Conheça as cobras mais encontradas em áreas urbanas da Amazônia e entenda os perigos

Anaconda, Serpentes a Bordo, O Ataque das Víboras, Snakeman e Python são apenas alguns dos inúmeros títulos dos clássicos do cinema que trazem a cobra como a protagonista da história.

 
Anaconda, Serpentes a Bordo, O Ataque das Víboras, Snakeman e Python são apenas alguns dos inúmeros títulos dos clássicos do cinema que trazem a cobra como a protagonista da história. Elas sempre são retratadas como más, perigosas, violentas e famintas, tanto nas telonas quanto no imaginário popular.

Na bíblia, a primeira narrativa conta que, no Jardim do Éden, a serpente seduziu Eva e a influenciou para que comesse do fruto proibido por Deus, que dava na árvore do bem e do mal, e como consequência da desobediência, a origem do pecado. E, em outras passagens, a serpente é sempre retratada como trapaceira e enganadora, representando muitas vezes a figura de Satanás.

Foto:Reprodução/Serpentes a bordo – Playarte

O medo mórbido que as pessoas sentem das cobras, é a Ofidiofobia, que grande parte da população tem. No entanto, para pesquisadores e especialistas nesse tipo de animal, as serpentes são fantásticas e possuem peculiaridades que nenhum outro animal possui.

A equipe do Portal Amazônia saiu em busca de profissionais para identificar as cobras mais endêmicas nos ambientes urbanos da região, e apresentá-las de uma forma mais amigável, sem todo aquele medo que permeia quando se falam nelas.

A professora doutora Maria Ermelinda Oliveira, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que é especialista em animais peçonhentos, lembra que “a gente só tem medo daquilo que a gente não conhece”.

“Todos os animais que as pessoas desconhecem causam medo. Crescemos assimilando os medos dos adultos e ouvindo as histórias de que esses animais são perigosos e nojentos, o que faz aumentar mais ainda o medo. Existem os riscos de mordida, mas quando vamos conhecendo as cobras, por exemplo, vamos perdendo os medos”, conta a professora.

Professora Ermelinda Oliveira Foto:William Costa/Portal Amazônia

Tipos de cobras

As peçonhentas

No Brasil, existem cerca de 400 espécies de cobras descritas, entre as peçonhentas e não peçonhentas, dessas, pouco mais de 50 são peçonhentas. Em número, as venenosas possuem menos espécies, mas são bem incidentes nas áreas urbanas da Amazônia, como as jararacas. Já a maioria das espécies são de cobras sem veneno, mas que também aterrorizam pelo tamanho, como as sucuris.

Segundo a professora Ermelinda, em nossa região, o maior número de encontros na área urbana fica por conta das jararacas, jiboias e sucuris, atraídas principalmente por por roedores.
“As jararacas podem chegar a quase 1,5 m, e comem rãs, lagartos e pequenos mamíferos inteiros. E geralmente são atraídas para locais onde há presença de alimento, como lixeiras, esgotos e igarapés poluídos”, conta a professora.

Na alimentação, a jararaca usa seu veneno, principalmente para matar a presa, e quando se sente ameaçada, usa também como defesa, dando botes, e aí injetam o veneno por dois dentes que possuem na frente da boca.

“Elas não têm uma visão boa, e possuem a fosseta loreal (orifício localizado entre olho e narina), que é um mecanismo de percepção térmica, como se fosse um infravermelho, que mostra os corpos captando ondas de calor. Com isso elas identificam alimentos, além da língua que já funciona como um radar para captar moléculas de cheiro”, ressalta a professora.

Fosseta loreal da Jararaca | Foto:William Costa/Portal Amazônia

Outra peçonhenta da região é a Surucucu Pico de Jaca, a maior serpente peçonhenta da América do Sul, um espécie menos comum de encontrar, pois vive em mata densa e preservada.

Não-peçonhentas

Entre as cobras que não tem veneno estão as sucuris, jibóias e as cipós. Segundo a professora Ermelinda, as sucuris impressionam pelo tamanho, e são mais avistadas pela população em áreas próximas de ambientes aquáticos.

“As temidas sucuris são as serpentes enormes que estão na Amazônia, e ultrapassam fácil os 3 metros. Além do tamanho, a alimentação é feita por um bote com mordida, ao mesmo tempo que se enrolam sobre o corpo da presa, imobilizando e apertando, de modo que haja comprometimento da circulação sanguínea, e, em algum tempo a presa morre por falência de oxigenação dos órgãos ou afogamento. Estão são animais grandes, mas, ao olhar humano, elas ficam ainda maiores e isso impressiona muito”, conta a professora.

Jibóia Arco-íris do Musa | Foto: William Costa/Portal Amazônia

Assim como as sucuris, as jibóias e as cipós também fazem a constrição para se alimentar. Algumas cipós, por exemplo, as espécies verdinhas, que medem cerca de 1 metro, possuem hábitos diurnos, e por estarem camufladas entre as folhagens e galhos de árvores, dificilmente são visualizadas.

“Cobra-cega” não é cobra

Vascaína, malhadinha, cobra da vala, cobra-de-duas-cabeças, e cobra-cega são alguns dos nomes dados aquele animal que se rasteja e tem a aparência de uma cobra, mas não é cobra. Na verdade, são anfisbenídeos que, apesar da semelhança no formato do corpo, pertencem a um grupo de lagartos sem patas evolutivamente distinto das cobras, e são conhecidos por Amphisbaena, segundo o Guia de Cobras da região de Manaus, produzido pelo doutor Rafael de Fraga, e publicado pela editora INPA.

“A cobra-cega não tem glândula de veneno, mas pode morde forte, e além da dor da mordida, pode haver contaminação por bactérias”, conta a professora Ermelinda.

Foto:Divulgação/Flickr


Períodos de chuvas

Em períodos chuvosos é mais comum de se perceber, através da mídia, que cobras são capturadas em vários pontos das cidades. Segundo a professora Ermelinda, essa realidade é ocasionada por uma série de motivações.

“O período de chuvas é a época que mais há oferta de alimentos, além de ser o período reprodutivo das suas presas. Também é o período de pico de acasalamento para serpentes, como as jararacas. Embora o nascimento de filhotes de jararaca ocorra durante o ano todo, também há uma concentração de nascimentos no período de chuvas, pois há mais disponibilidade de pequenos anfíbios e lagartos, os principais itens da dieta dos filhotes de jararaca”, conta a professora.

Uma curiosidade em relação as cobras jararacas é que elas podem estocar espermatozóides por longos períodos, após a cópula, e “decidir” o momento em que desejam usá-lo para gerar novas crias.

Ao avistar uma cobra, o quê fazer?

Se o animal estiver próximo da área de mata, atravessando uma rua, por exemplo, é importante que as pessoas deixem o animal seguir o seu percurso. Caso o morador identifique uma cobra em sua casa, neste caso é importante seguir alguns cuidados, como orienta a professora Ermelinda.

“Ao encontrar uma cobra em casa, dependendo da situação e tamanho, a orientação é que a pessoa se afaste do local e acione um dos órgãos de proteção animal da cidade. Em Manaus, o Batalhão de Policiamento Ambiental, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, ou ainda o Corpo de Bombeiros”, ressalta a professora.

Prevenção

Entre as orientações do Ministério da Saúde, para quem está em áreas de mata, é importante:

  • usar calçados e luvas nas atividades rurais e de jardinagem;
  • examinar calçados, roupas pessoais, de cama e banho, antes de usá-las;
  • afastar camas das paredes e evitar pendurar roupas fora de armários;
  • não acumular entulhos e materiais de construção;
  • limpar regularmente móveis, cortinas, quadros, cantos de parede;
  • vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos, forros e rodapés; utilizar telas, vedantes ou sacos de areia em portas, janelas e ralos;
  • manter limpos os locais próximos das casas, jardins, quintais, paióis e celeiros;
  • evitar plantas tipo trepadeiras e bananeiras junto às casas e manter a grama sempre cortada;
  • limpar terrenos baldios, pelo menos na faixa de um a dois metros junto ao muro ou cercas.

Fui picado por um cobra, e agora?

É muito comum ouvirmos relatos de pessoas que foram picadas por cobras, principalmente em áreas mais afastadas do perímetro urbano, próximo de mata, florestas e no interior. Nelciane Galdino, tem 37 anos, e aos 13, enquanto trabalhava, foi surpreendida por uma picada de cobra.

“Eu estava no roçado com minha mãe, de repente eu senti aquela picada na minha perna, quando olhei só vi o rabo da cobra indo embora. Me lembro que ela era marrom com pintinhas, as pessoas diziam ser jibóia, que dava muito por lá. No local da picada sangrou, avisei minha mãe, ela me levou para casa, e lá espremeu o local para sair o sangue, e fez vários remédios caseiros, mas minha perna ficou muito inchada. E até hoje, de vez enquanto minha perna incha na mesma área”, conta Nelciane, que trabalha como serviços gerais.

Foto: Divulgação

A orientação dos especialistas é de que caso a pessoa seja picada, ela não deve fazer, em hipótese nenhuma o famoso torniquete, com o objetivo de estancar o veneno, o impedindo que entre na corrente sanguínea.

“Dependendo do tipo de cobra, o toxicidade do veneno pode ser maior ou menor, no entanto, o torniquete não deve ser feito pois fará com que grande parte das toxinas se concentrem no membro afetado. Em acidentes com jararacas, por exemplo, as toxinas do veneno atuam sobre o tecido local, se você faz torniquete, você tem maior chance de complicações como inflamação, que leva à necrose, e em muitos casos, amputação do membro. Enquanto que se você se mantiver calmo e pedir ajuda, haverá tempo de ser levado à Fundação de Medicina Tropical, que aplicará o soro antiofídico indicado para cada acidente”, lembra Ermelinda.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2017 foram notificados 2.460 acidentes por animais peçonhentos no Amazonas. Destes, 64,5% foram ocasionados por serpentes. As cidades com maior número de acidentes com os ofídios, foi Uarini, seguida de Caapiranga e Alvarães. Já as menores, foram Manaus e Silves.

Em Manaus, o atendimento médico de referência, em caso de picadas ou mordidas por cobras e outros animais peçonhentos, é a Fundação de Medicina Tropical (FMT), que realizará todos os procedimentos médicos, incluísse a aplicação do soro antiofídico.

“É importante que sejam tiradas fotos do animal que causou o acidente, para auxiliar o reconhecimento e escolha do soro a ser ministrado. Nunca tente enfrentar ou matar a cobra. E vale lembrar que elas só atacam quando se sentem ameaçadas ou são pisadas”, ressalta a professora.

Para o atendimento médico, em caso de picadas por animais peçonhentos, nos estados da Amazônia, segue a lista de locais especializados para receber esses casos:

Medicação

A bióloga, Ana Lobo, que cuida do Serpentário do Museu Amazônico (Musa), conta que o veneno das jacararas pode ser usado para fazer o bem. “As jararacas fornecem veneno para a composição do medicamento Captopril, que serve para o controle da hipertensão. É um veneno que faz o bem”, conta Ana.

Foto: William Costa/Portal Amazônia

Como pesquisador, o médico e cientista brasileiro Sérgio Henrique Ferreira, que morreu em 2016, descobriu, ainda na década de 1960, o chamado fator de potencialização da braticinina (BPF), que foi transformado no captopril, medicação mundialmente conhecida para o controle da hipertensão. Com a descoberta, Sérgio ganhou vários prêmios.

Foto:Divulgação


Campanhas

Cerca de 100 mil pessoas morrem por ano no mundo e cerca de 400 mil possuem sequelas. Os acidentes por animais peçonhentos foram incluídos em 2018 na lista das Doenças Tropicais Negligenciadas. Segundo a professora Ermelinda, esse fato é significante, pois mais ações poderão ser pensadas em torno das cobras.

“Embora tenha demorado, isso pode significar mais campanhas profiláticas, sistema eficaz de notificação dos agravos (permitindo mapeamento), financiamento para pesquisas, capacitação de pessoal, agentes de saúde e rápido atendimento da população de risco, como ribeirinhos, comunidades e trabalhadores de áreas rurais”, finaliza a pesquisadora.

Foto: William Costa/Portal Amazônia

Serpentários

Em Manaus, é possível ver serpentes no Zoológico do CIGS, que funciona de terça a domingo, de 9h às 16h30. Custa R$ 5 a entrada, e fica na Av. São Jorge, 750, bairro São Jorge, zona Oeste. E no Musa , que fica na Av. Margarita (antiga Uirapuru), Cidade de Deus, zona Norte de Manaus. Funciona de quinta a terça, das 8h30 às 17h (o portão de entrada fecha às 16h). Os ingressos custam, a partir de R$ 30 com visita sem guia, e se for morador de Manaus, e apresentar comprovante de residência, o ingresso sai pela metade do preço.

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