São Sebastião: guerreiro das matas

São Sebastião é uma das luzes mais fortes que temos na área espiritual.

A cultura amazônica é composta por essa natureza plurivalente, da qual os seus habitantes vivem a experiência espiritual. No cotidiano do viver ribeirinho, observa-se a devoção aos santos, que atuam na proteção, no auxílio à doença, nos milagres da fé e na esperança de dias melhores no interior da Amazônia.

Há uma relação forte de respeito, obrigações, celebrações e orações aos santos protetores, de devoção da família e da comunidade. Essa convivência partilhada colabora na transmissão da cultura, religiosidade e poética do lugar, sendo mobilizador o trabalho comunitário dedicado aos santos: São Sebastião, São Francisco, São João, Santa Civita, São José, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Nazaré, entre outros.

As comunidades ribeirinhas mantêm as homenagens aos seus santos de devoção, com vasta programação religiosa, desde festejos, rezas dos terços, novena, leilões, celebrações, torneios de futebol e o tradicional forró. Tais ações promovem a manifestação do caráter religioso, da solidariedade social e das tradições familiares.

Sem dúvida, é um momento especial no qual a comunidade se reúne para realizar os preparativos necessários para o grande festejo, os moradores pagam suas promessas ou fazem novos pedidos aos santos, assegurando proteção, saúde e felicidades as comunidades ribeirinhas.

Cumprir uma promessa, por exemplo, é uma maneira de obter proteção e auxílio nos momentos mais adversos e essa prática preserva memórias coletivas, sendo uma fonte inesgotável de experiências. Além disso, os barcos servem aos festejos levando os visitantes, por meio de excursões ou não, para participar desse momento de fé e renovação espiritual, havendo essa forte significação sociocultural.

Barcos regionais. Foto: Lucileyde Feitosa/Acervo pessoal

Cada comunidade possui um padroeiro e como o santo protetor é benevolente, protege a todos, sendo esse amigo confidente. Celebrar a festa de um padroeiro significa reverenciá-lo com orações, novenas, celebrações e procissões. É o reconhecimento da proteção ou graça recebida. Logo, a promessa é uma dívida que deve ser paga.

No mês de janeiro, no dia 20, homenageia-se São Sebastião cuja data é comemorada em vários estados do Brasil, mas é na cidade do Rio de Janeiro que a comemoração ganha destaque maior, pois São Sebastião é o padroeiro do município.

São Sebastião. Arte: Patrícia Fran

Na Amazônia, São Sebastião é conhecido pelos praticantes do Catolicismo e das Religiões de Matriz Africana como protetor da humanidade contra a fome, doenças, infortúnios, sendo uma festa comemorada com missas, celebrações, oferendas, torneios de futebol e procissões.

Para Domingos Rodrigues de Souza, 83 anos, grande conhecedor das religiões de matriz africana e devoto do santo nos diz:

“São Sebastião é uma das luzes mais fortes que temos na área espiritual porque ele comanda essa parte de floresta e ajuda muitos seus filhos de fé, principalmente o pessoal que mora e nasce à margem das matas. Todo esse pessoal é agraciado por ele”.

Em Porto Velho, uma comunidade ribeirinha recebe o nome de São Sebastião, encontra-se localizada à margem do rio Madeira e, apesar de ter sido impactada com a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, ainda mantém a celebração em homenagem ao santo padroeiro do local. O festejo nessa comunidade tem dez dias de duração, faz parte dos eventos tradicionais da capital de Rondônia e está em sua 33ª edição.

O destaque do festejo na comunidade ribeirinha é a tradição do levantamento de um mastro com oferendas para São Sebastião, sendo colocados no mastro objetos, brinquedos, frutas, dinheiro e presentes. Essas oferendas ao Santo padroeiro cumprem o compromisso da graça alcançada, a expressão da devoção para trazer fartura e prosperidade a comunidade que tanto foi impactada com as usinas hidrelétricas.

Mastro com as oferendas na comunidade São Sebastião. Foto: Armando Júnior/Rede Amazônica

E descendo mais o rio Madeira, chega-se ao distrito de São Carlos ainda em Porto Velho, onde existe um local tido como sagrado e reduto das sumaúmas, majestosas árvores da Amazônia de acordo com os moradores. Nesse lugar, encontra-se o Santo da Floresta, que é São Sebastião cuja cabeça feita de barro está fincada em uma árvore. E quem tentou transgredir o código de respeito a esse local sagrado sofreu consequências nada agradáveis: doenças, calafrios, febres e/ou mortes.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com.

Sobre a autora

Lucileyde Feitosa é professora, Pós-Doutora em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Pós-Doutora em Geografia pela Universidade do Minho/Portugal, Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista do portalamaoznia.com e da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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