Da pescaria à garimpagem de ouro: desafios no cotidiano ribeirinho

Esse cenário relembra o “boom” da garimpagem de ouro na década de 1980 no rio Madeira, estado de Rondônia.

O espaço ribeirinho passa por mudanças em relação à paisagem encontrada com a presença de inúmeras balsas e dragas que fazem a extração do ouro, assim como o aparato logístico de voadeiras e barcos de madeira. Esse cenário relembra o “boom” da garimpagem de ouro na década de 1980 no rio Madeira, estado de Rondônia.

As comunidades ribeirinhas recebem um fluxo maior de pessoas em razão do entendimento coletivo de que o garimpo foi “liberado” no rio Madeira, o que ocasiona alterações na vida dos moradores, pois muitos estão deixando suas atividades na agricultura e na pesca para dedicarem-se à garimpagem de ouro.

 Balsas / Foto: Lucileyde Feitosa

A motivação de empreender no garimpo é reforçada pela dificuldade no trabalho com a pesca porque os ribeirinhos alegam a existência de uma rígida fiscalização na qual chega prendendo pescadores, multando e apreendendo todos os equipamentos de pesca e muitos não conseguem recuperá-los ou comprar outros devido aos poucos recursos que possuem.

Essa problemática evidencia a transitividade do pescador profissional para o garimpeiro de ouro, reforçando a garimpagem ao longo de todo o rio Madeira.Na prática diz o pescador Antônio: “O pescador vive assustado, sobressaltado e com a dificuldade que tem na pesca já está mudando para a atividade garimpeira”.

As proibições impostas, as apreensões dos equipamentos de pesca, a diminuição de peixes decorrentes das usinas hidrelétricas e o medo de prisão são fatores que colaboram para o desinteresse dos pescadores em relação à atividade de pesca, o que tem sido percebido no cotidiano ribeirinho.

Com a construção das usinas hidrelétricas (Santo Antônio e Jirau) em Porto Velho, os ribeirinhos observaram a diminuição de peixes, alterando o cotidiano na pesca e seus hábitos alimentares. Há a perspectiva da instalação de outra usina hidrelétrica no rio Machado em Rondônia, o que dificultará ainda mais a navegação nesse rio que já é muito problemática no verão amazônico, estando os moradores preocupados com a diminuição dos peixes e tão essenciais na base alimentar ribeirinha.

Peixes /Reprodução internet.

No espaço ribeirinho, o peixe é o alimento básico e essencial das populações juntamente com a farinhae produtos da floresta (açaí, abacaba, patoá, pupunha, tucumã, entre outros), mas por conta de fiscalizações tidas como abusivas segundo os ribeirinhos a atividade de pesca anda ameaçada, com dias contados, assim como a arte da produção artesanal de tarrafas, malhadeiras, linhadas, alguns dos instrumentos utilizados nas pescarias na Amazônia.

Os pescadores e agricultores estão ressignificando suas vidas no garimpo, o qual tem atraído pessoas de diversas faixas etárias, homens e mulheres em busca de melhores condições de vida, ganho fácil e sorte rápida. A atividade garimpeira há décadas movimenta a economia dos lugares, desde a compra de diesel, equipamentos, gêneros alimentícios, educação e serviços diversos.

A garimpagem de ouro produz formas de trabalho, modos de produção de um espaço geográfico. O cotidiano no garimpo é intenso, necessita de esforço do garimpeiro para vencer o sono, driblar cansaço, mergulhar muitas vezes em locais perigosos. Essas situações de perigo fazem parte da dinâmica do garimpeiro que sempre estar em busca da fofoca (local da fartura do ouro e muitas balsas ou dragas se aglomeram no interesse pelo minério).

A fofoca é o local da atratividade, o garimpeiro é corajoso, se arrisca muito, enfrenta desafios enormes na busca pelo minério, convive com riscos diários como o manuseio do mercúrio (azougue), enfrenta temporais sem saber como será o desfecho quanto ao mergulho arriscado com os animais perigosos (candirus, jacarés, arraias, peixe elétrico e outras cobras).

Essa forma de trabalho existente no rio Madeira há décadas está a cada dia atraindo mais homens e mulheres porque o ouro está em alta como dizem os ribeirinhos, mesmo nesse tempo de pandemia da Covid-19. Faz parte desse universo o perigo, o medo, a diversão amorosa nos bregas (espaços de diversão), a socialização, o aprendizado sobre o rio, as narrativas contadas com efeitos especiais destacando as vivências humanas, as histórias familiares ligadas ao garimpo e o sonho da sorte em ganhar bem, enriquecer rapidamente e obter muito ouro.

Toda essa situação por outro lado expressa a desassistência de algumas políticas públicas destinadas aos ribeirinhos para terem outras atividades profissionais, as quais ajudariam no sustento da família, no bem-estar e na preservação do meio ambiente. O espaço ribeirinho tem muita potencialidade, basta vontade política e o interesse na implementação de amplas ações eficazes, sustentáveis e adequadas para as comunidades ribeirinhas.

Quem trabalhou no garimpo sabe o quanto a luta é árdua para obtenção do ouro, sendo muito arriscado este tipo de atividade e a vida está sempre em risco!! Apesar disso, tem sido o atrativo atualmente para os ribeirinhos garantirem o seu sustento básico e alguns se empenham na construção de balsas de madeira para a exploração do tão sonhado ouro.

Balsinha utilizada na extração do ouro/ Foto: Lucileyde Feitosa.

 Além disso, muitos problemas sociais e ambientais estão associados à atividade garimpeira, desde a prostituição, trabalho infantil, condições e jornada de trabalho, disseminação de doenças diversas, consumo de bebidas alcoólicas e entorpecentes, contaminação das águas e dos peixes, acidentes na navegação e violências diversas. Outro aspecto preocupante é com as crianças em idade escolar que acabam acompanhando os pais no garimpo e há prejuízos na continuidade dos estudos.

Para finalizar, os ribeirinhos estão na fase da transitividade profissional pelo estado de necessidade, da situação das proibições na pesca e do entendimento do garimpo ser liberado no rio Madeira, pondo em risco o futuro das comunidades no tocante à manutenção de suas tradições, costumes, alimentação, saúde e meio ambiente com o avanço da garimpagem de ouro no rio Madeira. Além disso, pode-se reforçar nesse cotidiano os movimentos migratórios, evasões escolares, contaminações e multiplicidade de riscos resultantes dessas relações de trabalho na produção do ouro.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento e justiça social possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail:

Lucileyde Feitosa

Professora, Pós-Doutoranda em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho.

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