Segundo o levantamento do SOS Mata Atlântica, em 7,2% das bacias hidrográficas, ou 4,1% da área total do bioma, menos de 30% da cobertura vegetal original permanece intacta.
A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do país, com apenas 24% da sua cobertura vegetal original conservada. Embora na Amazônia, bioma que ocupa 49% do território brasileiro, ainda estejam intactos cerca de 80% da vegetação original, existem ali regiões com cobertura florestal em níveis críticos similares às da Mata Atlântica, sendo que 34% delas já ultrapassaram o limite de colapso e ponto de não retorno do bioma. As bacias hidrográficas amazônicas também vêm mostrando uma degradação acentuada: mais de 12% têm hoje uma cobertura florestal muito próxima ou abaixo do limiar de 30%, sendo que em um terço dessa área o desmatamento chegou a 80%.
Como alerta para que a Amazônia não repita a trajetória da Mata Atlântica,a Fundação SOS Mata Atlântica e pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, Universidade de Oxford e Universidade Estadual de Feira de Santana, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), elaboraram um artigo científico, a partir de uma análise comparativa da cobertura florestal das bacias, apresenta lições de governança que precisam ser implementadas com urgência para conter os avanços do bioma amazônico em direção ao ponto crítico, lidar com a emergência climática e garantir a oferta de serviços ecossistêmicos (como abastecimento de água e manutenção da qualidade do ar). O trabalho foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
Riscos locais e globais
A Mata Atlântica e a Amazônia são biomas em diferentes situações de conservação. Enquanto na primeira um estado de ameaça se instalou já durante a ocupação do Brasil pelos europeus, em 1500, o desmatamento em larga escala da Amazônia só teve início na segunda metade do século XX, principalmente a partir de 1970. Por conta desse histórico, a Mata Atlântica está abaixo do limiar mínimo que garante a conservação da sua biodiversidade, mas a Floresta Amazônica já se aproxima de uma situação conhecida como “dieback threshold” – um risco de colapso que vem se agravando. O ano de 2021 foi marcado pelo maior nível de desmatamento da última década, com mais de um milhão de hectares devastados.
Segundo o levantamento, em 7,2% das bacias hidrográficas (514), ou 4,1% da área total do bioma, menos de 30% da cobertura vegetal original permanece intacta. Outros 5% (357), ou 3,7% da área total, já estão perto desse limite mínimo. As áreas com cobertura florestal abaixo do limiar estão no Maranhão, no sul do Pará, no norte de Mato Grosso e em Rondônia – região conhecida como o “arco do desmatamento”. Além disso, 34% das bacias hidrográficas (2.398) da Amazônia têm menos de 80% da sua cobertura florestal original e estão se movendo na direção do limiar global do bioma.
“Esses números são, surpreendentemente, muito semelhantes aos da Mata Atlântica, que vem há muito mais tempo sofrendo uma forte ação antropogênica”, afirma Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. Ela explica que, além dos impactos globais gerados pelo desmatamento relacionados ao aquecimento global, há também impactos locais.
“Isso já é sentido em regiões da Mata Atlântica com baixa cobertura florestal, onde existem problemas de abastecimento de água e um aumento do risco de um apagão elétrico. O desmatamento também causa a perda de habitat e aumenta o número de espécies ameaçadas de extinção. Na Amazônia, as regiões do ‘arco do desmatamento’ já estão sofrendo mudanças no padrão de chuvas e períodos de seca que têm impactado as populações locais e os agricultores”,
completa a pesquisadora.
Lições da Mata Atlântica para a Amazônia
A Amazônia recebeu uma das iniciativas de maior sucesso para controlar a perda florestal nos trópicos, o que levou a uma redução de 80% nos níveis de desmatamento entre 2004 e 2012. Isso foi fruto de um plano integrado de políticas públicas federais (o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, conhecido PPCDAm), alinhado a ferramentas comerciais para controlar a expansão das commodities. “Esse plano precisa ser retomado e ampliado pelo próximo governo federal, uma vez que as ações foram interrompidas pelas administrações anteriores, fazendo com que os níveis de desmatamento tenham aumentado tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica”, afirma Joice Ferreira.
Além de reativar e atualizar os princípios do PPCDAm, é importante que sejam aprendidas lições importantes sobre as políticas de governança que deram certo na Mata Atlântica, construindo, assim, um caminho que possibilite a conservação de longo prazo da Amazônia.
A primeira dessas lições reforça a necessidade de que sejam criadas áreas protegidas contíguas em terras públicas com alta cobertura florestal. “A conservação de grande parte dos remanescentes da Mata Atlântica é fruto de uma estratégia com essas características. A região denominada Reserva da Mata Atlântica, que compreende os estados de São Paulo e Paraná, preserva aproximadamente dois milhões de hectares de floresta em um mosaico de áreas protegidas, sendo considerada a maior floresta do bioma”, explica Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
Outra lição demanda a criação de áreas protegidas nos hotspots de desmatamento – especialmente onde há pouca cobertura florestal – como forma de complementar as áreas maiores e contíguas. Nas regiões com maior concentração de propriedades privadas, a conservação deve ser complementada com reservas particulares. “Isso foi aplicado com êxito na Mata Atlântica, onde centenas de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) foram criadas e hoje desempenham um importante papel na proteção de espécies ameaçadas”, conta Luís Fernando.
Por fim, a experiência da Mata Atlântica reafirma a necessidade da adoção de novas ferramentas políticas para a redução do desmatamento. A Lei da Mata Atlântica, publicada em 2006, é uma legislação singular que protege o bioma no Brasil, desempenhando um papel muito importante na redução do desmatamento.
Mas Luís Fernando ressalta que o mais importante está relacionado ao timing e às lacunas que ainda permeiam os processos de avanço da ciência e a implementação de políticas. “A governança e a preservação ambiental da Mata Atlântica seguiu adiante sempre de forma reativa e sob muita pressão, sendo possível apenas minimizar os impactos depois que eles ocorriam. No que se refere à Amazônia e ao contexto atual de crise e emergência climática, propostas de governança devem ser formuladas e implementadas imediatamente, antecipando todos os problemas previstos. Conforme o estudo evidencia, algumas regiões amazônicas já estão atrasadas e é necessário não apenas parar, mas reverter o processo de degradação.”