Farinhada que promove a geografia dos sabores

A prática da produção de farinha colabora para a sustentabilidade de comunidades ribeirinhas, manutenção das tradicionais familiares, onde os gostos e as formas de fazê-la são partilhadas, produzindo a geografia dos sabores locais.

A alimentação faz parte da dinâmica social dos grupos humanos, por meio dela se conhece os hábitos alimentares, a transmissão cultural e os sentidos atribuídos aos alimentos na sociedade, considerando as condições geográficas dos lugares.

O cotidiano das pessoas envolve o alimentar-se e isso pode se dá no universo do trabalho, na família, no encontro com os amigos, sendo espaços de convivência humana constitutivos de uma cultura e socialização de experiências.

Nesse espaço social da alimentação, destaca-se o acervo de odores, sabores, gostos e preparos transmitidos ao longo de gerações, sendo associados à experiência que cada um de nós tem dos lugares onde tem vivido ou visitado.

Por exemplo, o cheiro da farinha, da caldeirada de peixe, do cupuaçu e do açaí trazem lembranças vividas, carregadas emocionalmente de cenas, encontros, lembranças, memórias e luta diária pela sobrevivência no interior da Amazônia.

Foto: Bruno Cecim/Agência Pará

O peixe e a farinha continuam sendo o prato principal das refeições em muitas comunidades ribeirinhas da Amazônia, proporcionando saborosos pratos típicos e tradicionais da região. Há modos diversos de preparação do peixe, sendo apreciada a caldeirada onde o peixe passa por um processo de cozimento com ervas, hortaliças e outros ingredientes.

A prática da produção de farinha colabora para a sustentabilidade de comunidades ribeirinhas, manutenção das tradições familiares, onde os gostos e as formas de fazê-la são partilhadas, produzindo a geografia dos sabores locais.

Durante o processo de descascar a mandioca para a produção de farinha ocorre encontros, sendo um momento que participa familiares, vizinhos, parentes, compadres e todos permanecem em torno dos fornos de alumínios, de barros e revestidos com madeiras, sendo os tachos feitos de ferro. Essa experiência é chamada de farinhada que constitui um espaço valioso de trocas simbólicas, partilhas, comunicação comunitária, contribuindo para o fortalecimento do espaço vivido dos moradores.

Farinhada. Foto: Reprodução/IDAM

Ao longo de uma farinhada muitas histórias vão sendo narradas para alegria de quem ouve, interlocuções diversas surgem à beira de um rio amazônico favorecendo partilhas, aprendizados sobre o espaço amazônico, prevenção a situações de riscos e pertencimento ao espaço ribeirinho.

A farinhada pode acontecer uma ou mais vezes durante o ano, dependerá da quantidade de mandioca a ser descascada. Para exemplificar, a produção da farinha d’água que vai desde o momento que se coloca a mandioca na água para pubar, nesse processo de puba se elimina uma substância chamada ácido cianídrico que é prejudicial à saúde humana e de outros animais.

Depois de retirada da água, a mandioca é processada numa espécie de tipiti para a retirada do excesso de água. Em seguida, é torrada em fogo baixo e de forma lenta para secar bem e evitar o mofo.

Farinha sendo torrada. Foto: Reprodução/IDAM

Todo esse processo pode ser manual ou mecanizado, exigindo habilidades e conhecimentos por parte de quem faz a farinha. Esse esforço vale muito a pena quando se saboreia uma caldeirada de peixe acompanhado de um pirão feito com farinha.

Os sabores fazem parte da dinâmica do trabalho e do cotidiano de comunidades ribeirinhas da Amazônia, evidenciando o processo acumulativo de experiências presente no mundo vivido desses habitantes amazônicos.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações tradicionais. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com 

Sobre a autora

Lucileyde Feitosa é professora, Pós-Doutora em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Pós-Doutora em Geografia pela Universidade do Minho/Portugal, Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista do portalamazonia.com.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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