O estado de necessidade diante da morte

Quando partem os idosos, os guardiões das memórias desses lugares, uma comunidade empobrece de experiências, afeto, diálogos e amizade.

Foto: Reprodução/Pixabay

As comunidades ribeirinhas da Amazônia desenvolvem diferentes relações com a natureza, sendo lugares privilegiados de encontros, aprendizagens e ressignificações, onde os moradores celebram a vida, o nascimento de uma criança, vivenciam experiências e prestam homenagens aos entes queridos.
O mistério da morte quase não é abordado ao falar das populações ribeirinhas no tocante aos velórios nesses espaços. Mas, na morte de alguém, há uma comunicabilidade expressiva feita de solidariedade, orações, silêncio e ajuda mútua.

Quando falece um morador, não havendo condições financeiras ou na impossibilidade de conseguir uma urna funerária a tempo na área urbana, a comunidade move-se nessa solidariedade comunitária para amenizar o sofrimento da família e fazer o velório do falecido amigo com dignidade.

O carpinteiro experiente vai até a floresta, retira a madeira necessária para a construção imediata do caixão. O falecido não deixa de ser atendido com dignidade, por se tratar do estado de necessidade, o que move os amigos e familiares a fazerem essa prática de ajuda mútua há anos, sendo algo “natural” na visão dos moradores.

Se esperar pelo poder público é capaz de não conseguir sepultar o seu ente querido em 24 horas, lembrando que nas comunidades ribeirinhas de Porto Velho não existem funerárias para a preparação desse momento de sofrimento e dor.

Quando partem os idosos, os guardiões das memórias desses lugares, uma comunidade empobrece de experiências, afeto, diálogos e amizade. A ajuda mútua colabora para a realização de um velório digno, respeitando a fé do falecido.

Um desses guardiões foi Antônio Pantoja Couto, conhecido por Pantera, 79 anos de idade, que partiu para a morada eterna no dia 14 de julho de 2023. Trabalhou na pesca por 27 anos, falava com muita alegria das histórias de Calama, das viagens no rio Madeira, dos navios que transportavam a borracha, da extração da copaíba e da castanha-do-pará.

Pantoja, com toda sua simplicidade, admirável simpatia e sabedoria, fazia questão de dizer uma frase especial: “A natureza consome a gente, a gente consome a natureza”. Nosso guardião foi velado e sepultado no rito dessa solidariedade humana, com dignidade e respeito por parte dos amigos da comunidade de Calama.

Este texto é dedicado à memória desse guerreiro que nos deixou órfãos de sua amizade, alegria e saberes tradicionais.

Sobre o auxílio funeral nas comunidades ribeirinhas de Porto Velho 

Com base na Lei do Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), procurou-se a SEMASF/CREAS há mais de dois meses, objetivando obter a manifestação por parte desta Secretaria a respeito dos seguintes questionamentos:

1) Como tem sido divulgada a assistência funeral no Baixo Madeira?
2) Quantas famílias foram beneficiadas com esta assistência na gestão do prefeito Hildon Chaves?
3) Considerando as distâncias geográficas, como se operacionaliza essa assistência funeral para o fornecimento da urna funerária?
4) Há algum trabalho realizado pelos assistentes sociais para atendimento das famílias que necessitam de imediata assistência funeral?
Infelizmente, não tivemos nenhuma resposta sobre os questionamentos feitos à equipe do CREAS que trata do auxílio funeral, ficando esse espaço aberto para manifestação.
Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações tradicionais. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com

Sobre a autora

Lucileyde Feitosa é professora, Pós-Doutora em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Pós-Doutora em Geografia pela Universidade do Minho/Portugal, Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista do portalamazonia.com.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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