Segundo os pesquisadores, o macaco deve ter atravessado o oceano em uma balsa natural entre 40 milhões e 35 milhões de anos atrás
Um macaco primitivo que pesava cerca de 230 gramas, batizado como Ashaninkacebus simpsoni, inseriu novas discussões na história da origem dos primatas amazônicos. Até aqui, todos os fósseis encontrados tinham parentesco com os macacos atuais da América do Sul, com origem na África. A nova espécie, no entanto, tem semelhanças com um pequeno grupo extinto de macacos do sul da Ásia em características dentárias, segundo estudo publicado em julho na revista científica PNAS. Por não ter dado origem a nenhum animal moderno, ele vem sendo considerado um beco sem saída da evolução.
Uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses chegou a essa conclusão a partir de um minúsculo dente, um molar superior menor do que um grão de arroz, encontrado em uma barranca do alto rio Juruá, no Acre, próximo ao Peru. “Os antepassados de Ashaninkacebus devem ter atravessado o oceano Atlântico em uma balsa natural formada por restos vegetais, por volta do Eoceno Médio, entre 40 milhões e 35 milhões de anos atrás”, comenta o biólogo Francisco Ricardo Negri, do campus de Floresta da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Cruzeiro do Sul, onde o dente está depositado em uma coleção científica. Por serem pequenos, os macacos precisavam de pouco alimento e possivelmente teriam sobrevivido à viagem comendo restos vegetais.
Comparando o dente de A. simpsoni com os de outros primatas vivos, os pesquisadores inferiram que sua dieta era generalista, baseada em insetos e frutas. “A forma das cúspides, saliências na face do dente que tritura o alimento, é característica de cada tipo de macaco e permite inferir que ele não tinha parentesco com os primatas atuais da Amazônia”, explica Negri. A. simpsoni foi o terceiro primata a chegar na Amazônia. Antes dele, outras duas espécies de macacos pequenos já haviam feito a mesma travessia, provavelmente também de balsa.
Perupithecus, que era igualmente pequeno e comia frutas e insetos, teria chegado há 37 milhões de anos e Ucayalipithecus, que era um pouco maior e preferia frutas, chegou há 36 milhões de anos – ambos teriam surgido a partir de grupos africanos. “O fóssil de A. simpsoni nos surpreendeu porque tem estreita relação com os primatas Eosimiidae basais do sul da Ásia”, explica a paleontóloga Ana Maria Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que coordenou o trabalho por meio de projetos financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Petrobras – alguns deles liderados pela bióloga Karen Adami Rodrigues, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
“Na época, a Ásia estava separada da África pelo antigo mar de Tétis, por isso eles tiveram de fazer uma primeira travessia marítima mais curta”, diz a paleontóloga Annie Schmaltz Hsiou, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), que contou com financiamento da FAPESP. Além disso, naquela época, a África estava um pouco mais próxima da América do Sul e as correntes marítimas da região levavam para oeste, facilitando a travessia.
Outra hipótese é que os macacos tenham ocupado uma antiga cadeia de ilhas no Atlântico, hoje submersa, até chegar à América do Sul. Os primatas que chegaram antes se originaram na África, onde surgiu a maioria dos primatas, e fizeram uma única travessia. Hoje existem mais de 500 espécies de macacos no mundo, cerca de 100 delas na América.
O nome do animal faz uma dupla homenagem: à tribo Ashaninka, que vive no local das escavações e colaborou com os pesquisadores, e ao paleontólogo George Gaylord Simpson (1902-1984). Em meados do século passado, Simpson previu que seriam encontrados na Amazônia fósseis anteriores aos conhecidos na época, com 20 milhões de anos. A. simpsoni confirmou essa hipótese.
“A descoberta mostra que a história dos primatas nas Américas é mais complexa do que imaginávamos”, observa o biólogo Carlos Schrago, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que não participou do estudo. Ele afirma que os macacos modernos da América do Sul vieram de uma única linhagem, que se diversificou e deu origem a todos as espécies atuais da região. Para Schrago, A. simpsoni é uma exceção, um macaco primitivo e sem parentesco direto com os macacos atuais.
Schrago ressalta que as conclusões do estudo são baseadas em evidências ainda limitadas e haveria outros cenários possíveis. À luz das descobertas recentes, ele avalia ser improvável que o ancestral comum desses fósseis e dos macacos neotropicais viventes tenha habitado o continente sul-americano. “Não dá para resolver isso agora. Precisamos de mais achados fósseis para desatar o nó da origem dos primatas na América do Sul.”
*Publicado originalmente por Pesquisa FAPESP