Práticos do Rio Madeira: Um olhar significante

A contribuição dos Práticos ribeirinhos tem sido significante e essencial nos diversos segmentos de transporte no rio Madeira.

Situa-se nesse espaço de experiências humanas, aprendizados diversos, produções de sentidos o trabalho dos Práticos ribeirinhos, os quais atuam nos rios que nem sempre apresentam profundidades adequadas ao tráfego de embarcações. São ribeirinhos, conhecedores dos obstáculos presentes ao longo dos rios, sabem identificar os bancos de areia e praias de arrôto (decorrentes da atividade garimpeira), bem como paliteiros, pauzadas e afloramentos rochosos (popularmente conhecidos como pedrais).

Barco Recreio no rio Madeira – Foto: Emídio Oliveira

Partindo do pressuposto da diversidade encontrada, a contribuição dos Práticos ribeirinhos tem sido significante e essencial nos diversos segmentos de transporte no rio Madeira, assim como em outros rios da região, encontrando-se singularidades e saberes tradicionais construídos na vivência com os rios, sendo essenciais na percepção de riscos e salvaguarda da vida humana.

O escritor Mario de Andrade reforça esse reconhecimento histórico do Prático como conhecedor do rio e dos obstáculos no seu livro: O Turista Aprendiz, um diário composto de gênero híbrido (literatura e documento histórico) e crônica jornalística. Em sua viagem no rio Madeira em 1927 evidenciou sentimentos e emoções na experiência do cotidiano, destacando a funcionalidade do trabalho do Prático na navegação.  

Barco de madeira no rio Madeira – Foto: Emídio Oliveira.

 O conceito de Prático ainda é muito pouco debatido no âmbito acadêmico e na esfera pública de modo geral, seja por falta de mais pesquisas ou interesse público. Acaba sendo analisado na ótica social, no valor atribuído pelos próprios profissionais da navegação e ribeirinhos. Portanto, a significação de Prático perpassa por essa comunicação comunitária, importância histórica, reconhecimento, confiança e pertencimento aos lugares

O Prático tem o reconhecimento entre os próprios profissionais da navegação, sendo um trabalho essencial na segurança da navegação, como disse o Piloto Fluvial e Prático Emídio Oliveira: “O Prático conhece não só o equipamento que o barco tem, mas o rio. É fundamental porque a falha de um Prático é a perda de uma embarcação que pode furar o casco, encalhar e afundar. O Prático carrega nas costas essa confiança, conhecimento e a vida de muitas pessoas depende do trabalho dele”.

Temos duas definições relacionadas aos Práticos: o primeiro é o profissional habilitado para exercer suas funções em grandes navios e domina uma tecnologia diferenciada; o segundo, o qual nos interessa como tema de pesquisa há anos, é nascido ou criado em áreas ribeirinhas, detém o conhecimento do rio dominando uma tecnologia mais artesanal advinda dessa vivência no espaço amazônico.

 Na fase da infância, por exemplo, esse segundo Prático aperfeiçoa os seus sentidos na interação com o rio, na brincadeira com outras crianças, no aprendizado com os pais, aprendendo estratégias de sobrevivência, de cuidado, sendo aspectos positivos na transmissão da cultura e dos saberes tradicionais.

Conforme a criança cresce, aumenta sua consciência das relações espaciais. O passear na canoa, remar ou apenas observar alguma situação faz parte do lazer e do aprendizado. O brincar com miniaturas de barco é uma das paixões das crianças e essa brincadeira possibilita criar, inventar, imaginar e vivenciar experiências intensas e significativas.

Nesse convívio marcado pela oralidade vai se constituindo o Prático que aprendeu nessa produção espacial a distinguir o alimento preferido dos peixes, visualizar um rebojo, banzeiro, pedral e os perigos eminentes na navegação. 

Transporte de cargas na Amazônia – Foto: Emídio Oliveira.

 Essas trocas simbólicas oferecem lições e aprendizados significativos, sendo transmitidos ao longo de gerações, desde o ofício de construir uma embarcação de madeira até navegar em rios perigosos, como é o caso do rio Madeira. Nesse rio, não basta apenas ter equipamentos sofisticados de navegação, mas torna-se necessário o conhecimento de alguém que o conheça bem nas épocas das cheias e vazantes.

Tais saberes tradicionais evidenciam a importância dos Práticos ribeirinhos na navegação no rio Madeira, atuando na prevenção de acidentes e fortalecendo os seus territórios de comunicação na garantia da mobilidade dos ribeirinhos no interior da Amazônia.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento e justiça social possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas. 

Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com

Lucileyde Feitosa

Professora, Pós-Doutoranda em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho. 

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