento dos Andes (condição similar à que vivemos hoje) que resultou num esvaziamento do acúmulo de água nessa região junto a mudanças climáticas que provavelmente tiveram relação direta na extinção de boa parte da fauna e flora que habitava a região.”, explica o Dr. Jonas.
O jacaré fóssil tinha tamanho e hábitos alimentares similares ao jacaré-açu, ou seja, uma dieta generalista baseada em peixes, répteis e mamíferos de pequeno a médio porte. A morfologia dos dentes, com seus dentes posteriores mais baixos e arredondados, os permitiam que se alimentassem de animais mais duros como tartarugas e crustáceos. “É permitido reconhecer que essa espécie possui inúmeras similaridades morfológicas com o maior jacaré vivente do mundo, o Jacaré-açu (Melanosuchus niger). Similaridades essas que tornaram possível explicar por meio da proposição do compartilhamento de um ancestral comum entre essas espécies onde tais características surgiram, se fixaram e foram herdadas tanto pela espécie fóssil quanto a vivente. Melanosuchus latrubessei coexistiu com outros crocodilianos como os Gryposuchus (animais aparentados ao gavial indiano), Mourasuchus (o crocodiliano com focinho longo e largo lembrando muito o formato do bico de um pato) e o maior crocodiliano conhecido até então o Purussaurus brasiliensis.”, explica a Dra. Lucy.
O significado do nome da espécie
O nome latrubessei foi dado em homenagem ao Dr. Edgardo M. Latrubesse que é um importante geomorfólogo argentino que estudou durante décadas a região Amazônica tentando entender a evolução dos ambientes passados publicando assim uma série de pesquisas que são referência para inúmeros estudos na região.
O material encontra-se depositado na Universidade Federal do Acre (UFAC) no campus da cidade de Rio Branco, aos cuidados do prof. Dr. Jonas Souza-Filho. Sendo possível sua visitação na exposição do laboratório de paleontologia da mesma instituição. “Estudos envolvendo a vida passada são importantes para expandirmos nosso conhecimento sobre a biodiversidade de organismos que já habitaram nosso planeta, mas também para entender como se dá a evolução dos animais e o impacto das mudanças climáticas e ambientais na vida dos organismos. A compreensão do passado nos ajuda a compreender e explicar o presente bem como projetar o futuro avaliando assim os danos e impactos de nossas ações na natureza e quais as possíveis consequências que isso gerou e irão gerar.”, ressalta o prof. Dr. Jonas.