Fruto do açaí. Foto: Reprodução/IDAM
Por Yunier Sarmiento Ramírez e Jose Barbosa Filho
A Amazônia abriga uma diversidade de sistemas produtivos locais (SPLs) — da castanha, do açaí e dos óleos vegetais ao artesanato e ao turismo de base comunitária — que articulam saberes tradicionais, conservação ambiental e geração de renda. No entanto, a passagem “da floresta ao mercado” enfrenta gargalos persistentes de logística, crédito, assistência técnica, certificação e acesso a canais comerciais mais justos, ao mesmo tempo em que convive com pressões de desmatamento e volatilidade de preços.

Este artigo analisa os desafios e oportunidades para o fortalecimento dos sistemas produtivos locais na Amazônia, à luz da transição para uma bioeconomia baseada na sociobiodiversidade e na valorização dos conhecimentos tradicionais. A discussão enfatiza o papel das políticas públicas, do cooperativismo, da rastreabilidade e da inovação tecnológica como eixos estratégicos para a sustentabilidade regional. Em seguida, são mobilizados dados do IBGE que caracterizam a escala e a dinâmica recente da produção extrativista e agroflorestal, oferecendo subsídios para compreender as potencialidades e limitações desses sistemas no desenvolvimento territorial sustentável da região.
1. Panorama da Produção Extrativista na Amazônia
Os dados mais recentes do IBGE (2024) revelam que o Brasil produziu 763.662 toneladas de produtos alimentícios oriundos da extração vegetal, distribuídas de forma bastante desigual entre as grandes regiões do país. A Região Sul ocupa o primeiro lugar, com 387.200 toneladas, o que corresponde a 51% do total nacional, seguida pela Região Norte, com 277.058 toneladas (36%). As demais regiões — Sudeste (7%), Nordeste (5%) e Centro-Oeste (1%) — têm participações bem mais modestas, conforme apresentado na Figura 1.
Figura 1 – Quantidade produzida na extração vegetal de produtos alimentícios por grande região, Brasil, 2024.

A produção expressiva do Sul, contudo, é fortemente concentrada em um único produto: a erva-mate, cuja extração alcançou 377.441 toneladas, representando cerca de 95,5% da produção total da região. Trata-se de uma cadeia consolidada e tradicional, voltada tanto ao mercado interno quanto à exportação, e que difere substancialmente das dinâmicas produtivas observadas na Amazônia. No caso amazônico, a diversidade é a principal característica: castanha-do-pará, açaí, babaçu, andiroba, buriti, copaíba e outros produtos formam uma teia de sistemas produtivos locais (SPLs) baseados no uso sustentável da floresta e na valorização de saberes tradicionais.
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Esses dados revelam dois modelos distintos de extrativismo vegetal no Brasil. O primeiro, predominante no Sul, é marcado pela especialização produtiva e pela inserção consolidada em cadeias agroindustriais. O segundo, característico da Amazônia, apresenta forte relação entre economia e ecologia, sendo sustentado por comunidades ribeirinhas, indígenas e extrativistas que conciliam o uso dos recursos naturais com a conservação ambiental. Essa diferença explica por que, mesmo com menor volume absoluto, a produção amazônica possui maior relevância socioambiental e representa um ativo estratégico para o avanço da bioeconomia e do desenvolvimento territorial sustentável.
A análise dos levantamentos anteriores do IBGE indica que a participação da Região Norte tem se mantido relativamente estável ao longo dos últimos anos, sempre figurando entre as principais produtoras de alimentos extrativos do país. Essa constância reforça o papel estrutural do extrativismo amazônico na economia regional e sua importância para a transição rumo à bioeconomia sustentável. Essa estabilidade sugere resiliência dos sistemas extrativistas amazônicos, mesmo diante de desafios como a oscilação de preços, o difícil acesso a mercados e a pressão de atividades predatórias. Assim, o fortalecimento dessas cadeias — por meio de políticas de crédito verde, certificação, agregação de valor e infraestrutura logística sustentável — é essencial para transformar o potencial amazônico em vantagem competitiva e sustentável no cenário nacional e global.
2. Principais Produtos da Extração Vegetal na Amazônia
A diversidade produtiva é uma das principais marcas do extrativismo amazônico. Os dados do IBGE (2024) revelam que, embora produtos como açaí (229.938 t) e castanha-do-pará (33.422 t) liderem a produção regional, há uma ampla variedade de itens que compõem o mosaico dos sistemas produtivos locais — incluindo fibras, óleos vegetais, borrachas naturais, piaçava, babaçu, buriti e outros frutos nativos com grande potencial de uso na bioeconomia.
Tabela 1 – Produção de produtos extrativos selecionados na Região Norte, 2024
| Madeira em tora | 8.080.566,0 | Metros cúbicos |
| Lenha | 3.309.926,0 | Metros cúbicos |
| Açaí (fruto) | 229.938,0 | Toneladas |
| Carvão vegetal | 140.793,0 | Toneladas |
| Castanha-do-pará | 33.422,0 | Toneladas |
| Fibras | 5.355,0 | Toneladas |
| Piaçava | 5.039,0 | Toneladas |
| Palmito | 3.299,0 | Toneladas |
| Pequi (fruto) | 3.074,0 | Toneladas |
| Oleaginosos | 2.467,0 | Toneladas |
| Borrachas | 1.549,0 | Toneladas |
| Hevea (látex coagulado) | 1.532,0 | Toneladas |
| Babaçu (amêndoa) | 1.296,0 | Toneladas |
| Buriti | 297,0 | Toneladas |
| Copaíba (óleo) | 290,0 | Toneladas |
| Pequi (amêndoa) | 270,0 | Toneladas |
| Cumaru (amêndoa) | 188,0 | Toneladas |
| Ceras | 120,0 | Toneladas |
| Castanha-de-caju | 53,0 | Toneladas |
| Hevea (látex líquido) | 18,0 | Toneladas |
| Mangaba (fruto) | 12,0 | Toneladas |
| Aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes | 1,0 | Toneladas |
| Urucum (semente) | 1,0 | Toneladas |
| Tucum (amêndoa) | 1,0 | Toneladas |
Fonte: IBGE – Produção da Extração Vegetal e Silvicultura (PEVS), 2024.
Essa diversidade reflete a interdependência entre economia e ecossistema amazônico, pois cada produto extrativo está associado a um bioma específico, um ciclo ecológico e um saber tradicional distinto. O açaí, por exemplo, é o principal produto alimentar da região, com forte presença em mercados nacionais e internacionais, enquanto a castanha-do-pará constitui um dos pilares da renda comunitária em territórios ribeirinhos e indígenas.
Além disso, produtos como copaíba, andiroba, buriti e cumaru apresentam crescente demanda nos setores cosmético e farmacêutico, sendo estratégicos para a consolidação da bioeconomia amazônica. Mesmo itens com menor volume, como o urucum e o tucum, possuem valor simbólico e potencial de uso em cadeias artesanais e de pigmentos naturais.
Essa variedade evidencia que o extrativismo na Amazônia não é apenas uma atividade econômica, mas um modo de vida e de gestão ambiental coletiva, que contribui simultaneamente para a conservação da floresta e para o sustento de milhares de famílias. Assim, fortalecer esses sistemas produtivos exige políticas públicas que combinem inovação tecnológica, valorização cultural e acesso justo a mercados, promovendo uma transição efetiva “da floresta ao mercado”.
3. Desafios e Oportunidades para os Sistemas Produtivos Locais na Amazônia
A Amazônia é um território de paradoxos: possui uma das maiores biodiversidades do planeta, mas também enfrenta profundas desigualdades socioeconômicas e gargalos estruturais que dificultam a consolidação de sistemas produtivos locais sustentáveis. De acordo com Dias e Galina (2025), os negócios da floresta — em sua maioria, associações e cooperativas formadas por ribeirinhos, indígenas e extrativistas — representam alternativas concretas de desenvolvimento, pois combinam valorização da sociobiodiversidade com inclusão produtiva e conservação ambiental. No entanto, a ausência de infraestrutura adequada, o alto custo logístico e a concentração de valor nas etapas finais das cadeias produtivas ainda limitam o alcance econômico dessas iniciativas.
Entre os principais desafios estruturais, destacam-se:
- Infraestrutura e logística insuficientes, que elevam o custo de transporte dos produtos extrativos e reduzem sua competitividade nos mercados nacional e internacional;
- Baixa capacidade de agregação de valor, já que a maior parte da produção é comercializada in natura, com pouca industrialização local;
- Acesso limitado a crédito e assistência técnica, especialmente nas áreas rurais e fluviais;
- Fragilidade institucional e ausência de políticas públicas contínuas voltadas à bioeconomia e à organização comunitária.
Como observam Ossame et al. (2025), a bioeconomia amazônica surge como um caminho promissor para enfrentar esses desafios, ao propor a transformação sustentável dos recursos biológicos em produtos de maior valor agregado, como alimentos funcionais, cosméticos naturais e fitoterápicos. Essa abordagem favorece cadeias mais resilientes e reduz a dependência da exploração predatória, ampliando as oportunidades de mercado para comunidades locais.
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Por outro lado, o relatório da Jornada Amazônia (2024) reforça que as cadeias produtivas amazônicas são complexas e fragmentadas, com baixo grau de integração entre os elos de produção, processamento e comercialização. A construção de uma cadeia de valor sustentável, portanto, requer arranjos interorganizacionais capazes de articular comunidades, governos e setor privado — promovendo inovação social, governança compartilhada e inclusão produtiva.
Ainda que os obstáculos sejam significativos, há oportunidades estratégicas emergindo nesse cenário:
- Expansão dos mercados verdes e éticos, que valorizam produtos certificados e de origem sustentável;
- Integração digital e comércio eletrônico, que reduzem intermediários e ampliam o alcance de produtores locais;
- Valorização dos saberes tradicionais, reconhecidos como ativos culturais e produtivos da sociobiodiversidade;
- Iniciativas de financiamento climático e investimentos de impacto, que têm direcionado recursos para projetos de baixo carbono e negócios comunitários da floresta.
Essas dinâmicas indicam que o futuro dos sistemas produtivos amazônicos dependerá da capacidade de conectar inovação tecnológica, justiça social e conservação ambiental. Assim, transformar o potencial da floresta em oportunidades de mercado sustentáveis exige repensar as políticas públicas, os instrumentos de fomento e os modelos de governança regional — colocando as comunidades tradicionais no centro da estratégia de desenvolvimento da bioeconomia.
4. Considerações finais
Os sistemas produtivos locais da Amazônia enfrentam o desafio de conciliar conservação ambiental e desenvolvimento econômico em um território marcado por desigualdades estruturais e baixa capacidade de agregação de valor. As cadeias extrativistas, formadas majoritariamente por cooperativas e comunidades tradicionais, ainda sofrem com limitações logísticas, falta de crédito e infraestrutura, além de políticas públicas fragmentadas. No entanto, estudos recentes apontam que a bioeconomia amazônica representa uma oportunidade estratégica para transformar produtos tradicionais — como o açaí, a castanha-do-pará e os óleos vegetais — em bens de alto valor agregado, fortalecendo cadeias de valor sustentáveis e gerando inclusão social. Essa transição, entretanto, exige inovação tecnológica, governança compartilhada e integração entre comunidades, governos e setor privado, de modo que o potencial da floresta seja convertido em riqueza distribuída e sustentável, sem romper o vínculo histórico e cultural das populações amazônicas com seus territórios
Referências
DIAS, Sylmara Lopes Francelino Gonçalves; GALINA, Simone Vasconcelos Ribeiro. Negócios da (na) floresta amazônica: desafios e oportunidades da sustentabilidade na cadeia de valor. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 30, e93339, São Paulo: FGV EAESP, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.12660/cgpc.v30.93339.
OSSAME, Reinaldo Dias; EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Bioeconomia, inclusão social e sustentabilidade: caminhos para uma transição verde e justa. RECIMA21 – Revista Científica Multidisciplinar, v. 6, n. 3, p. e636303, 2025. Disponível em: https://recima21.com.br/index.php/recima21/article/view/6303.
JORNADA AMAZÔNIA. A complexidade da cadeia produtiva na Amazônia: os desafios e potenciais de uma bioeconomia inclusiva. Relatório técnico, 2024. Disponível em: https://jornadaamazonia.org.br.
Com a colaboração de:
Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos
Sobre o autor
Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.
Contato: jbarbosa@ufam.edu.br
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