Acessibilidade improvisada nos barrancos do Madeira

A mobilidade e acessibilidade devem ser discutidas nas comunidades e no âmbito das políticas públicas para a implementação de ações efetivas nesse espaço geográfico.

O Terminal Hidroviário do Cain’água é o local de embarque e desembarque de passageiros e cargas no Município de Porto Velho, estado de Rondônia.É onde a acessibilidade não chegou para todos. Há três maneiras do passageiro chegar a bordo de uma embarcação: escada de madeira improvisada, plataforma de acesso em estrutura metálica ou simplesmente descer o barranco íngreme do rio Madeira.

Quando esse terminal apresenta problemas na estrutura metálica da rampa, ficando interditado por questões de segurança e manutenção, os passageiros precisam descer o barranco pelas escadas, sendo um teste de resistência física, medo e estado de necessidade. 

Foto 01: Rampa interditada no Terminal Hidroviário do Cain’água, Porto Velho-RO. Fonte: Domingas Luciene, em 06/08/2021

A mobilidade e acessibilidade devem ser discutidas nas comunidades e no âmbito das políticas públicas para a implementação de ações efetivas nesse espaço geográfico. O direito de ir e vir continua sendo privilégio de poucos, em razão do custo da passagem de barco (varia de R$ 70,00 a R$ 80,00) não ser compatível com a renda familiar de muitos moradores. Com isso, existe pouca mobilidade dos ribeirinhos nessa área. Por exemplo, os idosos não possuem gratuidade no transporte fluvial, sendo um direito violado.

Quanto à acessibilidade é precária e na época das vazantes (verão amazônico) os barrancos variam de 2 a 4 metros de altura. Há muito esforço e vontade para deslocar uma pessoa com deficiência, mobilidade reduzida ou criança quando precisa viajar de barco. É a realidade do improviso que viola qualquer direito humano porque se mantém a falta de segurança, de investimentos públicos e proteção à vida.

Foto 02: Escada de madeira e barcos recreios no Terminal do Cain’água em Porto Velho-RO. Fonte:
Lucileyde Feitosa, em 06/08/2021

As comunidades ribeirinhas estão localizadas ao longo dos rios, igarapés, lagos, terra firme, sendo o principal meio de transporte nessa área o barco recreio (embarcação motorizada), o qual não passa todos os dias, o que restringe a mobilidade dos moradores no interior da Amazônia.

Foto 03: Barranco no Distrito de São Carlos, Porto Velho-RO. Fonte: Luciene Feitosa.

Em cada comunidade, há uma maneira distinta de embarque e desembarque de passageiros e cargas. Os moradores aguardam à beira do rio Madeira, no sol ou na chuva, para embarcarem, utilizam durante o dia um pano branco para chamarem a embarcação e à noite a lanterna. O tempo de viagem em cada barco varia conforme percurso escolhido, condição climática, potência do motor e quantidade de carga transportada.

É evidente o atraso na infraestrutura das comunidades ribeirinhas quanto à acessibilidade. Os próprios moradores fazem as escadas, no sentido de minimizar um pouco essa problemática; outras vezes, recorrem aos flutuantes particulares para descerem do barco ou voadeira com o mínimo de segurança.

Além disso, existe a tábua de 30 centímetros na qual é um teste de resistência física, correndo o risco de alguém cair no rio, se machucar, pisar em falso ou encontrar no caminho algum animal peçonhento (cobra venenosa).

Foto 04: Tábua e o desafio de chegar ao barco. Fonte: Lucileyde Feitosa.

É sempre desafio subir e descer os barrancos do rio Madeira, principalmente na época da vazante quando as águas baixam, ficam altos, sendo muito dificultoso para um passageiro que necessita viajar de barco. Os moradores correm riscos na descida de caírem, se desequilibrarem na tábua de 30 centímetros e terem sérios prejuízos.

Foto 05: Barranco no Distrito de Calama, Porto Velho-RO. Fonte: Lucileyde Feitosa

Muitas vezes, os passageiros contratam estivadores para ajudarem a descer as cargas ou bagagens pessoais. Já teve situação de uma passageira contratar dois homens no Cain’água para descerem o barranco com uma senhora idosa, baixa visão e na faixa etária de 70 anos, cujo destino final era Manicoré-AM. Sem dúvida, uma situação vexatória e lamentável!

No período de intensas chuvas, os barrancos ficam escorregadios, as escadas lisas, dificultando ainda mais a acessibilidade dos moradores.Vale lembrar que a descida e subida de um barranco ocorre com chuva, sol, escuridão, tendo em vista que o barco navega durante o dia e à noite.

A população ribeirinha é desfavorecida em muitas situações, a distância geográfica é duplicada pela falta de algumas políticas públicas que não chegam e promessas “politiqueiras” não cumpridas.

Os bens e serviços públicos precisam chegar a toda comunidade amazônica, sem qualquer distinção, tendo melhor acessibilidade e terminais/atracadouros funcionais, passagens com tarifas mais acessíveis para os moradores conseguirem exercer à sua cidadania e comunicarem suas demandas às Instituições governamentais.

Como diz o geógrafo Milton Santos “O cidadão é o indivíduo no lugar. A República somente será realmente democrática quando considerar todos os cidadãos como iguais, independentemente do lugar onde estejam”.

A acessibilidade é urgente, necessária para a garantia da dignidade da pessoa humana e todo morador, independente do lugar onde esteja, merece respeito e assistência para proteção da vida no espaço ribeirinho.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento e justiça social possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com


Lucileyde Feitosa

Professora, Pós-Doutoranda em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho.

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